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CAPÍTULO 2: COLONIZAÇÃO EM SANTA CATARINA:

2. Natureza apropriada: a exploração dos recursos naturais

2.2. Colonialismo português e apropriação dos recursos naturais

2.2.1. A exploração econômica dos recursos naturais

2.2.1.3. Extração de madeira

A extração de madeira foi outra atividade de destaque, uma vez que, desde os primeiros momentos da ocupação do solo, as taboas constituíam artigo importante nas exportações que se faziam da costa norte catarinense 90.

Ao longo do período colonial, a madeira sempre esteve no rol dos artigos de exportação do Brasil, sendo o maior exemplo o pau-brasil. Outras variedades de madeiras foram exploradas, como o sassafrás, canela, peroba e jacarandá, para citar alguns. Na capitania de Santa Catarina, encontramos uma lista, datada de 1760, das madeiras que eram utilizadas na construção de embarcações, segundo informação dos oficiais designados ao corte de madeira. Consta na lista as madeiras [aracerina?]91, canela preta, peroba, tajubá, siguraju e ipê. De acordo com o documento, a [aracerina?] era a de melhor qualidade, semelhante à sucupira, e dela faziam-se cavernas, trenós, carros, [cintaz?] e [chavez?] . A respeito das outras, serviam para naus, lanchas e outras semelhantes obras 92.

89

Cecília Maria Westphalen, Comércio exterior do Brasil meridional no século XVIII , 1974, p. 284-285.

90

Ernani Silva Bruno, História do Brasil Geral e Regional. Vol. V: São Paulo e o Sul, 1966, p.93.

91

As palavras de sentido duvidoso no documento original, seguem entre colchetes acompanhadas do sinal de interrogação.

92

Por causa dessa exploração, desde o início da colonização de Santa Catarina, a extração da madeira mostrava-se uma preocupação do governador da capitania. Algumas clareiras foram abertas nas matas litorâneas para abrigarem as lavouras de mandioca e servir de lenha para a população.

No tempo do governador José de Melo Manuel, a situação chegava a ser crítica. Em 1754, Melo Manuel enviou uma carta ao Conselho Ultramarino acerca do corte de madeira e da necessidade de se nomear um superintendente da cultura e da defesa da madeira93. Baseando-se num edital expedido pelo poder central, o governador proibia as pessoas de cortar as madeiras:

sem expressa licença sua, para mandar primeiro fazer nelas exame e saber se são, ou não, daquelas qualidades que servem para construções de Naus grandes, e que para esse fim tem mandado proibir e reservar; e de outras a que chamam paus de Lei, ou paus reais que também são defendidos, sem que havia de agora tanta desordem que não só absolutamente os cortavam aonde quer que os achavam sem temor ou receio da dita proibição, mais ainda nas próprias terras de Vossa Majestade; motivos que o obrigaram a por-lhes o referido remédio, antes que pelo tempo adiante os viessem a extinguir94.

O corte de madeira parecia estar bastante avançado e sem fiscalização, a ponto de Melo Manuel pedir a criação do cargo do superintendente do corte de madeira, pois a população extraía madeira sem que as medidas impostas pelo poder oficial as inibissem. As madeiras eram cortadas até mesmo nas terras da Coroa, ou em terras devolutas.

Esta situação pode ser observada ainda num ofício de 4 de julho de 1756, remetido pelo secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Diogo de Mendonça Corte Real, ao governador da capitania do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade. Nessa correspondência, 93

AHU-Santa Catarina, cx. 2, doc. 14, 27, 49.

94

o secretário respondia ao governador sobre a descoberta de baunilha no caminho que ligava o Rio Grande de São Pedro à capitania de Santa Catarina. No entanto, mostrava-se preocupado, pois a população da ilha de Santa Catarina estava utilizando as árvores de baunilha para lenha e instruía o governador a promover a abundância deste gênero, em utilidade de mais este ramo de comércio, e Vossa Excelência mandará fazer as experiências para a sua perfeição 95. Quer nos parecer, dessa forma, que o corte de madeira fugia ao controle do governo da capitania, podendo ter sido um gênero de contrabando, que começou a chamar a atenção do governo a partir de 1750.

