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As relações com o exterior 1 A clausura

No documento 0 MOSTEIRO SANTA CLARA DO PORTO (páginas 140-157)

de confessores e capelães no Mosteiro de Santa Clara do Porto exactamente

3.4 As relações com o exterior 1 A clausura

A primeira comunidade religiosa feminina vinculada à Ordem dos Frades Menores foi, como já vimos, o Mosteiro de S. Damião, onde Clara de Assis professou. Esta comunidade foi dirigida por S. Francisco, que m a r c o u as n o r m a s de conduta da vida religiosa — clausura, pobreza, humildade — , e n q u a n t o se esperava por u m a constituição definitiva. Antes de esta ser elaborada, as religiosas foram-se guiando por princípios adoptados pelos Frades Menores.

Um dos eixos fundamentais que define a Ordem de Santa Clara é a clausura. É em função desta que se regulamenta tanto a vida das freiras como as actividades do convento.

A c l a u s u r a feminina foi s e m p r e m u i t o mais rígida do que a masculina. Esta atitude está relacionada com a concepção tradicional de que a m u l h e r incita o homem ao desejo — estando este intimamente ligado ao pecado. A m u l h e r é utilizada pelas «forças do mal» como objecto de tentação e, por conseguinte, convém que esteja o mais recolhida possível.

O conceito de c l a u s u r a não implica unicamente afastamento físico, mas t a m b é m u m corte radical com o m u n d o exterior por todas as formas que o contacto se possa efectuar. Claro que isto levanta problemas como, por exem- plo, o das necessidades de subsistência e, daí, a existência de serviçais que entabulam o relacionamento com o m u n d o que está para além dos m u r o s da clausura. Mas, evidentemente que, pelas funções que desempenham na comu- nidade, as serviçais observam princípios directores diferentes dos das religio- sas. «Possam com tudo em cada h u m dos ditos mosteiros ser recebidas algûas ainda que poucas com nome de servidoras ou ou (sic) de I r m a n s que prome-

tão, e g u a r d a m esta mesma Regra, excepto o artigo da clauzura, as quaes de mandado, e licença da Abbadeça poderão algiias vezes sahir a p r o c u r a r os negócios do mosteiro (...)» (79). Por outro lado, a comunidade feminina tem de ser a c o m p a n h a d a por homens (as únicas pessoas que têm poder p a r a a d m i n i s t r a r os sacramentos, celebrar os ofícios, etc.) e é a eles que, em termos de hierarquia eclesiástica, têm de obedecer. Apesar da rigidez com que a clausura é encarada, existem n a t u r a l m e n t e laços afectivos com o m u n d o exterior, prevendo-se, até, a possibilidade de se receber visitas. «Que as freyras vivão continuamente e n c e r r a d a s no mosteiro. As que esta vida p r o m e t e r a m sejão obrigadas firmemente todo o tempo da sua vida a estar e n c e r r a d a s d e n t r o da clauzura dos muros, (...), salvo se acazo, o que Deos não permita sobreviesse algúa necessidade perigoza, que se não pudesse

e s c u z a r a s s i m c o m o d e fogo, o u e n t r a d a d e i n i m i g o s o u o u t r a s i m i l h a n t e

cauza (...) (80)».

A religiosa compromete-se, pelos votos que formula, a abdicar de todo e qualquer contacto com a realidade que, de fora, a rodeia. Os únicos motivos que justificam a não obediência a este princípio são, como se viu, de força maior. Nestes casos, ela deverá ser conduzida a um local onde o isolamento lhe permita não prejudicar os hábitos de solidão já adquiridos.

A entrada de pessoas e s t r a n h a s ao convento está, também, minuciosa- mente regulamentada. Pode implicar a autorização de superiores hierár- quicos ou, por exemplo, a a p r e s e n t a ç ã o de uma espécie de credenciais por parte dos visitantes. A Regra regulamenta os casos em que se podem a b r i r excepções, como já tivemos o p o r t u n i d a d e de verificar: assistência médica no caso de uma doença grave, visita habitual de um sangrador, incêndio, inun- dação, realização de alguma obra (por exemplo, c o n s t r u i r u m a sepultura). Quando se t r a t a da e n t r a d a de algum leigo, n o r m a l m e n t e especifica-se que ele terá de ser a c o m p a n h a d o por um m e m b r o da comunidade. Para o cum- primento desta norma, a Regra a p r e s e n t a Uma série de directrizes a propó- sito da e s t r u t u r a do edifício, insistindo-se p a r t i c u l a r m e n t e nos locais onde se poderá verificar o contacto com as pessoas de fora.

