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CAPÍTULO 2: COLONIZAÇÃO EM SANTA CATARINA:

2. Natureza apropriada: a exploração dos recursos naturais

2.1. O povoamento oficial da capitania de Santa Catarina

O povoamento oficial de Santa Catarina foi a primeira medida metropolitana efetiva de colonização da região meridional após a criação das duas capitanias subordinadas ao Rio de Janeiro em 1738: Santa Catarina e Rio Grande de São Pedro. Consideramos a política de povoação de extrema importância, uma vez que, por meio dela, iniciou-se a transformação do ambiente com as atividades de exploração econômica dos recursos naturais.

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A esse respeito, consultar a nota ao capítulo 2: persistência da lavoura de tipo predatório , contida na obra de Sérgio Buarque de Holanda Raízes do Brasil, 1995, p. 66-70. As formas predatórias de exploração da natureza no período colonial merecem ser mais bem estudadas pelos historiadores, a fim de compreender, por exemplo, como reagia a metrópole quando eram exauridos os recursos de uma determinada região. Dessa forma, podemos entender ainda os rastos deixados pelo sistema colonial tanto no mundo natural quanto nas sociedades regionais formadas em torno de determinados recursos naturais.

Como expusemos no primeiro capítulo, a região meridional, até o final do século XVII e a primeira metade do XVIII, esteve ocupada por tribos indígenas das nações Carijó (litoral), Xokleng e Kaingang (regiões de floresta e campos) e por algumas famílias de paulistas que habitaram aquela vasta área espontaneamente e de forma provisória 19. Não obstante as medidas e esforços do governo luso-brasileiro na concessão de terras, criação de alguns núcleos de povoamento e até mesmo vilas na região por essa época, tal processo de colonização não foi perene. De fato, as pequenas vilas litorâneas ao sul de São Vicente não apresentavam uma densidade populacional capaz de ocasionar o aproveitamento, defesa e ocupação da terra como a conjuntura colonial portuguesa pedia. Junta-se a este cenário a situação da população do Arquipélago português dos Açores, de onde vieram os casais a fim de povoar as áreas meridionais do Brasil.

Lê-se numa consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. João V em 1746, que já havia algum tempo, desde o início do século pelo menos, que os moradores, sobretudo os casais das ilhas dos Açores, solicitavam a graça de serem transportados para a ilha de Santa Catarina por estar a grande multidão de povo que nelas se acham vivendo sem emprego e nem meios para subsistir 20. Consta ainda na consulta que, segundo o conselheiro, tal medida resultaria ainda às ilhas dos Açores um grande alívio em não ver padecer os seus moradores reduzidos aos males que traz consigo uma extrema indigência , ao Brasil, um notável benefício em fornecer cultores aos seus vastos sertões, que se acham desertos ou ocupados de bárbaros e à Fazenda Real um considerável aumento pelo muito que produziriam aqueles casais 21.

Como medida para remediar a situação de falta de povoadores na capitania de Santa Catarina, José da Silva Paes solicitou à Coroa a vinda de novos casais imigrantes para povoar, defender e explorar aquelas novas terras das quais, desde 1739, era governador. Com efeito, o 19

Cf. Laura de Mello e Souza, Formas provisórias de existência: a vida cotidiana nos caminhos, nas fronteiras e nas fortificações. In: Laura de Mello e Souza, (Org) História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portugues, 1997, p 45.

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AHU-Santa Catarina, cx. 2, doc. 33.

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rei português D. João V mandou publicar editais nas ilhas dos Açores em 1747, com o fim de serem transferidas pessoas do arquipélago açoriano, densamente povoado, para o sul do Brasil, especialmente em direção a Santa Catarina. Com tal medida, na opinião de Oswaldo R. Cabral:

Resolvia, assim, El-rei, com um só ato, dois problemas, pois atendia à difícil situação dos açorianos, aliviando as ilhas de grande número de moradores, e povoava uma região para a qual se pedia insistentemente gente e muita gente, capaz de dar vida e calor às minguadas povoas e vilas estabelecidas no litoral sul do Brasil22.