A preocupação do poder central com a extração de madeira pode ser identificada nas observações do vice-rei D. Fernando José de Portugal, em princípios do século XIX, ao Regimento trazido pelo governador geral Roque da Costa Barreto, em 167796.

Em suas observações, nos capítulos de número 25 a 27 do Regimento, D. Fernando mostra que havia uma clara determinação aos governadores gerais e, depois aos vice-reis, sobre a conservação das matas em benefício dos Engenhos de Açúcar e necessárias também para delas se extraírem madeiras para os navios e outras fábricas 97. Na provisão de 3 de novembro de 1681, recomendava-se, com o fim de se conservarem as matas ao redor dos engenhos, não se permitir que se construíssem tão perto uns [engenhos] dos outros, sem lugar bastante para se fazer tirar lenhas 98. Já no regimento da Relação de 13 de outubro de 1751, se lhe recomenda igualmente tenha especial cuidado sobre as lenhas e madeiras, que se não cortem, nem queimem para fazer roças ou outras coisas em partes que possam escusar 99.

95

AHU-Santa Catarina, cx.2, doc. 37.

96

In: Hélio e Alcântara Avelar, História administrativa do Brasil: a administração pombalina. Vol. 5, 1983, p. 287. 97 Ibidem, p. 307 98 Ibidem, p. 307-8. 99 Ibidem, p. 308.

Observamos que, mais tarde, no tempo do vice-rei Conde de Resende, uma outra medida foi tomada pela Secretaria de Estado competente, dirigindo-se aos governadores das capitanias do Brasil, em carta de 13 de março de 1797. Nela se declarava:

ser da propriedade exclusiva da Real Coroa todas as matas, e arvoredos à borda da costa, ou dos rios, que desemboquem imediatamente no mar, e por onde em jangadas se possam conduzir as madeiras cortadas até as praias, proibindo-se que para o futuro se possam conceder Sesmarias em tais Sítios100.

Essa proibição fez-se sentir em Santa Catarina no início do século XIX, quando o viajante russo Krusenstern passou pela capitania e observou que seus habitantes tinham:

as melhores espécies de madeira em abundância aqui, as quais, por causa de sua cor é resistência, formariam um importante artigo para exportação: mas isso é absolutamente proibido. O Príncipe Regente, realmente, a fim de colocar este governo nas boas graças do povo declarou que esta ilha seria um porto livre, mas com várias restrições, que dificultam o comércio, e fazem com que esse pretenso benefício seja ridicularizado, já que o principal produto do solo, a madeira, não pode ser exportado de forma alguma, e os outros somente em regime de troca101.

No entanto, pelo que consta, as medidas proibitivas de extração de madeira teriam chegado tarde em algumas regiões. Segundo D. Fernando, no Rio de Janeiro do início do XIX, já não se achavam madeiras nas matas próximas aos rios. Além disso, não se encontrava mais:

100

Idem.

101

aquela abundância de madeiras que havia em outro tempo; porque as infinitas derrubadas, que no espaço de tantos anos se têm feito por causa das plantações, e para as embarcações da Coroa e dos particulares, são causa de estarem destruídas as matas, de sorte que já não se encontram paus de construção em todo o Recôncavo em menos distância de quatro léguas dos rios navegáveis por onde se possam conduzir para esta cidade, e somente na ilha de Santa Catarina é que poderão extrair com mais comodidade102.

Notamos que Santa Catarina aparece como uma capitania onde ainda havia matas a serem cortadas. Nessa época, porém, já estava em curso uma extração considerável de madeiras na capitania. É o que se depreende do relato do viajante inglês, John Mawe, por volta de 1808: As terras dignas de cultivo melhoram cada vez mais; a princípio, grande extensão estava coberta de árvores altas, mas nos últimos anos cortou-se grande quantidade para empregar na construção de navios e a madeira de qualidade atualmente escasseia 103.

Ao iniciar o século XIX, já estava em curso, nas regiões centrais da colônia, um processo de escasseamento de madeiras úteis . Com efeito, as madeiras da capitania de Santa Catarina começaram a ser extraídas num ritmo mais acelerado, tanto para o emprego nas edificações em geral como para a construção de embarcações com vistas ao aparelhamento naval da metrópole.