O resguardo das religiosas acentua-se por o u t r a s dificuldades materiais impostas ao seu relacionamento com o m u n d o exterior. A comunicação estabelece-se penosamente, através de b a r r e i r a s que nem sempre se trans- põem com facilidade.

Comecemos por falar na porta de ligação entre a c l a u s u r a e o exterior, que apenas pode ser transposta por alguma religiosa em caso de necessidade

(79) — Regra e Constituições, fis. 3 v.-4. (80) — Regra e Constituições, fl. 3.

premente. Conhecida por «porta interior do mosteiro», guarda-a u m a i r m ã «discreta e deligente e de honestos custumes; (...) de conveniente idade (...)». A porta, completamente opaca, já que não tem q u a l q u e r janela ou postigo, situar-se-á num local elevado, chegando-se a ela por intermédio de u m a ponte levadiça, atada com correntes de ferro e s e m p r e levantada desde Completas até Prima do dia seguinte. Outras recomendações a propósito do acesso a esta porta e da sua utilização: e s t a r á obrigatoriamente e n c e r r a d a com fechaduras de ferro, de dia com u m a chave e, de noite, com duas. Nela ninguém poderá falar, com excepção da I r m ã Porteira; no entanto, sempre de assuntos relacionados com o seu ofício e a pessoas a quem a Regra auto- rizar. 0 capítulo referente a este a s s u n t o t e r m i n a com u m a advertência acerca das pessoas seculares a quem p o d e r á ser preciso a b r i r esta porta p a r a e n t r a r e m no convento e nele executarem alguma o b r a de construção ou r e p a r o . Neste caso concreto, a Abadessa deverá t o m a r as suas providên- cias p a r a que o u t r a religiosa que não a p o r t e i r a g u a r d e essa porta, a fim de que pessoa alguma estranha à obra possa ter acesso à clausura: « (...) porque todas as i r m a n s (...) se hão de g u a r d a r com grande deligencia, quoanto pude- rem, que não sejão vistas de siculares, nem de pessoas estranhas» (81).

De igual modo, p a r a que as religiosas não possam ver p a r a o exterior, nem ser vistas deste, a roda ou torno de cada mosteiro, localizado n u m a parede externa, deverá ter a largura e a altura suficientes p a r a que ninguém possa e n t r a r ou sair. Destinando-se a deixar p a s s a r «(...) as couzas nesessa- rias, assim de d e n t r o como de fora (...)» (82), revesti-lo-ão duas portas, sem- pre fechadas de noite e de dia, e n q u a n t o as freiras d o r m e m . A zelar pela sua g u a r d a e s t a r á u m a religiosa de «bons costumes e conveniente idade», auxiliada por u m a companheira nos momentos em que se encontre impedida de exercer as suas funções.

P a r a t r a t a r de assuntos que não possam ser resolvidos nem pela porta interior, nem pela roda, a Regra recomenda a existência de u m a segunda porta. Não se alongando sobre esta matéria, o seu capítulo XV insiste na necessidade de esta porta e s t a r p e r m a n e n t e m e n t e fechada com chaves e fechaduras de ferro e revestida externamente, p a r a que seja de todo impos- sível estabelecer-se a comunicação com a p a r t e de fora, sem que p a r a tal se tenha autorização.

Somente no locutório é que as religiosas podem falar com seculares, seus familiares ou não. Ou seja, através de um orifício aberto na parede da capela, orifício este «(...) de lamina de ferro sutilmente furada com b u r a q u i n h o s

(81) — Regra e Constituições, fl. 12. (82) — Regra e Constituições, fl. 12.

muito piquenos, e de tal modo pregada com pregos de ferro que nunca se possa abrir. Sejão t a m b é m nela postos muitos cravos compridos e agudos pelas partes de fora, e da parte de dentro, se ponha h u m panno negro de linho de tal maneira que as irmans não possam ver aos de fora nem elles a ellas» (83).

