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Fidelíssima e por ordem da mesma senhora tirou o Desembargador Juiz da

No documento 0 MOSTEIRO SANTA CLARA DO PORTO (páginas 182-186)

Coroa desta Relação Francisco de Azevedo Coutinho e a remeteu para Lisboa no c o r r e n t e de 24 de Julho de 1790», t o m a m o s conhecimento de que o Mos- teiro de Santa Clara do Porto se debate com algumas dificuldades. Entre elas insere-se a despesa com as «vistiarias» e as «calsearias». Felizmente que, para s u p r i r alguns destes gastos, existem religiosas que dispendem nessas com- p r a s dinheiro que têm de seu: proveniente de tenças que recebem, da venda do pão dentro da comunidade, ou, ainda, dos «mimos que em dinheiro lhes dá pelas festas do ano e em outros dias». Mais adiante, n u m a espécie de listagem de todos os gastos do mosteiro, se dá conta de que este paga h a b i t u a l m e n t e 745$748 reis pelos hábitos das religiosas, discriminando-se as despesas da m a n e i r a seguinte: «vistiaria das suas religiosas, na forma determinada antigamente pela Madre Maria Anes... 25$748 reis e 720$000 reis nos hábitos que dá às religiosas no fim de cada triénio».

O u t r a fonte (151), além da mencionada, alude, igualmente, aos gastos na comunidade com a i n d u m e n t á r i a das suas religiosas. Assim, através dela ficamos a saber que no fim de cada triénio se dá, a cada religiosa, 7$200 reis p a r a a c o m p r a de um hábito, e 800 reis p a r a a aquisição de um véu. Porém, esta situação não é a mesma para todas as freiras, já que, tanto a Madre Abadessa como a Vigaria e a Escrivã, têm direito a hábito dobrado. Mais adiante é referido que, no mês de Outubro, mais especificamente no dia da t r a s l a d a ç ã o de Santa Clara, se dá a cada freira 480 reis para um véu.

As peças de r o u p a que servem para revestir o corpo foram sempre utili- zadas como u m a forma de diferenciação social: distinguir os diversos grupos

(151) — A.N.T.T., Mosteiro de Santa Clara do Porto, Usos e obrigações que se devem satis- fazer em certos dias do ano — esmolas de sermões; pratos e doces dados às religiosas; propinas a serventuários; etc., vol. 60.

sociais em relação ao lugar que ocupam na hierarquia da sociedade e às actividades por eles desempenhadas. No caso das religiosas, e de todos os religiosos de um modo geral, este simbolismo é bem claro já que o hábito é a expressão externa da atitude das monjas perante a vida e, simultanea- mente, ajuda a tornar o grupo religioso o mais coeso possível. Neste sentido, as linhas fundamentais da Regra (honestidade, obediência, castidade e pobreza) estão bem reflectidas nas indicações por ela dadas sobre a maneira de vestir. Estas disposições d e m o n s t r a m a vontade de se assemelharem as freiras aos mais humildes da sociedade. Contudo, do que a Regra e Consti- tuições preconizam relativamente à maneira de vestir das religiosas até à forma como elas na realidade se vestem, vai u m a distância que é crucial termos aqui em conta. A atestar essa distância, que é o mesmo que dizer o não c u m p r i m e n t o da Regra, existem várias cartas patentes de ministros pro- vinciais da Ordem dos Frades Menores, dirigidas às religiosas que seguem as suas regulamentações, em geral, e às do Convento de Santa Clara do Porto, em particular.

