Capítulo II (A Literatura para a Infância em análise)
1. Análise do texto tradicional oral (texto narrativo):
1.2. A Fábula “ A lebre e a tartaruga”
A fábula“A lebre e a tartaruga” (Pabst s/d) está presente no nosso meio desde a Antiguidade Clássica greco-latina. Desde então, é utilizada com fins educacionais. Muitos provérbios populares vieram da moral contida nessa narrativa alegórica, como é exemplo o caso desta fábula trabalhada em contexto de sala de aula: “A lebre e a tartaruga”.
A fábula é uma narrativa figurada, as personagens são geralmente animais que possuem características humanas. É sustentada sempre por uma lição de moral, constatada no final da história.
O diálogo deve estar presente, pois trata-se de uma narrativa, e por ser exposta também oralmente, a fábula apresenta diversas versões de uma mesma história.
É interessante, principalmente para as crianças, pois permite que elas sejam instruídas dentro de princípios morais sem que percebam. É outra motivação para o professor, tendo essa modalidade de escrita como opção para a lecionação, pois é divertida de se escrever e de se estudar.
Tal como a maioria das narrativas infantis tradicionais, também a fábula A lebre e
a tartaruga começa com a expressão “Era uma vez…” que nos leva para um tempo
indeterminado da ação. Assim, dá para perceber que a história passa-se num determinado dia.
Quanto ao espaço, é uno, pois a narrativa passa-se numa certa floresta.
Quanto ao narrador, é possível dizer-se que, nesta fábula, é heterodiegético e omnisciente, dado que narra a ação mas não participa na mesma, sendo que tem conhecimento dos pensamentos das personagens e da própria história. Ao longo desta fábula, são algumas as passagens que nos revelam essa ausência do narrador enquanto personagem: “Era uma vez numa certa floresta…”; “Furioso, o elefante conseguia
sempre livrar-se da lebre:…”; “…Pensava a lebre, que saía disparada para procurar outro para desafiar.”.
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De referir ainda que, não participando na história, mas conhecedor desta, o narrador adota um papel de crítica e opinião perante a atitude da lebre: “E por este
motivo a lebre era muito convencida e vivia a chatear os outros animais para apostas…”; “É claro que a lebre não perderia mais uma oportunidade de afirmar a sua capacidade...” (Sabst s/d:1-4).
A narrativa A lebre e a tartaruga coloca em primeiro plano a pertinácia da lebre, personagem anónima, marcada por inexistência de nome próprio, como todas as outras personagens ao decorrer da fábula, que se revela uma figura vaidosa, determinada e arrogante “…então amigo elefante, que tal uma corridinha? Eu deixo-te sair na frente
se quiseres…”; “És um perdedor…”; “Quando ela aqui chegar já será de manhã…”
(Sabst s/d:1,2-6).
O desejo de ser sempre a vencedora associado à arrogância da lebre perante os outros animais, fez com que todos os animais já não confiassem nem gostassem dela. Assim a corrida com a tartaruga surge como sinónimo de realização e concretização dos objetivos da lebre.
A densidade psicológica desta personagem aumenta, nesta fase da narrativa, quando ela corre com a tartaruga, e por pensar que está ganho, descansa à sombra de um arbusto, e quando dá fé a tartaruga já está na linha da meta: - “Despertando do seu sono
e toda assustada, a lebre tentou correr com toda a velocidade que podia, mas já era tarde, e no fim do trajeto já podia ouvir os festejos e gritos de comemoração dos outros animais…” (Sabst s/d: 7)
Os animais – o elefante, o macaco, a tartaruga, entre outros – apesar de todos caírem na armadilha da lebre, pois já tinham corrido contra ela um dia, e por pensarem que ela era invencível, uniram-se e já ninguém caía na mesma armadilha. Contudo a tartaruga na sua boa fé, decide correr contra a lebre, porém, a mesma, por pensar que estava tudo ganho adormece e a tartaruga ganha a corrida, os animais ficam eufóricos e felizes. Assim a lebre aprendeu que nunca deverá subestimar os outros animais e ser mais humilde.