Mais u m a vez se evidencia o extremo cuidado que preside ao estabeleci- mento de qualquer elo de ligação com o m u n d o exterior à clausura. O isola- mento das religiosas é sagrado, total e praticamente intransponível. Quebrando-se esporadicamente, tais momentos apenas ocorrem rodeados de infinitas cautelas e precauções, p a r a que as freiras não só não tenham opor- tunidade de observar o que está para além dos m u r o s do convento, como t a m b é m o inverso não possa suceder.

Finalmente, na parede que separa as religiosas da igreja do convento, se colocará u m a grade p a r a lhes p r o p o r c i o n a r o s a c r a m e n t o da c o m u n h ã o e, em alguns casos extremos, a visita de um familiar. Contudo, esta grade deverá a p r e s e n t a r características tais que a comunicação que através dela se estabeleça seja igualmente «recatada»: feita de b a r r a s de ferro fortes e seguras, s e p a r a d a s entre si por pequenos espaços, guarnecida pelo lado de fora por cravos bicudos e pela p a r t e de d e n t r o por u m pano p r e t o de linho. E n t r e as b a r r a s se porá uma lâmina de ferro furada com pequenos buracos, no meio da qual u m a porta de dimensões reduzidas se a b r i r á p a r a deixar p a s s a r o cálice da comunhão. Acrescente-se, ainda, a existência de p o r t a s de m a d e i r a que, pelo lado de dentro, servem p a r a a u m e n t a r o recato.

Acabámos de analisar os meios postos à disposição das freiras p a r a poderem contactar com o m u n d o que, de longe, as rodeia. Meios exíguos, e de u m a extrema complexidade p a r a esmorecer m e s m o os ânimos mais arrojados. Tê-lo-ão conseguido? Resta-nos, praticamente, ficar pela pergunta e pela suposição de que dificuldades tão e x t r e m a s terão, eventualmente, excitado e s t r a t a g e m a s mais audaciosos ainda.

Vejamos que informações nos pode fornecer a este respeito um conjunto de provisões, breves e patentes enviados às religiosas do Convento de Santa Clara do Porto.

Após u m a visita realizada a esse convento, Frei João da Apresentação, Ministro Provincial, n u m a missiva dirigida à Madre Abadessa em finais do séc. XVII, o r d e n a que logo após Matinas se fechem as portas da c l a u s u r a e que as chaves se entreguem à superiora. Aludindo ao escândalo resultante do facto de m u i t a s religiosas conversarem às janelas, o Ministro Provincial

proibe que delas se fale para a rua, principalmente das que ficam para a parte de Santo António. Recomenda-se, ainda, que as freiras só poderão comunicar pelas grades de quinze em quinze dias e que nenhuma, abdicando da sua vez, peça autorização p a r a o u t r a a substituir. Finalmente, a c a r t a termina orde- nando à Madre Abadessa que não p e r m i t a que se chegue à grade toda e qual- q u e r religiosa que se entender tenha «amizade suspeitosa».

N o u t r a patente não datada, enviada pelo mesmo Ministro Provincial à Abadessa, fazem-se recomendações acerca de o b r a s que se deverão levar a efeito p a r a u m a maior reclusão das religiosas: indica-se que se deve fechar de pedra e cal a porta do celeiro antigo, abrindo-se no mesmo u m a porta de comunicação com o exterior, orientada p a r a a p a r t e de Santo António; e que deverá ser construído de p e d r a e cal, com quinze palmos de altura, o m u r o que divide o quintal das religiosas do passadiço que existe no convento.