A modéstia no vestir é especialmente recomendada. Todas as religiosas deverão ter muito cuidado com o seu aspecto externo, vestindo-se e tou- cando-se uniformemente para que não pareçam pertencer a diferentes insti- tutos religiosos. 0 hábito deverá ser de estamenha parda, sem qualquer a d o r n o ou o r n a m e n t a ç ã o . Como também sem «caudas nem decotes inde- centes» p a r a que se conserve a gravidade que convém às esposas de Cristo, «a quem só devem agradar e não ao mundo». Outro ministro provincial, desta vez Frei Faustino de Santa Rosa, t a m b é m não poupa palavras ao referir-se detalhadamente aos hábitos religiosos que, por se terem profanado, consti- tuem um grande contributo para a perda da castidade, voto que devia ser «especialmente atendido e guardado». Mostra-se descontente com os enfeites e adornos utilizados pelas freiras para contrariarem a sobriedade dos hábitos, pelo que as obriga a abandoná-los, «vestindo e toucando como o r d e n a m os seus estatutos». Mais uma vez se determina que os hábitos devem ser de cor parda, acrescentando-se a necessidade de «serem inteiros, em forma de cruz, e que não devem ter caudas, mais que quando muito de um palmo para composição p r ó p r i a quando se abaixarem no Coro ou subirem alguma escada». As recomendações sobre a m a n u t e n ç ã o da honestidade no vestir e no toucar continuam q u a n d o este ministro provincial insiste particular- mente no decoro que deve presidir ao arranjo do cabelo e da face. Deste modo, o pescoço deve estar sempre coberto com toalhas, lisas e redondas, e que «assentem por diante sobre o hábito, para que se evite o grande escân- dalo que nesta parte dão muitas religiosas». O exemplo deve p a r t i r das pre-

ladas, as quais vestirão e toucarão como m a n d a m os estatutos da Ordem. E mais se recomenda que as Madres Abadessas não lancem o hábito de noviça, nem professem seja quem for que não se a r r a n j a r na forma acima determinada. Uns anos mais tarde, em 1757, Frei José de Santa Ana Xavier, Ministro Provincial, discorre novamente sobre a modéstia no vestir, embora referindo-se a seculares que desejem viver em c l a u s u r a e não a religiosas. Também sobre essas recai a obrigação de se vestirem de «cor honesta» e de não poderem trazer consigo adornos de p r a t a ou de ouro. Vinte e três anos depois, já no último quartel do séc. XVIII, o Ministro Provincial da Ordem dos Frades Menores faz observações idênticas a propósito da forma de trajar por p a r t e das seculares. Estas devem vestir-se com decência, com- p o s t u r a e honestidade, para o que muito c o n t r i b u i r ã o as Madres Abadessas dos respectivos mosteiros ao exercerem u m a apertada vigilância. A modéstia no trajar estende-se também às serviçais das comunidades. Em carta patente endereçada directamente ao Convento de Santa Clara do Porto, Frei João da Apresentação ordena à Madre Abadessa, bem como à Madre Vigaria da casa, que não consintam que as criadas andem decotadas, nem tragam gibões de seda e botões de prata, «e quando logo não obedeçam ou haja alguma reli- giosa que se oponha a este nosso mandato, além de ser logo lançada fora a dita criada, Vossa Reverência (a Abadessa) me avise da religiosa que con- tradisser esta nossa ordem para proceder contra ela como nos parecer» (l52). As proibições relativas à alteração, de qualquer forma que seja, da indumen- tária habitual das religiosas, t o r n a m a b s o l u t a m e n t e impraticáveis vestidos de luto, ainda que por morte de algum parente. Assim o determina Frei Faus- tino de Santa Rosa, que se apoia, para tal proibição, num decreto da Sagrada Congregação, expedido em 22 de Janeiro de 1604 e que, como tudo leva a crer, ainda se encontra em vigor.

Como estamos a ter oportunidade de verificar, eram muitas as proibições relacionadas com a maneira de as religiosas se vestirem. O que significa duas coisas, fundamentalmente: por um lado, que as determinações sobre os hábitos religiosos e as formas de os trajar e r a m muito rígidas; por outro lado, que essas determinações não e r a m c u m p r i d a s , pois se o fossem torna- vam imediatamente desnecessário que tal assunto fosse alvo de t a m a n h a insistência por p a r t e dos responsáveis da Ordem. Os castigos e r a m pesados p a r a quem não fosse «honesto no vestir». Para o demonstrar, usemos as palavras de Frei António de S. Tomás, q u a n d o este se dirige à Abadessa de Santa Clara, em Novembro de 1682: «E porque se tem introduzido nas reli-

