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CAPÍTULO 2: COLONIZAÇÃO EM SANTA CATARINA:

2. Natureza apropriada: a exploração dos recursos naturais

2.2. Colonialismo português e apropriação dos recursos naturais

2.2.1. A exploração econômica dos recursos naturais

2.2.1.2. A indústria da pesca da baleia

Além da atividade agrícola e pecuária, os habitantes da capitania de Santa Catarina dedicavam-se à pesca. A vida dos habitantes do litoral esteve sempre relacionada à pesca, principalmente, à da baleia.

A atividade pesqueira também foi desenvolvida no sistema de trabalho familiar. Assim como acontecia com o processo agrícola, para a atividade de pesca nos rios e, sobretudo, no mar, exigia-se um determinado conhecimento dos movimentos da natureza. Utilizavam-se instrumentos simples como lanças e anzóis e outros um pouco mais sofisticados, como redes, que eram fabricadas com o linho produzido na capitania. Inserida nesse contexto, a pesca da baleia merece destaque, pois foi a atividade que movimentou maior quantidade de capital, mão-de-obra escrava e, provavelmente, foi um dos fatores motivadores da criação da capitania.

Não há no Brasil trabalho mais completo sobre a pesca da baleia do que o realizado por Myriam Ellis79. Todavia, existem novas informações na documentação oficial, que

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apresentaremos, e ainda muitas outras nos arquivos portugueses e brasileiros à espera de pesquisadores que se empenhem no estudo desta importante atividade econômica da colônia portuguesa da América.

O nosso enfoque sobre a indústria80da pesca da baleia na capitania de Santa Catarina recai sobre a forma de apropriação desse recurso natural e sua inserção no mercado colonial. Portanto, o estudo do desenvolvimento dessa prática na capitania nos permite conhecer, juntamente com a atividade agrícola, o grau de interferência política exercido pelo poder central e o capital mercantil na capitania.

Essa atividade, iniciada na América portuguesa no século XVII, rendia à Coroa os proventos relativos aos contratos de direito, uma vez que desde 1614 fora estabelecido seu monopólio Real. De acordo com Myriam Ellis, no que se refere à concessão do monopólio no setor meridional da colônia, que compreendia as áreas fluminense, paulista e catarinense, podemos estabelecer uma periodização: de 1614 até pouco depois de 1730, percebe-se que o monopólio e a pesca permaneceram unidos, circunscritos à capitania do Rio de Janeiro. De 1734 à 1801, verifica-se a unificação de todos os contratos da pesca da baleia praticada na costa da colônia. Em 1801, ocorreu a extinção do monopólio pelo alvará de 24 de abril, que iniciou a fase de administração pela Fazenda Real das feitorias baleeiras até 1816. O período de 1816 à 1825, caracteriza-se pelo novo arrendamento, do que resultou a tentativa de reestruturações do monopólio e das armações baleeiras, embora a atividade já estivesse bastante enfraquecida.81 Segundo e autora:

A falta de capitais, o desapoio do Estado, as técnicas rotineiras e a desenfreada concorrência de ingleses e norte-americanos no Atlântico sul, haviam levado, todavia, à decadência as

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O emprego do termo indústria para a atividade da pesca da baleia foi baseado no artigo de Frédéric Mauro Pode-se falar de uma indústria brasileira na época colonial? , Estudos econômicos, 1983, p.743.

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feitorias baleeiras meridionais do Brasil e, praticamente, de nada lhes servira a liberdade concedida àquela indústria fadada à estagnação82.

O consumo da carne nunca foi o objetivo das capturas de baleias, e sim o seu óleo. O óleo de baleia no Brasil serviu, especialmente, para a iluminação dos engenhos, de casas e fortalezas; para a calafetagem de barcos nos estaleiros, na fabricação de sabões e velas, lubrificação de engrenagens, e ao preparo de especial argamassa para construções mais sólidas. Resistentes ao tempo e tão sólidas que até hoje é possível encontrar paredes intactas no litoral brasileiro.