Igualmente em data desconhecida, outro Ministro Provincial — Frei João do Espírito Santo — dirige-se à Madre Abadessa e demais religiosas p a r a t r a t a r de assuntos relacionados com a clausura. Segundo ele, o convento é fonte de «escândalo permanente». Assim, condena o facto de se falar na grade do mosteiro a todo o instante como se se tratasse de um lugar público, utilizando expressões como «escândalo notório de pessoas graves, e virtude» e «desatino temerário». Refere-se, t a m b é m com desagrado, ao facto de as religiosas falarem sem restrição alguma das janelas que dão p a r a a rua e p a r a o pátio. Lamenta profundamente que a roda e o ralo, que p e r m i t e m a comunicação com o exterior, se tenham transformado em perfeitos locutórios particulares, motivo, segundo o m e s m o frade, «de sucederem, como tem sucedido muitas descomposições entre as religiosas». Uma vez examinado este assunto com pormenor, Frei João do Espírito Santo faz diversas reco- mendações a todas as freiras, de u m modo geral, e às principais responsáveis pela m a n u t e n ç ã o do bom nome do convento, em particular, declarando que incorre em excomunhão pontifícia toda aquela religiosa e secular que falar na grade da igreja, tanto na de baixo, como na de cima, a q u a l q u e r pessoa, à excepção do moço da sacristia, do Padre Confessor e do Capelão; que se sujeitarão à m e s m a pena as m a d r e s vigarias que não fecharem cuidadosa- mente a referida grade, a qual apenas se poderá m a n t e r aberta entre as dez h o r a s da m a n h ã e o t e r m o da missa do dia; que os p a d r e s confessores e capelães sofrerão, igualmente, excomunhão, e serão privados dos seus ofícios caso a b r a m , ou dêem a chave p a r a abrir, a porta da igreja; que a Madre Abadessa deverá m a n d a r fazer o u t r a gelosia em substituição da que se q u e b r o u n u m a das janelas do edifício — a que fica sobre a porta do pátio — e que, caso se torne a partir, ordene que a janela seja t a p a d a de pedra e cal.

Na carta patente enviada ao Convento de Santa Clara em Novembro de 1682, Frei António de S. Tomás, entre outros assuntos, t r a t a do recato que deve ser mantido pelas religiosas, situação que, segundo ele, nem sempre se verifica. Afirma que os seculares que passam pelo convento se escandali- zam pelo facto de verem às suas janelas «religiosas tão pouco acauteladas (...) sem toalhas nem véus falando delas desentoadamente e cantando ou tangendo» (84). Como punição para as que deste modo agirem, o Ministro Provincial ordena à Abadessa que as advirta da primeira vez que tal suceder e que, se houver reincidência, o avise, pelo que ficarão privadas de voto em todas as eleições e «dadas como incapazes para os ofícios da religião». Novas alusões à porta regrai, donde resultam «notáveis escândalos».

Noutra carta patente, datada do mesmo ano e também enviada por Frei António de S. Tomás, demonstra-se o cuidado régio com a guarda da clausura. A carta do príncipe, escrita em 12 de Abril de 1679, e tresladada nessa patente, sublinha a preocupação do poder central pelo facto de haver no Convento de Santa Clara algumas janelas que dão para a rua e, consequentemente, devassam a privacidade do interior do edifício. Em resultado de tal preocu- pação, o Ministro Provincial ordena à Madre Abadessa, sob pena de exco- m u n h ã o e privação do seu ofício, que mande colocar em todas as janelas «gelosias miúdas, e apertadas, pregadas de modo que se não ponham nas ditas janelas, nem delas acenem, ou falem (as religiosas)».

Não directamente dirigidos ao Convento de Santa Clara do Porto, m a s a mosteiros de religiosas sujeitas à Regular Observância da Ordem dos Frades Menores, existem diversos breves e cartas patentes onde é bem visível o descontentamento provocado pelo facto de, em muitas comunidades, se não guardarem tão estritamente quanto seria de desejar os votos de reclusão.

Todas estas missivas exprimem um profundo pesar pela não observância das prescrições relativas à clausura, nomeadamente no que diz respeito à manutenção de distância física suficiente entre as religiosas, por u m lado, e o mundo secular, por outro. Condena-se o facto de haver casas de residência de confessores, capelães e procuradores, edificadas em locais muito próximos das religiosas, «metendo-se só de permeio os simples m u r o s que servem de paredes comuns». Esta demasiada proximidade agrava-se pelo facto de exis- tirem, nesses mesmos muros, janelas, frestas e b u r a c o s através dos quais se pode estabelecer u m a comunicação muito íntima entre ambos os lados. Em consequência de tais factos, manda-se demolir e t a p a r esses orifícios «para que assim se possam evitar os inconvenientes, desordens, perigos e escândalos que p r u d e n t e m e n t e se devem supor e recear».