Devemos ressaltar que o interesse metropolitano em transportar grande número de casais açorianos não era o de simplesmente povoar a região meridional, nem tampouco de resolver a situação do Arquipélago. Acreditamos que, aliado ao fato de defesa, estava a necessidade de aumentar a produção de alimento na colônia. Isso pode ser observado no pensamento de um administrador da época. Aos olhos do Procurador da Fazenda, as pessoas que deveriam ser transportadas ao sul do Brasil, deviam gozar de boa saúde e idade, preferindo os que tiverem exercício de cultura e também alguns artisantes igualmente necessários para o aumento e subsistência das Colônias 23. Nesse relato, observa-se que havia um interesse em desenvolver a exploração econômica da região de destino, transportando-se pessoas aptas ao trabalho.

Os lances que teve a arrematação e o transporte dos primeiros casais dos Açores e ilha da Madeira para Santa Catarina encontram-se, também, em outra consulta do Conselho Ultramarino ao rei de 7 de agosto de 174724. Nela, verificamos que foi concedido a Feliciano

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Oswaldo R. Cabral, Os açorianos , 1943, p. 9.

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AHU-Santa Catarina, cx. 2, doc. 33.

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Velho de Oldenberg25 o direito do transporte de mil pessoas, devendo a Fazenda Real pagar pelos imigrantes maiores de 3 anos 30 mil réis e o arrematante cumprir diversas condições, dentre elas o fornecimento dos mantimentos aos passageiros durante a viagem. É interessante notar que, já nesta época, era muito bem controlada a entrada dos mantimentos a bordo do navio. Constava, no regimento do transporte, a expressa proibição de se trazerem gêneros além do que se consumiria na viagem, a fim de se evitar algum tipo de comércio nos portos do Brasil. Quando vinte e cinco anos antes se negociava este transporte, tal condição não existia, podendo-se, portanto, o arrematante trazer qualquer tipo de produto comercializável. Isso quer nos parecer que, por volta de 1750, já havia uma preocupação em proteger o comércio incipiente que era praticado na região meridional.

Aos membros do Conselho Ultramarino, o transporte era de grande importância porque dele dependia o povoamento do Brasil, o aumento dos rendimentos da Real Fazenda, matéria do primeiro cuidado e aplicação do Conselho, e a segurança do novo território. Assim, era preciso dar início à exploração dos recursos naturais para aumentar os rendimentos da Fazenda Real e à povoação ao sul da colônia para evitar as freqüentes ameaças de invasão, sobretudo dos castelhanos. Sobre esse assunto é sintomático o que diz um conselheiro em consulta ao rei em 1746:

além das sobreditas vantagens acresce a necessidade de guarnecer de defensores os confins daqueles vastos domínios pelas muitas partes por onde o tempo tem já manifestado a comunicação e vizinhança dos Castelhanos, as quais se acham quase todas da nossa banda desguarnecidas de habitadores, expostas à qualquer invasão, que nos tempos futuros se pretenda fazer nelas, e já que a Divina providência oferecia uma conjuntura em que com grande quietação e sem ciúme dos nossos vizinhos se possa fazer transporte e a situação dos 25

O comerciante Feliciano Velho Oldenberg além de ter sido arrendatário do contrato do transporte dos açorianos e madeirenses em 1747, segundo Hélio de Alcântara Avellar foi também o colaborador da criação da Companhia de Comércio da Ásia oriental fundada em 16 de março de 1753.

Colonos nas terras dos confins parecia ser muito conveniente aproveitar dela, mandando os ditos casais26.

Dessa forma, o povoamento açoriano-madeirense constituiu a primeira providência da política colonial luso-brasileira na região e, sem dúvida, além de uma medida de segurança contra invasões, também pode ser caracterizado como uma prática de ocupação territorial a fim de aumentar os braços trabalhadores nas lavouras na colônia.

Após a primeira leva de casais, o Conselho Ultramarino fez subir ao rei uma representação do conselheiro Alexandre de Gusmão sobre ser conveniente o contínuo transporte dos açorianos e dos madeirenses, atendendo a grande utilidade que rezultava à Real Fazenda e ao aumento das terras austraes do dito Estado . Ademais, Gusmão demonstrava preocupação com o fato do grande incomodo com que os moradores [das ilhas], convidados por um edital público, estavam esperando com os seus bens vendidos 27. Essa inquietação do conselheiro pode ter sido um dos motivos para que, ao seu ver, não fossem interrompidos os transportes. No entanto, ao Procurador da Fazenda, o conselheiro Antonio Freire de Andrade Henriques, parecia inconveniente continuar com a arrematação de novos contratos além das mil pessoas acertadas com Oldenberg, no que conviera se fosse certa a voz que corre de haverem chegado com felicidade os primeiros casais e instalados conforme o plano pré-estabelecido.

