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A expressão religiosa durante a Idade Moderna no concelho de Rio Maior

Em Portugal, a arquitectura dominante no século XVII era o “estilo chão”, uma corrente artística portuguesa do Maneirismo. Este estilo é descrito do seguinte modo por José António Ferreira de Almeida: “Às linhas exteriores, de singelos efeitos lineares, do sóbrio estilo chão corresponde um requinte, por vezes extravagante, de decoração interior nesse espaço estático – o azulejo, a talha dourada e os quadros a óleo compõem um ambiente magnífico -, quer cingindo às

Mapa das freguesias do concelho de Rio Maior.

53 capelas, quer alargado a toda a igreja”185. Portanto, desenvolveu-se, a nível arquitectónico, o gosto de uma igreja grandiosa sem ser excessivamente ornamentada no exterior186 mas com uma decoração rica no interior. Se no resto da Europa, em pleno século XVII se sentia o Barroco, em Portugal, os preceitos anteriores eram ainda dominantes, o que trouxe características únicas à arte portuguesa187.

No início do século XVII, as monarquias absolutistas europeias eram afectadas por crises internas. Estas invocavam o direito divino da realeza e favoreceram o desenvolvimento do estilo barroco, que tem como características o luxo, grandiosidade, imponência, riqueza, exuberância, tensão e movimento. As obras de arte barrocas serviam como instrumentos de divulgação do poder de Deus, no contexto de Contra-Reforma, e de propaganda do poder e prestígio da Coroa. Por outro lado, o Classicismo é uma corrente artística que advém do Renascimento. O seu carácter retorna às referências culturais da Grécia e Roma antigas tendo como elementos a harmonia, a simplicidade e a racionalidade. A sua influência permaneceu ao longo dos séculos e coexistiu com o Barroco, dominando-o por vezes.

Os exemplos mais significativos da arquitectura da Idade Moderna no concelho de Rio Maior são: a Igreja da Misericórdia de invocação do Espírito Santo, em Rio Maior; a Igreja Paroquial de Nossa Senhora do Rosário, na Azambujeira; a Igreja Paroquial de Santo António, nas Fráguas; e a Igreja Paroquial de S. Gregório Magno, em Arruda dos Pisões. Nestas igrejas convergem os diferentes estilos: as fachadas são caracterizadas pela sua simplicidade, típica do maneirismo e do “estilo chão”, enquanto que o seu interior é ricamente decorado com elementos clássicos, barrocos e rococós.

A nível da fachada é de destacar os portais das seguintes igrejas: a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, na Azambujeira, cujo portal de calcário lavrado representa uma cabeça de anjo alada inscrita em moldura e ladeado por ornamentos barrocos; e a Igreja de Nossa Senhora da Encarnação, em Arrouquelas, cujo portal maneirista em calcário lavrado, ostenta anjos em baixo- relevo a segurar correntes de folhas e flores. A representação de anjos que se assemelham a querubins e cupidos é um tema comum nas artes renascentistas, que reavivaram nas obras artísticas os mitos da Antiguidade Clássica. O que acabou por influenciar e reinterpretar a arte cristã durante a época moderna188.

185

Cit. José António Ferreira de Almeida (orientedor e coordenador), “Maneirismo”, Tesouros Artísticos de Portugal, op. cit., p. 30.

186 Idem.

187 Vide Vítor Serrão, “O naturalismo tenebrista: a natureza-morta, a mitologia e o retrato na abertura da arte da pintura

a novos «géneros»”, História da Arte em Portugal – O Barroco, Lisboa, Editorial Presença, 2003, p. 13.

188

Vide Maria Carla Prette e Alfonso De Giorgis, “O Barroco”, História da Arte: técnicas, épocas e estilos, op. cit., p. 148.

54 Na decoração interior nas igrejas do concelho, deste período, há exemplos significativos na utilização da telha dourada e decoração azulejar:

 O altar-mor da Igreja da Misericórdia de invocação do Espírito Santo, em Rio Maior, é o exemplo mais significativo da talha dourada do concelho, pela sua riqueza e cenografia: as colunas salomónicas são amplamente decoradas com folhagem, cachos de uvas e com a introdução de escultura189; a representação simbólica do Espírito Santo, a pomba, que está esculpida vinte e três vezes em diferentes poses; e vários anjos semelhantes a querubins (os que suportam as colunas às costas demonstram no seu rosto uma expressão de cansaço o que contribuiu para uma maior teatralidade da obra).