(84)— A.N.T.T., Mosteiro de Santa Clara do Porto, Provisões, Breves, Patentes, etc., vol. 50, p. 97.

Lamenta-se, de igual modo, a facilidade, e a frequência, com que as freiras falam das janelas que e s t ã o orientadas p a r a o exterior da clausura, bem como dos m i r a d o u r o s dos respectivos mosteiros. Proibem-se as con- versas e os acenos às janelas e nos m i r a n t e s e exige-se que as religiosas não falem à porta do convento sem u m véu a c o b r i r - l h e s o rosto. A privação dos seus ofícios e de voz activa e passiva são os castigos impostos, através desta carta, às m a d r e s p o r t e i r a s que não mantiverem sempre fechadas as p o r t a s regulares, que consentirem que alguma religiosa as a b r a e/ou que, através delas, se dêem recados.

Como já tivemos o p o r t u n i d a d e de verificar, a Regra e Constituições são igualmente insistentes na necessidade de g u a r d a r a clausura: «Tenhão muito cuidado as abbadeças e preladas no r e p a r o da c l a u s u r a de sorte que nenhûa indecencia possa padecer, nem temerse dano algum pela p a r t e interior, nem exterior; p a r a o que p r o c u r e m que os m u r o s das h o r t a s sejão fortes, e bem altos, e as janellas assim do dormitório comum, como das cellas particulares, e officinas ainda que cayão dentro da clauzura p a r a a horta, ou claustro tenhão grades fortes de ferro não não (sic) mais distantes h u m ferro do outro, que q u a n t o caiba h u a mão; (...).

Se algûa janella, ou (...) do dormitório, ou officina (...), ou de cella parti- cular cahir fora da clauzura seja a b e r t a tão que não posão chegar a ella as relligiosas; e terá duas grades de ferro distante hûa da o u t r a dous palmos. E se for precizo que a janella esteja alguma couza baixa, terá húa rota, p a r a que se se chegarem as relligiozas não possão ser vistas de fora.

(...) Se houver em algú convento m i r a d o u r o s , p r o c u r e s e que estejão com toda a decência religioza, e terão rotas tam m i ú d a s que não possão as reli- giozas ser vistas nem conhecidas dos de fora (...)» (85).

A clausura, pensa-se, é condição sine qua non p a r a que fique garantida a pureza da alma. Esta garantia adquire-se, ainda, limitando ao máximo a interferência de pessoas e s t r a n h a s ao quotidiano das religiosas. O acesso à clausura está inteiramente vedado quer a seculares, q u e r a religiosos, salvo aqueles a quem for concedida autorização pela Sé Apostólica ou pelo cardeal que superintende a ordem.

«(...) a que ha de fallar tenha consigo ao menos o u t r a s duas freiras que m a n d a r a Abbadeça (...)» (86). Esta recomendação não deixa m a r g e m p a r a dúvidas. Insiste-se que, seja qual for a visita, não haja qualquer contacto e s t r i t a m e n t e individual da freira com o visitante. As conversas deverão, por isso mesmo, ser escutadas por um ou mais m e m b r o s da comunidade.

(85) — Regra e Constituições, fis. 53-53 v.. (86) — Regra e Constituições, fl. 9 v..

Frei João da Apresentação, em carta de 10 de Fevereiro de 1688, dirigida à Madre Abadessa de Santa Clara do Porto, entre outros assuntos refere-se ao cuidado que deve presidir à entabulação de contactos com pessoas estra- nhas ao convento: d e t e r m i n a que na clausura do mosteiro «não e n t r e m meninos ou meninas», abrindo excepção p a r a os familiares das religiosas. Contudo, proibe-se-lhes que passem a noite no convento; depois de Matinas dever-se-ão e n c e r r a r as portas da clausura e as chaves serão entregues imediatamente à Abadessa.