Nos primeiros planos do Conselho Ultramarino, esperava-se transportar cerca de 20 mil pessoas. Sabemos que apenas um quarto desse total migrou para Santa Catarina entre 1748 e 1756. A demora nos primeiros transportes foi também tema de crítica do Procurador da Fazenda28. Em 1751, haviam chegado a Santa Catarina, em três transportes, 279 casais,

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AHU-Santa Catarina, cx. 2, doc. 33.

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AHU-Santa Catarina, cx. 1, doc. 50.

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num total de 1459 pessoas; haviam morrido 80 pessoas e 374 estavam doentes. Em 1753, o total da população na capitania era de 9758 pessoas sendo 3400 ilhéus29.

A difícil e demorada viagem era encarada com muita esperança pelos imigrantes, aos quais eram prometidas muitas vantagens. Dentre uma série de regalias oferecidas aos novos imigrantes, durante o primeiro ano de sua estadia, podemos destacar a oferta de alimentação, dinheiro e terras para o cultivo. Essa situação pode ser depreendida da leitura da Provisão Real de 9 de agosto de 1747, a primeira medida oficial sobre imigração referente ao sul da colônia. Por meio desse documento, o rei português instruía seus governados, nos seguintes termos:

Ordenareis que se ponha prontas naquela ilha e mais partes da sua vizinhança, onde vos parecer necessário, as farinhas para a ração, que mando dar no 1º. ano à gente que se transportar [...]. Nos portos daquele contorno se fará todos os meses, ou nos tempos que parecer mais oportuno, pescaria para por pronto o peixe fresco, ou seco [...]. Deveis fazer remeter para a dita ilha o dinheiro necessário, para satisfazerem as ajudas de custo prometidas no dito edital [...]30.

É verdade que a Coroa portuguesa buscou, de forma contundente, instruir o governador da capitania, José da Silva Pais, e seus sucessores de como os novos colonos deveriam ser recepcionados. Havia, ainda, o cuidado de permitir que a eles fosse assegurado o direito do não recrutamento para o serviço militar no prazo de dois anos. E ainda, a cada casal, seria garantido um quarto de légua em quadra para se estabelecerem sem que paguem coisa alguma de salário por esta data 31. Esta concessão de terra poderia ser expandida pelo

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AHU-Santa Catarina, cx. 13, doc. 69.

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Provisão de 9 de agosto de 1747, In: Paulo Bonavides e Roberto Amaral, Textos Políticos da História do Brasil, 2002, p. 248-252.

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governador quando uma família necessitasse. De acordo com o mesmo documento, datado um ano antes da publicação da provisão que estabelecia o transporte:

A cada casal se lhe dará uma Espingarda, duas Enxadas, um Machado, uma Enchó, um martelo, um Facão, quatro facas, duas tesouras, uma Serra com sua Lima de afiar, duas verrumas, dois alqueires de Sementes, duas vacas e uma Égua, e no primeiro ano se lhes dará a farinha que se entende ser bastante para o sustento de cada pessoa32.

Com isso a Coroa indicava, aos interessados em se transportar para o Brasil, a intenção primordial de povoar as terras da região sul e não de formar exércitos. É possível ainda que alguns casais tenham recebido escravos para o trabalho nas terras que lhes foram reservadas. Os imigrantes requeriam, como empréstimo, os escravos confiscados pelo governo da capitania e ficavam obrigados a fornecer parte dos rendimentos das suas terras como pagamento. Esse foi o caso de José Francisco de Sousa que migrou da ilha de São Jorge com sua mulher Catarina Eugênia Bitancurt no segundo transporte que se fez dos Açores para Santa Catarina. Em carta ao rei D. João V de 8 de julho de 1756, dava-se a conhecer a situação em que se encontrava este casal imigrante e por isso requeria alguns escravos:

