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Faculdade de Arquitetura – ULISBOA

Resumo

Um dos argumentos defendidos hoje por diversos teóricos é que faltou a Lefebvre e a Harvey a inserção das diferenças inerentes ao coletivo ao falar sobre direito à cidade. A partir daí este estudo vem para construir uma crítica literária sobre a consideração das diferenças entre os gêneros na concepção e no exercício do direito à cidade. Utilizando de teóricos de base e outros de discurso feminista, a discussão tem como objetivo identificar pontos comuns e lacunas nos discursos a fim de se observar o que ainda pode ser transmitido para o planejamento urbano na busca pelo equilíbrio no dito direito à cidade, uma vez que a maneira com que a sociedade e os governantes, em sua grande maioria, ainda lidam com as desigualdades de gênero não tem se mostrado suficiente para garantir a autonomia das mulheres nas cidades.

Palavras-Chave

Direito à cidade, Estudo de Gênero, Vida Urbana, Estudos Urbanos

Abstract

One of the arguments defended nowadays by several theorists is that Lefebvre and Harvey lacked the insertion of the inherent differences amid collectives when talking about the right to the city. From this point, this paper comes to set a literary critique about gender differentiation in the conception and exercise of the right to the city. In order to observe what can still be transmitted to urban planning in the quest for balance in the claimed right to the city, basic theorists and others of feminist discourse are used. This discussion aims to identify gaps and common points in the discourses, once observed that the way in which society and most part of governments still deal with gender inequalities has not proved sufficient to guarantee women autonomy in the cities.

Keywords

Right to the City, Gender Study, Urban Life, Urban Studies

Introdução

Lefebvre (2008) trouxe a ideia (e o consequente debate) acerca do direito à cidade e o que ele implica e, desde então, muito foi e continua a ser discutido e dito por teóricos e tomadores de decisão30, independentemente do

sistema econômico defendido ou do país em foco. David Harvey (2008) acabou por definir o direito à cidade como muito mais que a liberdade individual para acessar os recursos urbanos. Afirmou que acaba por ser o direito de

30 Usa-se aqui a nomenclatura ‘tomadores de decisão’ para aqueles à frente das decisões que direcionam o planejamento e a dinâmica das

mudar a si mesmos por mudar a cidade e, sobretudo, um direito coletivo, ao invés de individual, pois esta transformação inevitavelmente depende do exercício de um poder coletivo para dar nova forma ao processo de urbanização. Harvey argumentou que o direito a fazer e refazer as cidades e nós mesmos é um dos mais preciosos, e ainda assim mais negligenciados, dos direitos humanos.

No entanto, o argumento defendido por alguns teóricos de discurso feminista é que faltou a Lefebvre e a Harvey, posteriormente, assim como a grande maioria dos pesquisadores, a inserção das diferenças inerentes ao coletivo (Fenster, 2005). Ao analisar a ideia, a primeira questão que surge é em que medida essa noção do direito à cidade é sensível à diferença individual e coletiva. Como tal, a definição de Lefebvre não se relaciona com a noção de poder e controle, que são ligados à identidade e ao gênero. Portanto, sua definição não desafia qualquer tipo de relações de poder (étnicas, nacionais, culturais) e muito menos de gênero como ditando e afetando as possibilidades de realizar o direito ao uso e o direito de participar da vida urbana.

É sabido, pois, que parte fundamental para a dita conquista ao direito da cidade é o sentimento de pertencimento, da noção do coletivo e, parte deste sentimento é, por sua vez, a percepção de segurança ou de insegurança. Constata-se que a insegurança é um tema que toca a todas as pessoas que vivem na cidade, mas faz-se importante considerar que há perigos e medos vividos exclusivamente ou mais intensamente pelas mulheres (Peccini, 2016). Isso se verifica, simplificadamente, por meio da construção social da mulher: a forma como ela é vista na sociedade e o lugar em que ela é colocada; o lugar da mulher historicamente construído é o espaço privado e não o espaço público. No espaço público, ela não se sente segura, não se sente pertencente.

Como já percebido, a igualdade de gênero é um conceito complexo e multidimensional que compreende a gama de fatores que engloba processos sociais, culturais, históricos e econômicos. Nessa linha, continua notável até os dias de hoje a dominação, em trabalhos e estudos relacionados às questões urbanas, espaciais e temporais, da desconsideração a essas diferenças de gênero e a consequente tendência à obtenção de soluções únicas para toda a população. A partir daí este estudo vem para iniciar uma construção crítica da inserção da noção de diferenciação de gênero no exercício do direito à cidade. Utilizando conceitos de teóricos de base e outros de discurso feminista, este trabalho tem como objetivo identificar pontos comuns e lacunas nos discursos a fim de se concluir o que poderia ser transmitido hoje para o planejamento urbano que traria equilíbrio para o dito direito à cidade, uma vez que a maneira com que a sociedade e os governantes em sua grande maioria lidam com as desigualdades de gênero atualmente ainda não têm se mostrado suficiente para garantir a autonomia das mulheres nas cidades. Assim, este trabalho vem com o objetivo de ilustrar, mesmo que brevemente, aonde se encontra a teoria acerca do lugar da mulher na cidade e qual seu papel na discussão e planejamento urbano.

Por se tratar de um estudo feminista de gênero, é crucial definir logo a princípio que, além das peculiaridades claras do que é ser uma mulher em cada cultura - seja de diferentes países ou religiões ou mesmo de diferentes regiões do mesmo país - ainda existem contradições quanto a concepção do próprio gênero feminino. A mulher,

que sempre foi objeto dos movimentos feministas, agora compreende mais do que os seres humanos que nasceram com o sexo feminino, além do que a categoria mulher também foi construída sob uma visão de dominação masculina (Miguel & Biroli, 2014). A verdade é que diferentes correntes feministas ainda discordam e discutem a definição de gênero. No entanto, é extremamente importante, em um estudo, mostrar qual é o objeto da pesquisa e a que grupo está se dirigindo. A solução para essa questão foi adotar aqui o conceito da distinção entre sexo e gênero, que tem se tornado central no debate feminista. O primeiro então se torna uma referência ao fenômeno biológico e o segundo à construção social. Ser mulher é entendido como um processo, tanto pessoal quanto social, isto é, além de uma identidade, o gênero é uma posição social e um atributo das estruturas sociais.