Diversas foram as técnicas empregadas na captura das baleias no litoral da América lusa. Nos primeiros séculos, os barcos de pesca, chamados de baleeiras, saíam para o mar em grupos de quatro a seis, acompanhados de lanchas de socorro . Essas baleeiras mediam de 10 a 12 metros de comprimento e podiam percorrer de 10 a 12 milhas por hora; eram compostas por tripulação de seis remeiros, um arpoador e um timoneiro ou patrão do barco. A lancha de socorro transportava o mesmo número de homens com exceção do arpoador, prestando-se ao auxílio a outras embarcações e à remoção da baleia apresada para a terra.

As baleias eram identificadas pelos seus borrifos e logo em seguida eram cercadas pelas baleeiras. Cabia o arpoamento à lancha que mais se aproximasse do animal. O arpoador o lanceava com um arpão, preso ao barco por uma corda. Depois de uma intensa luta entre os pescadores e a baleia, alguns homens pulavam na água e amarravam-na, depois de morta, ao barco para ser puxada à terra. Ali se encontravam os engenhos de frigir, a casa de tanques para armazenagem do óleo das baleias, a casa grande, as senzalas, os núcleos agrícolas e outras construções semelhantes aos engenhos da indústria açucareira.

A mão-de-obra empregada nas armações baleeiras era de assalariados e escravos. A esses últimos, reservavam-se os trabalhos terrestres desde a remoção e retalhamento das 82

baleias até o beneficiamento final de seus produtos. Como os escravos eram investimento de capitais e devido aos perigos da atividade de caça às baleias, esses trabalhadores ficavam com os serviços menos perigosos, porém não menos desgastantes. A atividade envolvia também um número considerável de pessoas remuneradas, como aponta Ellis:

Por deficiências dos cativos em número e em aptidões e por poupança, couberam aos oficiais mecânicos ferreiros, carpinteiros, pedreiros, tanoeiros, calafates e outros, - e especialmente aos baleeiros arpoadores, timoneiros e remeiros, recrutados entre as populações litorâneas das vilas vizinhas, geralmente, que ali nas armações encontravam campo aberto ao seu trabalho. Administradores, feitores, cirurgiões e capelães também se enquadravam no âmbito do trabalho assalariado83.

A indústria da pesca de baleia em Santa Catarina, até o final do século XVIII, revelava-se uma importante atividade remunerada e economicamente atrativa. No entanto, devido aos métodos utilizados na administração das Armações, muitos homens desistiam da pesca, obrigando, muitas vezes, os administradores a recorrerem aos cárceres e às milícias, da mão-de-obra forçada. Um exemplo dessa situação crítica, da falta de mão-de-obra e de sinais de uma decadência no setor baleeiro, pode ser verificado numa memória escrita em 1799:

[É] antigo [o] costume [de] ir anualmente gente do Rio de Janeiro, na ocasião da Pesca, gente quase toda veterana, por um salário certo, que para o tempo presente já vem ser diminuto. João Marcos84 depois que passou ao Rio de Janeiro, diminuiu os salários e por isso nunca mais mandou gente, nem bastante, nem boa, de que tem resultado perder-se muita baleia, pela frouxidão dos remeiros, que vão em seu alcance, e outras, por não serem capazes os

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Myriam Ellis, Escravos e assalariados na antiga pesca da baleia , op. cit, p. 309.

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Lê-se no mesmo documento que João Marcos Vieira era o administrador da Armação Grande ou da Piedade e teria se transferido para o Rio de Janeiro em 1793 para servir também de segundo caixa e administrador geral daquele contrato.

arpoadores. [...] e por isso os melhores baleeiros que há ainda em Santa Catarina, não querem entrar na Pesca, de que resultou o ano passado de 1798 haver tão pouca gente que Jacinto Jorge dos Anjos85, se viu na necessidade de pedir Licença Registrada a alguns soldados, para entrarem na Pesca, e estimando eles quase sempre a Licença, assim mesmo não foram precisos, e custaram a aparecer86.