ainda que indigente, e falto de bens, não podendo por si acudir à cultura das terras que Vossa Majestade foi servido mandar se lhe dessem porque seria de cair da sua nobreza o exercitar-se no mecanismo, Vossa Majestade em tais circunstâncias costuma acudir aos seus vassalos para não descerem da sua esfera, maiormente aos que como o Suplicante cuidam de empregar-se no Real serviço. Necessita em tais trabalhos o Suplicante alguns escravos, para as lavouras e aproveitamento das terras, em que interessa não só a sua conveniência mas também a pública utilidade, e Vossa Majestade recentemente em algumas de suas conquistas se tem servido

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mandar dar escravos aos seus vassalos povoadores delas, para os pagarem em tempo determinado por soluções anuais, de que se tem visto seguir utilidade grande ao particular e vassalos de Vossa Majestade, e não menor à Real fazenda33.

Não encontramos, na documentação analisada, mais informações sobre a concessão de escravos, mas o documento citado sugere que, por volta de 1750, esse tipo de mercê passou a ser uma prática recorrente.

No entanto, quanto às vantagens oferecidas aos imigrantes açorianos e madeirenses nos editais publicados nas ilhas, sabemos que não foram cumpridas pelos governadores da capitania, tanto pela falta de recursos da própria Fazenda Real da capitania quanto por falta das provisões enviadas do Rio de Janeiro. Isso é o que se lê na carta do governador João Alberto de Miranda Ribeiro à Rainha D. Maria I em 16 de novembro de 1797 reclamando:

tanto a respeito da mesma distribuição das terras aos novos colonos, como daqueles socorros, com que Vossa Majestade tão providentemente os mandava fornecer, quais eram as ferramentas necessárias, as vacas e as éguas para o seu laboratório fabril, de cujos gêneros, a alguns se completaram as ferramentas, a outros parte delas, aliás havendo-as e a nenhuns os animais cavalares e vacuns; sem que a mim me seja possível presentemente averiguar, qual fosse a causa de uma tão considerável falta, que incontestavelmente foi uma das causas, porque ainda hoje se fazem pouco sensíveis os seus de desejados progressos34.

Os cerca de 6.000 açorianos e madeirenses que chegaram entre os anos de 1748 e 1756 e que fizeram parte do projeto de colonização da região meridional, foram distribuídos entre a capitania de Santa Catarina (aproximadamente 5.000), e o Rio Grande de São Pedro. Em

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AHU-Santa Catarina, cx. 1, doc. 60.

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Santa Catarina, a maior parte da população concentrou-se nas freguesias da ilha, no continente próximo e em Laguna.

Foi, portanto, com essa volumosa imigração que se adensaram, consideravelmente, os núcleos onde lhes fora concedida a terra para ocupar e explorar. Deu-se início, como incentivo aos novos colonos, à criação de freguesias e prédios públicos configurando-se, dessa forma, o que seriam os principais núcleos habitacionais do litoral da capitania de Santa Catarina.

A vinda da guarnição militar em 1737, acompanhada da criação da capitania em 1738, promoveu inegáveis efeitos no povoamento da ilha de Santa Catarina e de seus arredores. Sob o ponto de vista estratégico-militar, o povoamento oficial (açorianos e madeirenses) foi também condição infra-estrutural para a manutenção das tropas ao provê-las de alimentos, já que os açorianos estavam isentos do serviço militar. De fato, essa política de imigração trouxe uma vitalidade à ocupação e aproveitamento do território meridional da colônia. Sobre essa situação Oswaldo R. Cabral notou que:

A vida na vila de Nossa Senhora do Desterro começou, em verdade, quando os açorianos emigraram das suas ilhas abruptas e se transferiram para a de Santa Catarina. Porque, até então, o que houve não passou de tentativas insignificantes para povoar não só esta como também o continente em torno, com reduzidos povoadores que não puderam resistir às condições inevitáveis de isolamento e de abandono35.