Reflexões muito idênticas, a propósito da entrada na clausura de «meni- nos e meninas», são tecidas numa outra patente dirigida à mesma instituição. Frei João do Espírito Santo dirige-se à Abadessa do Convento de Santa "Clara, repete a proibição de e n t r a d a na clausura de meninos e meninas, «salvo algumas meninas p a r e n t a s de religiosas graves, as quais de n e n h u m a sorte d u r m i r ã o na clausura (...)» (87). As que a c t u a r e m por forma a que tais deter- minações não sejam c u m p r i d a s não poderão votar na eleição seguinte da Abadessa, ficando privadas de voz activa e passiva e de voto por seis anos.

Em resultado da recepção de uma carta proveniente do Núncio papal, Frei João do Espírito Santo dirige-se à Abadessa do Convento de Santa Clara, lamentando o facto de, através dessa carta, ter tomado conhecimento de que nessa comunidade se não g u a r d a m as ordens do Papa. Entre o u t r a s prevari- cações por p a r t e das religiosas, verifica-se o facto de a roda e ralo do mos- teiro, em vez de serem utilizados p a r a a recepção e t r a n s m i s s ã o de recados e para o despacho de outros assuntos, se terem t r a n s f o r m a d o em local de conversa — «locutórios particulares» — , onde, exagero dos exageros, se chegou ao cúmulo de aí se colocarem assentos que t o r n a m mais agradável a troca de palavras: «(...) motivo de sucederem, como tem sucedido muitas descomposições entre as religiosas, que não podem vir à porta regrai da roda por onde os recados se dêem e se tomem, e os mais negócios se despachem, coisa tanto contra o que dispõem os nossos estatutos, como contra a autori- dade do mosteiro» (88).

Frei António de S. Tomás, em Novembro de 1682, manifesta por escrito o seu descontentamento pelo facto de, a q u a n d o de u m a visita que fez ao Mosteiro de Santa Clara, ter sido advertido de que nem sempre a Regra e estatutos da Ordem das Clarissas e r a m c u m p r i d o s . Depois de l a m e n t a r tal ocorrência, ordena, entre o u t r a s coisas, que por ser «grande a confusão que há na entrada da clausura», nela não durma nenhuma secular, que as madres

(87) — A.N.T.T., Mosteiro de Santa Clara do Porto, Provisões, Breves, Patentes, etc., vol. 50, fl. 93.

(88) — A.N.T.T., Mosteiro de Santa Clara do Porto, Provisões, Breves, Patentes, etc., vol. 50, fl. 95.

porteiras e rodeiras não consintam nem a entrada de meninos, nem a de qual- q u e r o u t r a pessoa, a não ser que se t r a t e da execução de algum serviço que as criadas do mosteiro não possam levar a cabo. Alongando-se sobre este assunto, o Ministro Provincial adverte todas as freiras responsáveis que, indo a c l a u s u r a até à porta do segundo c l a u s t r o (como determina o m e s m o Ministro Provincial), devem castigar todas as religiosas que u l t r a p a s s a r e m o seu termo, já que cometem crime de apostasia. A abadessa que não for suficientemente vigilante nesta m a t é r i a será excomungada e privada do seu ofício. Igualmente privada do seu ofício será toda a abadessa que p e r m i t i r que a p o r t a regrai esteja aberta, falando-se através dela com pessoas do exterior, a não ser que se t r a t e de assuntos relacionados com o serviço da comunidade. Também receberão castigos as m a d r e s porteiras que não forem suficientemente cuidadosas em evitar estes «notáveis escândalos».

Através dos limites impostos ao contacto com os familiares acentua-se o isolamento da vida em clausura. Apesar de se admitir a possibilidade de haver hóspedes nos diversos mosteiros, os quais sejam familiares das i r m ã s (pais e irmãos), estão proibidas de t e r e m acesso a chaves que lhes p e r m i t a m conversar na grade mais de três dias (dias estes que só se poderão repetir u m depois de t e r m i n a d o s os primeiros três dias de hospedagem). N ã o sendo as religiosas autorizadas a falar na p o r t a r i a com pessoas seculares, a não ser que se t r a t e dos familiares mencionados, as conversas e n t a b u l a d a s com estes deverão ser breves. Também não poderão manifestar o menor sintoma

No documento 0 MOSTEIRO SANTA CLARA DO PORTO (páginas 140-157)