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Faculdade de Educação

No documento Leda Jesuino (páginas 94-101)

Com a experiência adquirida no Colégio de Aplicação, no Colégio Universitário e nas Classes Piloto a professora Leda Jesuino foi convidada para implantar e coordenar a Faculdade de Educação, da Universidade Federal da Bahia. O convite foi feito pelo mesmo Reitor Roberto Santos, ao qual ela respon-

93 deu com a disposição de servir que já identificamos e com hu- mildade: “Dr. Roberto, eu nem sei bem o que é uma Faculdade de Educação” (Entrevista realizada com ela em 05/01/2001).

O Curso de Pedagogia já existia na UFBA desde o início da década de 40, fazendo parte do elenco dos cursos oferecidos

pela Faculdade de filosofia3. O desafio, dessa vez, não era ape-

nas de ordem técnica e filosófica, pois acompanhou a constru- ção da sede física da Escola.

A primeira missão da educadora consistia em integrar o anti- go Departamento de Pedagogia ao projeto de Lingüística Aplica- da ao Ensino de Português e ao CECIBA, estruturar o colegiado de Pedagogia e efetivar convênios. Como registra Boaventura, (1990, p. 129): “A Faculdade de Educação – FACED – formou recursos humanos para as quarenta escolas polivalentes do PREMEN [...], trabalha conjuntamente com o Centro de Edu- cação Técnica da Bahia - CETEBA –[...] além dessa tarefa, a FACED também se ocupou da reforma do preparo dos profes- sores em face da reforma do ensino da lei 5692, de 1971”.

Leda foi nomeada para o cargo de Diretora da Faculdade de Educação no ano de 1971 e o exerceu até 1975, período em que se deu início à construção da sede da instituição, localizada no Vale do Canela. O trabalho desenvolvido por ela seguiu a mesma metodologia participativa já experimentada anteriormente, con- tando não só com o apoio do Reitor Roberto Santos, como de professores como Luiz Rogério Tobias Neto e Edivaldo Machado Boaventura. Na sua avaliação de hoje, o trabalho foi difícil, pois não contava com outras faculdades do gênero:

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A UFBA foi uma das primeiras universidades a estruturar uma Faculdade de Educação. Foi um trabalho árduo e intenso, um desa- fio, pois, embora o quadro docente fosse de primeira qualidade, composto por professores competentes, idealistas e responsáveis, por outro lado não havia parâmetros nas próprias universidades federais do País.

Outra vez a educadora foi veículo e centro de mudanças ou de realização de mudanças que o momento social e histórico exigia. A Faculdade de Educação, assim como o Colégio de Aplicação e o Colégio Universitário, representam a concretização de reformas importantes e estruturais na educação. Esta não tinha a missão apenas de preparar professores para o Ensino Médio, como foi o objetivo da criação do Curso de Pedagogia, nos anos 40, pretendia formar lideranças intelectuais, ideologicamente comprometidas, capazes de arriscar tudo pelo ideal.

A participação de Leda, especialmente na posição de lideran- ça desses futuros líderes, é significativa. Por que foi entregue a uma mulher papel tão importante, destacado e essencial? Decer- to seu perfil profissional, a formação básica que possuía e a com- petência, já testadas, eram condições mais do que razoáveis, entretanto, outras inferências podem ser feitas a partir dos seus

depoimentos4:

[...] a Universidade caminhava para uma reformulação inovadora e havia, indiscutivelmente, anseios de uma performance acadêmica de mais eficiência e maior eficácia.

[...] os professores estavam mobilizados para uma universidade mais aberta, mais adequada aos anseios democráticos.

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E as reuniões de professores, técnicos, alunos e funcionários se processavam intensivamente, com idealismo e sacrifícios pessoais para atender às urgências do cotidiano.