Embora o historiador Cabral procure destacar a importância da chegada dos açorianos de forma muito contundente, mais cautelosos, no entanto, devemos concordar que a vila de Desterro conheceu transformações significativas na sua estrutura sócio-política com a imigração açorita-madeirense. Contudo, não acreditamos que ela tenha permitido à vila

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capital, ou mesmo à capitania de Santa Catarina como um todo, sair das condições inevitáveis de isolamento referidas por Cabral.

Logo que chegaram as primeiras levas de casais, depois de uma viagem de aproximadamente três meses, eles dedicavam-se, basicamente, à pesca e à produção agrícola. Do ponto de vista da transformação ambiental, o aumento da população exigiu uma maior extração e exploração dos recursos da natureza, sobretudo para o aumento das áreas voltadas à subsistência. Algumas áreas ao longo do litoral foram desmatadas, ou para abertura de pasto para o gado, principalmente no sul da capitania, ou para o cultivo de gêneros de primeira necessidade.

Lucas Boiteux mostra o quadro geral do início do processo de colonização propriamente dito da capitania de Santa Catarina:

Com a colonização açorita-madeirense a ilha de Santa Catharina e o continente fronteiro começaram a florescer vantajosamente e as encostas dos morros e os vales humosos cobriam- se de pomares e hortas. Por toda a parte ouviam-se as pancadas fortes dos machados ferindo o rijo cerne das arvores collosaes, o ruído metallico das enxadas limpando a terra virgem. Appareceram as primeiras atafonas, os engenhos de assucar e farinha. As várzeas cobriam-se de canaviais, e roças de milho; largos trechos de terra iam sendo aproveitados carinhosamente na cultura de legumes e fructos [...]36.

Assim como Oswaldo Cabral, Boiteux tratou de forma romântica a imigração açoriana. Entretanto, acreditamos que tal medida da Coroa portuguesa tenha dado início a um processo de apropriação da terra na capitania, configurando-se o início do processo de colonização, com a exploração de produtos agrícolas.

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A esse respeito ainda é digno de nota o que escreveu José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo, um cronista nascido no Rio de Janeiro em 1753 e que realizou seus estudos no Brasil e em Portugal onde se bacharelou em cânones. Com o resultado de suas pesquisas, iniciadas em 1781, produziu dez tomos com informações e dados sobre diversas regiões da América portuguesa, publicados sob o título de Memórias Históricas do Rio de Janeiro. Em relação ao início da colonização da capitania de Santa Catarina, escreveu que:

Aumentados os braços cultivadores, entrou aquele terreno, ainda que montanhoso e pedregoso a produzir com prodigalidade quanto os novos lavradores entregaram de semeadura a sua fértil nutrição, sem demasiada indústria, a que a pobreza não pode auxiliar, mas com suficiente aplicação37.

Nas primeiras décadas após a criação da capitania, a vida da população concentrava-se ainda no cumprimento de ordens e na produção agrícola para sobrevivência, como temos dito até o momento. Essa produção foi bastante prejudicada no nível técnico, pois muitas das promessas feitas nos editais aos imigrantes que pretendiam migrar para o Brasil não foram cumpridas pelos governadores. De qualquer modo, não podemos duvidar que este processo migratório tenha causado impacto sobre o ambiente catarinense. A esse respeito, assinalou Mariléia Martins Caruso que a política de imigração iniciou ainda um processo de desmatamento da ilha de Santa Catarina. O grande salto populacional (mais cinco mil pessoas) acarretou uma ocupação e colonização do lugar, que antes era habitado por algumas dezenas de pessoas que abriam raríssimas clareiras nas florestas 38.

Analisemos um quadro da população da capitania de 1806, assinado pelo capitão-mor Jacinto Jorge dos Anjos, que em 1821 assumiu a presidência da Junta do Governo Provisório

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José de Souza Azevedo Pizarro, Capítulo IV. ilha de Santa Catarina , In: Memórias históricas, 1948, p. 250.

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Mariléia Martins L. Caruso, O desmatamento da ilha de Santa Catarina de 1500 aos dias de hoje, 1983, p. 80 e 84.

em Santa Catarina, a fim de compreender mais de perto o tipo de população que ali se fixou e seus números39.

De acordo com Jacinto dos Anjos havia na capitania, em 1806, um total de 30.009 habitantes. Nas 6 freguesias da ilha de Santa Catarina habitavam 18.132; na vila de Laguna e