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A organização da assistência psiquiátrica a nível nacional se dá a partir da década de 40, no Estado Novo. Decorrente da centralização característica neste período, cria-se o Serviço Nacional de Doenças Mentais(S.N.D.M.), em 1941, que passa a realizar

“o levantamento dos serviços hospitalares, o registro e a fiscalização dos estabelecimentos públicos e particulares, o controle estatístico, a construção de hospitais, a formação de psiquiatras, a instituição de cursos de especialidade com bolsas de estudo (1942), o regime de convênios com os Estados (1948), os auxílios aos serviços estaduais, a nova regimentação, a Praxiterapia em hospitais públicos (1943), a inclusão da Cadeira de Higiene Mental nos Cursos do Departamento Nacional de Saúde (1942) e nas Escolas de Enfermagem e finalmente a criação dos Ambulatórios de Higiene Mental.” (ARAUJO,1958, p. 153)

O Brasil contava, no início da década de 50, com quase 53 milhões de habitantes. Cerca de 36,40% da população se concentrava no que era chamado, à época, de zona leste (Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Distrito Federal (Guanabara) e 32,64% na “zona sul” (São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) (BOTELHO,1955)

“Para esta população o Brasil dispõe, aproximadamente, de 120 estabelecimentos hospitalares destinados à internação de doentes mentais, dos quais cêrca de 50 são estabelecimentos oficiais, isto é, mantidos pelo Govêrno da União ou pelos Govêrnos dos Estados, e os outros são hospitais particulares. Muitos dêstes

estabelecimentos hospitalares, de construção antiga, ... estão sendo amplamente reformados ... com auxílio técnico do Govêrno Federal do Brasil ... Os hospitais psiquiátricos do Brasil, públicos ou particulares, mantêm internados mais de 40.000 doentes mentais, dos quais cerca de 30.000 são atendidos pelos serviços custeados pelos Governos da Federação e dos Estados. O número de Hospitais psiquiátricos no Brasil, ainda é insuficiente para as necessidades de sua população e por isso as internações não atingem a 1%o ( um por mil) ... Só

os dois maiores centros do Brasil - Rio de Janeiro (Distrito Federal) e S. Paulo, mantém internados mais de metade de todos os doentes hospitalizados no Brasil.” (BOTELHO,1955, p. 44-5)

O mesmo autor, no mesmo artigo, ainda fornece “a incidência” das doenças mentais no Brasil segundo dados obtidos em 66 hospitais e 20 ambulatórios. Ele obtém as porcentagens em estudos comparativos de 1951,1952,1953. Não discrimina reinternações. As maiores taxas são de esquizofrenia (27,40%); psicose maníaco-depressiva (10,51%); epilepsias (9,11%); psicoses exotóxicas (8,80%); oligofrenias (6,95%);neuroses (6,90%); psicoses sifilíticas (4,95%).

Em termos ambulatoriais, em 1958, existiam os ambulatórios de Higiene Mental do S.N.D.M., os Ambulatórios dos Serviços de Saúde Estaduais, os Ambulatórios das Clínicas das Escolas de Medicina, os Ambulatórios das Autarquias, os Ambulatórios das instituições particulares. O primeiro a ser criado no Brasil, é , aquele já citado, criado por Gustavo Riedel, em 1919,através de donativos (gerado inicialmente para socorrer a população durante a epidemia de gripe) e que continuava “na estacada, dando 6338 consultas em 1941 e 7467 em 1948, além de distribuir 8 quilos de luminal por ano.” (ARAUJO,1958, p. 154)

