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3.3 SAÚDE PÚBLICA E HIGIENE MENTAL

As relações entre a Saúde Pública e a Higiene Mental até 1948 são de contiguidade, mas não de articulação. As práticas não têm o mesmo objeto de intervenção e os propósitos de higiene objetivam o coletivo, mas a Higiene Mental para a sua realização, parte do individual. Exceção a isso parecem ser as intervenções da Psicanálise, através da Higiene do Escolar.

Na primeira fase de implementação dos centros de saúde não há descrição de atividades que pudessem ser relacionadas à higiene mental. Em 1926, Guimarães Filho conta que o tema da higiene mental lhe fora sugerido por Paula Souza “para que a Hygiene Mental se torne alguma coisa de mais positiva em nosso meio.” (GUIMARÃES FILHO, 1926 apud GIORDANO JR., 1989, p. 112)

GUIMARÃES FILHO (1926, p. 186-7) reflete em suas conclusões que os Centros de Saúde criados na Capital podem, através dos profissionais médicos com os quais já contam (não-psiquiatras) e educadoras sanitárias “extender o seu campo de acção para a prophylaxia mental ... sem que haja o augmento ou a mudança de suas obbrigações ...”

Dez anos após o decreto de 1938, que organizou o serviço dos Centros de Saúde da Capital, inicia-se um serviço de Higiene Mental no Centro de Saúde de Santa Cecília, na cidade de São Paulo, com a médica psiquiatra Lyoba Silva.

“Em dezembro de 1947 fomos relotados do Departamento da Assistência a Psicopatas, onde trabalhamos 10 anos como psiquiatra em seus diversos setores, para a Diretoria dos Centros de Saúde da Capital. Dr. Alvaro Câmera, então seu Diretor Substituto, nos acolheu com tôda a atenção e nos ofereceu com a melhor compreensão, quer em relação aos nossos interêsses particulares de trabalho, quer principalmente em relação aos serviços que dirigia, a oportunidade de iniciarmos um serviço de higiene mental nos Centros de Saúde da Capital, que seria articulado com os demais serviços de higiene já existentes, sanando, assim ,

uma necessidade dos Centros de Saúde e oferecendo um campo excelente de atuação ao trabalho de profilaxia mental, social.” (SÃO PAULO (ESTADO), 1952b, p. 435)

Em termos de prática, a psiquiatra diz em seu relatório que “O Serviço de Higiene Mental, como os demais serviços de higiene do Centro, sofreu da mesma vicissitude de não poder situar-se num alto padrão de trabalho, se por isto entendermos o trabalho educativo mais diferenciado...” (SÃO PAULO (ESTADO), 1952b, p. 436) querendo explicar

com isso o fato de ter realizado prioritariamente assistência médico- psiquiátrica e psicoterápico-psicanalítica.

Ao final de 51, chegam mais dois psiquiatras, Mario Yahn e Anibal Silveira, o primeiro para o C.S. de Santa Cecília e o segundo para Santana. Há nove C.S. nessa época. Yahn e Silveira são psiquiatras experientes, com muitos artigos publicados, o primeiro mais ligado à psicanálise e, o outro, à linha localizacionista, embora ambos médicos vindos do Juqueri, com varias pesquisas sobre os tratamentos somáticos à época (malarioterapia, insulinoterapia, eletroconvulsoterapia, etc)

(PEREIRA,1995); também são comissionados da Assistência a Psicopatas

para a Diretoria dos Centros de Saúde.

Mário Yahn se recusa à realização de assistência psiquiátrica porque entende que

“... o trabalho de H.M. deve ser predominantemente educativo, de reajustamento e, sobretudo, para servir de suporte ao indivíduo normal, nas suas dificuldades emocionais, conscientes e inconscientes. É muito mais de psicologia e sociologia aplicadas do que de medicina.” (SÃO PAULO (ESTADO),1952a, p. 360)

Com a orientação do trabalho dentro de uma concepção psicanalítica, propõe um programa de tarefas a serem realizadas: preparação de técnicos, como as visitadoras sociais psiquiátricas(“é um pessoal dêsse tipo que existe no Serviço de Higiene Mental Escolar, fundado e dirigido pelo Dr. Durval Marcondes, com quem mantemos estreito contato pessoal e profissional...”) ; introdução de psicólogas- para a realização dos “tests”; cursos para o pessoal do serviço, para o

curso de noivas; higiene mental pré-natal, pré-escolar, escolar, na puberdade, para adultos, profilaxia do alcoolismo. (SÃO PAULO (ESTADO),1952a, p. 361)

Desenvolve estes trabalhos como pode se ver em dois livros que escreve: Higiene Mental, em 1952, e Higiene Mental e Saúde Pública, em 1955.34 Neste último coloca o entendimento que tem sobre o desenvolvimento da saúde pública.

“Ao lado do conhecimento científico, muito mais seguro e preciso, que permitiu o êxito de campanhas profiláticas, no mundo inteiro, tais como as organizadas pela Fundação Rockefeller, havia necessidade de uma ação complementar, a da Educação Sanitária. Era preciso difundir noções indispensáveis a fim de, vencendo as resistências da ignorância, da tradição e da crendice, obter a cooperação popular. Era preciso convencer, orientar, despertar interêsse pelas práticas higiênicas, criar hábitos sadios, formar a consciência sanitária. À fase profilática, própriamente dita, seguiu-se, pois uma segunda fase educacional...Assinalando uma nova era, que seria a terceira fase da assistência à Saúde Pública, destaca-se o particular desenvolvimento alcançado pela psicologia, que data, aproximadamente ,de 60 anos, com o descobrimento da psicanálise.” (YAHN, 1955.pp.18-9)

Ele desenvolveu um trabalho que consistia em receber, atender e orientar crianças problemas e suas mães; orientar os pediatras; realizar os cursos pré-nupciais; realizar “agrupamentos” de gestantes, de adolescentes. Como ele mesmo diz, valoriza muito o trabalho do psicólogo, da educadora sanitária35, das visitadoras36, num trabalho que chama de “pluridimensional”, porque muito complexo e sendo necessário ser feito por meio de equipes de trabalho e não individualmente. (YAHN,1955).

34 YAHN,1957 e Idem, 1955.

35 As educadoras sanitárias são uma “... instituição genuinamente paulista e improvisação, feliz e

oportuna, do grande higienista-educador, Geraldo Horácio de Paula Souza” (YAHN,1955, p.240)

Aníbal Silveira parte de uma perspectiva diferente, a da eugenia, através da aplicação da genética humana, embora reafirme também que sua função não é de atendimento psiquiátrico. Cerca de quatro meses após iniciar suas atividades no Centro de Saúde de Santana, havia realizado 300 atendimentos, focalizados para a investigação genética.

“Orientada por êsses conhecimentos, a prevenção eugênica pode trazer benefícios não só imediatos, para o consulente, mas futuros, para a linhagem biológica que venha a originar. De qualquer forma, a verdadeira higiene mental,...não se compreende sem a assistência direta da genética humana.”

(SILVEIRA,1956, p. 121)

Essa prática da higiene mental dentro dos centros de saúde parece não ter uma orientação central, com cada profissional desenvolvendo ao seu estilo, o que entende por higiene mental. Ocorre no pós-guerra e traz em seu discurso elementos diferentes da época anterior - que falava em higiene social da raça, dentro das concepções da eugenia. Esta transformada, permanece em alguns discursos.

Nessa segunda fase, a Higiene Mental se oficializa dentro dos equipamentos da Saúde Pública através das proposições higiênicas e recusando-se a ações curativas.