(152) — A.N.T.T., Mosteiro de Santa Clara do Porto, Provisões, Breves, Patentes, etc., vol. 50, fl. 103.

giosas pouca modéstia na forma de calçar, toucar e vestir com decotados e com fitas de cor, peças de o u r o e outros ornatos que profanam o perfeito estado religioso, m a n d a m o s à Madre Abadessa sob pena de obediência e excomunhão maior que nenhuma destas consinta que chegue à grade, porta ou roda ainda que seja para lalar a seus pais, mães ou parentes» ('").

Por paradoxal que nos possa parecer, o que é certo é que, ao m e s m o tempo que se alertava contra a pouca modéstia no vestir, havia autorizações para diminuir a exagerada sobriedade dos trajes. A pedido das religiosas de Santa Clara, o Ministro Provincial, Frei António de Santa Maria dos Anjos, no ano de 1753, concede autorização para que se s u b s t i t u a m as mantilhas c o s t u m a d a s por «umas capinhas, igualmente decentes e honestas». Com o intuito de salvaguardar a c o m p o s t u r a e a decência, o Ministro Provincial acrescenta que, para que da alteração não resulte qualquer «relaxação» ou «abuso», as ditas capinhas sejam de baeta preta, sem fita, com colchetes, redondas, sem forro ou guarnição alguma «de sorte que só sirvam para com- postura, e para evitar o rigor do tempo, e não concorram para se a n d a r sem hábito». No fundo, podemos concluir, o Ministro Provincial estava muito preocupado com a preservação da «honestidade no vestir», apesar de, com a sua autorização, ter aligeirado a carga de a u s t e r i d a d e característica do trajar religioso. Em 1779, a Abadessa de Santa Clara consegue, por Breve Apostólico, que todas as religiosas do convento possam u s a r véus de seda e tafetá, ao contrário do estipulado na Regra e Constituições que diziam cum- prir, textos segundo os quais a variedade de tecidos de que se podiam con- feccionar os hábitos e os véus era muito limitada. Recordemos, e p a r a finalizar este tema, o que a este propósito se diz no capítulo IV da Regra Segunda de Santa Clara, designado «Do abbito das freiras»: «Estas vistia- d u r a s sejão de panno rellegiozo e vil, asim no preço como na cor (...). Tenhão escapullarios sem capello de pano vil e rellegiozo ou estamenha (...)» (154).

3.8 Saúde e higiene

A existência de enfermas significa u m a irregularidade no quotidiano religioso u m a vez que elas devem desenvolver uma vida completamente à parte. Os cuidados intensivos recomendados podem estar relacionados com a profunda ignorância d a época a respeito das doenças e das respectivas curas. Por outro lado, a atenção reservada às doentes é lógica, tendo em con-

(153) — A.N.T.T., Mosteiro de Santa Clara do Porto, Provisões, Breves, Patentes, etc., vol. 50, fl. 97.

sideraçao que a comunidade faz as funções da família, p a r a além de haver um desejo intenso da prática da caridade.

Para evitar a enfermidade usa-se e abusa-se das sangrias, costume muito comum na época. As religiosas saudáveis poderão ser sangradas no máximo q u a t r o vezes por ano. Como uma espécie de c o n t r a p a r t i d a favorável, as frei- ras, que se submetem a sangrias são alvo de benefícios: «Tem cada religioza q u a n d o se sangra huma escarpiada de paô com 600 reis, e se tirou o abuzo de se naô dar, só passado o anno, e se dá toda a vez que se sangra» ('"). Este facto não sucede apenas com as freiras. Estende-se igualmente às serventuárias: «Toda a moça da comunidade, e officinas que tem reção se está sangrada, ou doente, se lhe troca h u m a broa por dois paens de trigo, querendo ella, e toda a doença emté passarem quinze dias depois de ir a missa

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