“Em 23 de julho de 1944 era inaugurado junto à sede da S.C. do S.N.D.M. o “Consultório de Psico- Higiene” que serviria de modêlo aos ambulatórios a serem instalados nos Estados. Em 1945 o ante projeto do Código Brasileiro de Saúde, por

inspiração do S.N.D.M., condenava as denominações de hospício, asilo, retiro, recolhimento, etc, e recomendava a criação de Dispensários de Higiene e Profilaxia Mental. Nesse mesmo ano, já 13 Estados da União dispunham de Ambulatórios, chefiados por psiquiatras designados pelo S.N.D.M.. Por fim quase todas as capitais Brasileiras foram dotadas dêsses serviços. Por outro lado os Institutos de Aposentadoria e Previdência, os Serviços de Saúde estaduais, as Clínicas das Faculdades de Medicina e até instituições particulares adotaram êsse novo regime assistencial.” (ARAUJO, 1958, p. 154)

Neste artigo de ARAUJO, de 1958 (pp. 154-6), psiquiatra que fizera parte do S.N.D.M., aparecem os vários conceitos que vimos despontar nos outros países: o reconhecimento da conexão com “a Educação, a Pedagogia, a Sociologia e a Criminologia”; o “gôsto pelos assuntos psicológicos e particularmente pela psicanálise”; a referência à OMS e seus comitês de higiene mental como fato de que “há no mundo de hoje uma nova mentalidade para a compreensão dos problemas de psiquiatria e higiene mental”; a referência à mudança da arquitetura hospitalar, e a “atmosfera terapêutica”; os novos serviços “os serviços abertos, a internação espontânea, o hospital sem leito, as consultas externas, os clubes terapêuticos para egressos, o hospital-dia, o “hospital de estacionamento” (ambulatórios com poucos leitos, para permanência provisória), o “hostel”, que os franceses chamam de “foyer d’hebergement”37 ou repousário. “O hospital tornou-se assim um prolongamento do lar e ao mesmo tempo estendeu sua ação até a comunidade, através do Serviço Social, cujas unidades móveis chegaram ao ambiente familiar, à escola e ao local de trabalho.”; prevenção, profilaxia, valorização do não- afastamento profissional “..a função do hospital é mais terapêutica, a do ambulatório mais preventiva, que a do hospital é mais estática, a do ambulatório mais dinâmica, que o hospital pode contribuir para o insulamento social, enquanto o ambulatório é socializante, que o hospital interrompe a atividade profissional, o ambulatório não a impede e até a estimula, que o hospital dificulta a

observação da conduta do indivíduo na sociedade, o ambulatório facilita a observação da conduta e da reintegração social.”

O que parece interessante reter deste artigo, que é significativo por conter um levantamento nacional da situação das práticas não- hospitalares brasileiras, é que coexistiam, à esta época, e nas demais como veremos, um discurso afinado com as concepções da Saúde Mental e uma prática dele dissociada, em esforço de organização nesta década de 50, e que dele se desviará mais a partir das próximas duas décadas. Além disso, mostra a precariedade da assistência psiquiátrica no país e a não articulação dos serviços. A organização do S.N.D.M. mantinha ambulatórios em quase todas as capitais do país (e nada portanto, no interior), com exceção dos estados que já tinham serviços próprios, como São Paulo, Pernambuco e Estado do Rio. Existe também a separação da organização dos serviços do S.N.D.M., que é subordinado ao Ministério da Saúde (criado em 1953), e os serviços das autarquias- os IAPs (Institutos de Aposentadoria e Pensões) - que na década de 30 vieram unificar as CAPs ( Caixas de Aposentadorias e Pensões) surgidas na década de 20 - e que em 1966 seriam unificados no INPS.

“Os serviços autárquicos existem no Brasil desde 1938. Grande parte da assistência médica dos associados é feita em ambulatórios de várias especialidades, entre os quais os de psiquiatria. Pelo seu elevado número e pela massa e natureza dos serviços, trata-se de um riquíssimo material para estudos. Entretanto não há dados a êste respeito. Nem mesmo o Departamento Nacional de Assistência, órgão centralizador das atividades dos IAP, dispõe de elementos para informação.”

(ARAUJO, 1958, p. 170)

Em 1957, o S.N.D.M. faz acordos e convênios de hospitalização com algumas instituições públicas e privadas, que serão legalizados a partir de 1967 com a Campanha Nacional de Saúde Mental.