 O altar-mor da Igreja Paroquial de S. Gregório Magno foi construído após o Terramoto de 1755190 e é de destacar pela sua monumentalidade. É uma peça de madeira que cobre na totalidade a parede do presbítero; é revestida a ouro (talha dourada) nos capitéis das colunas e no frontão, portanto, como se pode observar, nestes altares existe uma continuidade de elementos clássicos como as colunas e o frontão na sua composição. Estes elementos não têm uma função prática mas somente decorativa191; e a madeira é policromada.

189 Vide José Fernandes Pereira, “A Arte Barroca”, História de Portugal: De Portugal Cativo ao Portugal absolutista

(I), João Medina (dir.), Amadora, Ediclube, 2004, pp. 449-478,

190 Vide “Apontamentos para uma história regional: O Concelho de Rio Maior há 200 anos…Arruda dos Pizoens”,

Folha Quinzenal de Informação Regionalista, Quinta-feira, 1 de Maio de 1940.

191 Vide Herbert Read, “Definição do Barroco”, O Significado da Arte, op. cit., p. 102.

55  A decoração azulejar nas igrejas distingue-se em dois tipos: o padrão ou tapete, cuja forma abstracta ou geométrica preenche as paredes, enriquecendo-as; e temas religiosos. A utilização de azulejos contribuiu para uma diminuição da pintura dos retábulos192 e de acordo com António Camões Gouveia “atingem no azul e branco setecentista a sua afinação máxima”193

. Na Igreja da Misericórdia de invocação do Espírito Santo a nave central da igreja é decorada por um silhar de azulejos de padronagem194 do séc. XVII, a meia-parede. Estes formam um gradeamento (fundo branco com barras a azul, ao alto) com um friso azul e amarelo. A Igreja de Nossa Senhora do Rosário e a Igreja de Santo António são os únicos exemplos do concelho cujas paredes são decoradas na totalidade por azulejos. Em ambas existem vários tipos de padrão mas o jogo cromático permanece o mesmo: azul, branco e amarelo.

 A nível de painéis iconográficos de temas religiosos estes ocorrem na Igreja Paroquial de Santa Maria Madalena (duas obras sobre a Santa Maria Madalena); na Igreja Paroquial de Nossa Senhora do Rosário (S. Sebastião; Santo António a dar um sermão aos Peixes; o Menino de Jesus Salvador do Mundo; e, no arco triunfal, uma custódia resplandecente ladeada por anjos); e na Igreja Paroquial de Santo António dois painéis figurativos, nomeadamente, um de Santo António e um de Nossa Senhora do Rosário. Portanto, os temas valorizam a vida dos Santos, de Jesus e de Nossa Senhora. Na Igreja Paroquial de Nossa Senhora do Rosário existe uma pomba de faiança, tridimensional e policromada, incrustada na parede por cima do púlpito. É uma situação invulgar pela sua raridade, sendo única no concelho.

192 Vide António Camões Gouveia, “As Artes e o Sagrado”, História Religiosa de Portugal: Humanismos e reformas,

Vol. 2, Carlos Moreira Azevedo (dir.), Lisboa, Círculo de Leitores, 2000, pp. 477-478.

193 Cit. Idem, Ibidem, p. 478. 194

Vide Vítor Serrão, “O azulejo de Seiscentos: o esplendor cenográfico do artifício ornamental”, História da Arte em Portugal – O Barroco, op. cit., p. 115.

Altar-mor da Igreja da Misericórdia de invocação do Espírito Santo, em Rio Maior. Fotografia tirada a 13-5-2010.

56 A nível escultórico a amostra mais significativa da época moderna é: a imagem de Nossa Senhora do Rosário, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, na Azambujeira; a imagem de Nossa Senhora da Assumpção, na capela de Nossa Senhora da Vitória, nas Quintas; a imagem de Nossa Senhora da Conceição, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Rio Maior; a imagem de Santo António, na capela de S. Pedro, nas Correias; e o crucifixo barroco, na capela de Santo André, na Ribeira de Santo André. Como já foi referido anteriormente, durante os séculos XVII e XVIII, o dourado era associado a uma cor divina, a luz. Assim, o ouro foi aplicado na decoração interior e nas peças decorativas, especialmente nos panejamentos, o que as enriqueceu visual e quantitativamente. A sua produção tinha um carácter doutrinal e, para se atingir esse fim, valorizou- se o simbolismo195. Por este motivo são claramente visíveis os atributos destas imagens o que as permite identificar e reflectir sobre o seu significado. Por fim, denota-se uma dramatização196 dos gestos e da fisionomia, típicas do Barroco. Como o Cristo Crucificado, em que o movimento do corpo e a sua fisionomia demonstram sofrimento e a anatomia do corpo e das feridas estão bastante realistas.