Este desafio foi positivo para a própria lebre, pois a pequenina tartaruga dá uma lição de moral à mesma, por ser humilde e persistente conseguindo assim alcançar a vitória. A lebre aprendeu que não se pode julgar os outros por aquilo que aparentem ser mas sim valorizá-los.
As relações entre as personagens ou esquema actancial, a que Greimas dá a forma e que é diversas vezes referido no Dicionário de Narratologia (Reis 2007: 9),
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contribuem para esta concretização da lebre, correr de novo mas desta vez surpreende- se com o resultado final, como podemos verificar de modo esquemático:
Destinador A lebre Esquema Actancial de Greimas apud (Soares 2003:11) Objeto Ganhar sempre as corridas Destinatário Tartaruga e os outros animais da floresta Adjuvante Não há Sujeito A lebre Oponente Tartaruga e os animais da floresta
Na perspetiva da dinâmica da narrativa e segundo o modelo indicado por Cristina Macário Lopes (Lopes apud Soares 2013), é importante mencionar que esta narrativa é uma fábula marcada por uma sucessão de acontecimentos lineares que nos conduzem do
estado inicial ao estado final. A fábula começa por uma situação de equilíbrio, onde a
lebre persiste até encontrar um animal da floresta para correr contra ela.
Quanto à perturbação deste estado inicial, ela tanto que insiste que consegue encontrar uma concorrente para correr: a tartaruga.
Existe uma transformação quando todos os animais se colocam contra a lebre e apoiam a tartaruga, incentivando a que ela não desista e chegue ao final.
A resolução opera-se, quando a lebre percebe que vai perder em face de uma concorrente débil. Na verdade, a lebre descansa num arbusto, adormecendo, e a tartaruga ganha assim a corrida. Por fim, no estado final há uma situação de desequilíbrio, ou de falta pois a tartaruga (oponente) ganha a corrida ao herói, dando uma lição de moral à lebre. Ela percebe que nunca pode desvalorizar os outros animais só porque são mais frágeis do que ela. Assim a lebre fica a pensar na persistência da
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tartaruga e na vontade de mostrar o que ela valia, mesmo sendo mais ténue, obtendo com isto uma lição de moral.
J. Courtès (1979: 13) divide estas narrativas em três partes ou provas e, na sua peugada, Cristina Macário Lopes, propõe um modelo de divisão em cinco partes, supra indicadas (estado inicial, perturbação, transformação, resolução e estado final).
Eis, pois, o esquema da dinâmica da narrativa, segundo J. Courtès:
Prova Qualificadora
Persistência da lebre em encontrar um animal da floresta para correr contra ela. Insistindo sempre, consegue encontrar a tartaruga.
Prova Decisiva
Revolta de todos os animais contra a lebre, apoiando a tartaruga. A lebre pensa que está ganha a corrida e descansa, acabando por adormecer.
Prova Glorificadora
Consagração da tartaruga, pois ganha a corrida e assim dá uma lição de moral à lebre.
A fábula “A lebre e a tartaruga” é suscetível de ser dividida em três partes lógicas, de acordo com a análise da dinâmica da narrativa, proposta por Courtès. Assim sendo, o texto pode dividir-se em três partes conforme o esquema supra mencionado.
Segundo Courtès, a prova qualificadora inicia a narrativa, pois é a partir desse momento que toda a ação se desenvolve.
A prova decisiva corresponde ao desenvolvimento: a corrida entre a lebre e a tartaruga. A prova glorificadora, na verdade não o é, pois, verifica-se a derrota do herói. O estado final é de falta ou desequilíbrio.
Em suma esta fábula não segue o esquema canónico, sendo porém que quanto às personagens ocorre o sincretismo actancial. Na verdade a dinâmica da ação desenvolve- se entre duas personagens, a principal (lebre) e a secundária (tartaruga), os restantes (os animais) são figurantes.
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