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3 GIRO CONCEITUAL DO ETHOS NA ANÁLISE DO DISCURSO

3.5 AS FÓRMULAS EM ANÁLISE DO DISCURSO

A Fórmula em Análise do Discurso ou nos estudos Discursivos nada mais é do que um conjunto de enunciações que, pelo fato de serem empregadas em um momento e em um espaço público, denotam questões sociais ao mesmo tempo que as constroem (KRIEG-PLANQUE, 2010, p.9). Essas expressões participam nas complexas relações de dominação que os discursos organizam, assegurando às ideologias um processo de aceitabilidade.

Essa noção decorre dos estudos realizados no âmbito da materialidade textual em Análise do Discurso. Pequenas frases ou não, com pouca ou nenhuma heterogeneidade, formam enunciados que adquirem um poder de destacabilidade (MAINGUENEAU, 2014) e capilaridade no seio social. Não se trata de meros jargões mas antes disso, expressões com fortes traços ideológicos e que materializam uma corrente dominante.

Para Alice Krieg-Planque, 04 (quatro) são as condições necessárias ao entendimento do seja fórmula, a saber: (1) seu caráter cristalizado, (2) sua dimensão discursiva, (3) porque funciona como referente social e (4) comporta um aspecto polêmico (Ib idem, 61).

A autora inicia dizendo que um bom indício para saber se há caráter cristalizado é observar a capacidade de encontrar rastros de sua forma. Essa cristalização deve ser analisada de dois modos: O primeiro está ligado à natureza da cristalização, que pode ser estrutural ou memorial; já o segundo, diz respeito ao grau dessa cristalização, grau esse que a diversifica. A percepção dessa cristalização é subjetiva e por isso mesmo passível de conflitos (Ibidem, 61-67).

É essa cristalização que dá à formula a concisão. Mas também é a concisão que permite à fórmula circular e ser integrada a diversos outros enunciados, inclusive aqueles que não necessariamente a aceitam (Ibidem, 71).

A fórmula não é uma mera conceituação da linguística, mas é uma noção discursiva. Assim, a fórmula ao adquirir esse status procede a uma sequência formal de seu uso. Esse uso por outro modo é originalmente conhecido pelos enunciadores. “A consequência do caráter discursivo das fórmulas é que elas só podem ser analisadas se estiverem apoiadas em um corpus saturado de enunciados atestados” (ibidem, p. 89).

Resta ainda dizer que remanescem dois elementos constitutivos da fórmula, que sintonizam com seu caráter de referente social e seu caráter polêmico. O caráter de referente social denota um aspecto dominante em determinado momento e espaço sócio político, e essa penetrabilidade é consequência direta da ação da publicidade em cima dela.

A fórmula é um signo que evoca alguma coisa para todos num dado momento. Consideramos o óbvio: para que esse signo evoque alguma coisa para todos, é necessário que ele seja conhecido por todo. A “notoriedade” do signo é uma condição necessária para a existência formulaica desse signo.

O espaço público não é um bloco impenetrável ou isento de fragmentos. Esses fragmentos inclusive serão consequências da ação dos atores sociais que a partir da ação da publicidade de uma determinada fórmula torna-a visível e provocativa ao debate.

Ao tratar da mídia, deve-se registrar o seu relevante papel, mas não de forma isolada como única responsável por aplicar a fórmula, mas certamente digna de registro pelo sua forte capilaridade nos lares da sociedade e daí sua capacidade de penetrar em todos os níveis de diálogo, de discursos. Para a autora, “essas mídias foram e serão ainda, por algum tempo, o lugar central do compartilhamento das opiniões e das decisões” (ibidem, p. 115). Nos dias de hoje, a mídia televisiva ganha um forte aliado dissuasivo que são as redes sociais que transcendem em letras as rodas de diálogos, outrora pessoais, e que agora passam a se eternizar em textos escritos.

Os nomes próprios não estão imunes a esse tipo de notoriedade.

Por fim temos o caráter polêmico da fórmula pois ela é portadora de questões sociopolítica. Há por trás da fórmula “algo de grave”, e nisso ela coloca sua própria existência em grave risco.

Krieg-Planque (2010, p.111) adverte, no entanto, que essas quatro propriedades podem se apresentar de maneira desigual, sendo uma ou outra característica mais ou menos preenchida.

O conceito de fórmula também interage com outros conceitos maingueneauanos, como percurso, particitação e destacabilidade. A destacabilidade diz respeito ao fato de que há enunciados que são postos a circular separados de seus textos e de seus contextos de origem. Já a particitação suprime o autor da

menção dos enunciados por contar com a memória partilhada em um seio comunitário. Por fim, o percurso pode ser compreendido como o trajeto interdiscursivo em que algumas fórmulas transitam, produzindo em cada formação discursiva um posicionamento em que ocorrem, isso também decorrente de relações características desses mesmos espaços (POSSENTI, 2011).

O termo fórmula pode apresentar diferentes acepções: religioso/sagrado, jurídico, matemático e inclusive jornalístico. São múltiplas as possibilidades em que a fórmula pode se apresentar circunscrita.

Ao atribuir a um texto simples um estatuto discursivo formulaico, favorecemos a análise sob outros aspectos decorrentes, a saber, a enunciação aforizante, particitação e hiperenunciador, de Maingueneau.(MIQUELETTI, 2011, p.70)

Por tudo o exposto, temos que Tropa de Elite oferece uma lista de frases com caráter formulaico, ou seja, farses que não chegam a ser definidas como fórmulas porque, apesar do sucesso do filme, não circularam na sociedade como, por exemplo, as fórmulas “Somos todos X” ou “Eu sou X”, “Tamo Junto”, ainda que, ao longo do tempo, tenham sido largamente apropriadas por membros de corporações policiais e, com maior ou menor intensidade, pela sociedade que consumiu esse produto cinematográfico. Justifica-se, desse modo, por qual razão é importante analisar, ao menos 02 (cinco) dessas frases com inspiração formulaicas como meio de compreender melhor o Ethos policial e a sua relação com a violência policial, em Tropa de Elite.