Entre as possíveis análises que os depoimentos acima ensejam, destacamos sua disponibilidade em servir à Universidade sem res- trições, mesmo diante da necessidade de aceitar sacrifícios pesso- ais, assim como a coerência ideológica em lutar por uma sociedade mais democrática, justa e consciente. Ambos os as- pectos são recorrentes no comportamento da educadora e po- dem ser analisados como fazendo parte da sua personalidade, porém refletem também o momento histórico. Esperar que as mulheres aceitem sacrificar-se em prol da realização dos ou- tros, tem sido uma marca da nossa cultura, com tintas mais fortes quando se trata da cultura baiana. A inovação consistia em estender o serviço à sociedade, ao invés de ficar restrita aos membros da família, como vem sendo ensinado e praticado pelas mulheres.

O intrigante consiste em delegar a uma mulher posição de des- taque e poder de decisão. Para corroborar com nossa busca de compreensão, achamos importante aprofundar a categoria de aná- lise gênero, chamando à discussão a divisão sexual do trabalho. Nisso, devemos visibilizar que se tratava de uma Faculdade de Educação e não de uma de Direito ou de Engenharia, marca- damente áreas femininas e masculinas, respectivamente. As- sim, ela teria que concorrer com homens que optaram por uma área de pouco prestígio se considerarmos, que naquele mo- mento e ainda hoje, quase todos os que se destinavam ou se destinam à área de educação são pouco prestigiados socialmen-

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te, ou com mulheres também preparadas e competentes. Aí, entre elas, certamente, na decisão pesavam questões de or- dem subjetiva e prática, tais como: boa colocação social, concei- to que possuía no meio educacional e disposição para lutar.

Decerto, esses distintivos faziam parte do perfil da educado- ra: possuía boa formação geral e especifica, tinha uma visão críti- ca da realidade, adquirida no Ginásio Americano e na Faculdade de Filosofia, como licenciada em Filosofia, acrescia-se a isso ím- peto, vontade, dedicação e compromisso político, sintetizado no ideal de ajudar a criar uma sociedade melhor mediante uma edu- cação comprometida com a formação crítica dos seres humanos. Esses pré-requisitos ainda lhe renderam cargo de maior projeção social e elevada hierarquia, ao assumir a Pró-Reitoria de Ensino de Graduação, no reitorado de Luiz Fernando Seixas de Macedo Costa (1979-1980).

Vinte anos após a criação da Faculdade de Educação, ela reafir- mou o princípio que reiteradamente demonstrou ser a motivação das suas ações na vida, com destaque para a educação:

[...] viemos para servir na conotação mais metafísica que a palavra possa ter. E serviço não provém de um interesse prático por algum resultado especifico. É imprescindível que, quando nos dispomos a servir nossa ação seja desinteressada. Precisamos sair de esquemas viciados da atividade, só e exclusivamente interessada em resultados práticos e objetivos”. (Discurso proferido nas comemorações dos 20 anos da FACED).

A posição revelada denuncia uma identificação com a moral kantiana, que em nome do valor do ato moral prega que o agir humano deve ser orientado tão somente pelo cumprimento do

97 dever, de modo que toda motivação que ultrapasse essa orien- tação contamina o ato moral e o desqualifica. Além da sua for- mação filosófica, a identidade de gênero apresenta elementos para interpretarmos esse princípio. Primeiro, porque as mu- lheres, mesmo aquelas que não foram educadas em colégios religiosos tradicionais, como a educadora Leda Jesuino, apren- dem que seu trabalho deve ter como principal motivação o de- sejo de servir, diferentemente dos homens que vêm sendo responsabilizados pelo provimento da família. Alicerçando essa divisão sexual do trabalho, encontra-se uma base de ordem ontológica, que consiste em afirmar que as mulheres têm uma natureza dócil e pouco competitiva assentada na maternidade e por extensão voltada para serviços filantrópicos e sociais.

Notas

1

Para maiores esclarecimentos sobre o educador Isaías Alves e sua obra educacio- nal, recomendamos a leitura do livro Palcos e Platéias – as representações do gênero na Faculdade de Filosofia, de autoria de Elizete Passos.

2

Como o interesse deste estudo não é o de analisar a instituição e sim a participação da educadora nele, nos restringiremos apenas às informações básicas sobre o mesmo.

3

Para maiores informações recomendamos a leitura do livro Palcos e Platéias – as representações de gênero na Faculdade de Filosofia, de autoria de Elizete Passos.

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No documento Leda Jesuino (páginas 94-101)