Convém destacar que esta indústria nem sempre recorreu à prática de métodos de trabalho essencialmente adequados e racionais, quer nas pescarias, quer no beneficiamento dos produtos derivados da baleia, dando-lhe certas características de economia mal orientada, imprevidente e predatória.

Em 1790, José Bonifácio de Andrada e Silva escreveu sua Memória sobre a pesca das baleias, e extração de seu azeite, com algumas reflexões a respeito das nossas pescarias , mostrando-se preocupado com os métodos utilizados nesta atividade, os quais poderiam acabar com as gerações futuras de baleias, atrasando assim, os lucros que a Coroa poderia vir a ter com a atividade:

Deve certo merecer também grande contemplação a perniciosa prática de matarem os baleotes de mama, para assim arpoarem as mães com maior facilidade [...]. Este método [...] parece visto a vulto excelente, mas olhando de perto é mal, e trará consigo, a não se prover nisso, a ruína total desta tão importante pescaria. É fora de toda dúvida que matando-se os baleotes de mama, vem a diminuir-se a geração futura87.

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Possivelmente um administrador de Armações.

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Memória sobre a notícia das Armações de baleias que até o fim do ano de 1794 havia na ilha de Santa Catarina, terra firme, adjacências, costas do Brasil e sobre o estado da pescaria até 1798 . AHU-Santa Catarina, cx. 8, doc. 38.

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José Bonifácio de Andrada e Silva, Memórias sobre a pesca das baleias . In: Edgard Falcão (org.), Obras científicas, políticas e sociais de José Bonifácio de Andrada e Silva. Santos/ SP, Imprensa Oficial, (1963a [1790]).

Este alerta de José Bonifácio não foi sem razão. Já em meados do século XIX, a atividade baleeira no Brasil era praticamente nula, restando alguns poucos e pequenos pontos de pesca. Junta-se às técnicas de arpoarem os baleotes à invenção do canhão de arpões no final do século XIX que ao lado da expansão das frotas baleeiras e da construção de navios- frigoríficos, determinou um grande aumento das capturas no nível internacional, a ponto de algumas espécies correrem o risco de extinção.

A pesca da baleia não esteve somente associada à obra de povoamento e de defesa do território catarinense. Na carta do provedor da Fazenda Real, Manuel Rodrigues de Araújo, enviada ao rei D. José em 20 de fevereiro de 1761, evidencia-se o pagamento e a consignação das três folhas: eclesiástica, civil e militar, pela aplicação dos rendimentos do contrato da pesca das baleias:

Pondo na presença de Vossa Majestade o que se me determina na real ordem de 15 de outubro de 1758 expedida pela Secretaria de Estado dos Negócios Ultramarinos sobre a consignação e pagamento das três folhas: Eclesiástica, Civil e Militar desta ilha, nas quais se tem procedido na forma que vai exposto nas Relações juntas, o que se tem recebido do contrato das baleias, tanto do aplicado pela provedoria do Rio de Janeiro88.

Assim, uma parte do que se arrecadava em Santa Catarina com a exploração econômica das baleias destinava-se à Coroa e a outra retornava à Capitania na forma de recursos para o pagamento de pessoal.

De acordo com a afirmação de Westphalen, somente nos meados do século XVIII, pela pesca da baleia e a produção de azeite, pôde de fato Santa Catarina participar do

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comércio colonial, exportando óleo de peixe e outros derivados para as ilhas e Portugal, via Rio de Janeiro, e mesmo navegando diretamente 89.

A atividade baleeira no Brasil atingiria a década de 1830 em ruínas. Pouco era o interesse dos comerciantes do Império brasileiro pelos produtos derivados das baleias. Liquidaram esta indústria, entre outras coisas, a concorrência estrangeira (basicamente os norte-americanos e os ingleses), a diminuição do número desse cetáceo em águas brasileiras e o desenvolvimento de novas técnicas de iluminação advindas do emprego do gás, do petróleo e da eletricidade, não sendo mais necessário o uso do óleo de baleia.