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Uma mulher em destaque

No documento Leda Jesuino (páginas 139-144)

[....] bendito é o ventre da natureza que, diante do murchar de uma flor, gera outra flor.

Leda Jesuino

Investigando-se a genealogia dos nossos valo- res morais, encontraremos a religião como um dos seus troncos principais, ao lado da sabe- doria popular; motivo, entre outros, que jus- tifica a direção religiosa que historicamente a

educação feminina tem tomado.1

Na Bahia, os colégios destinados ao sexo feminino, até mais da metade do século passa- do, seguiam forte orientação religiosa,man- tinham tanto no currículo explícito quanto no oculto atividades com esse cunho, incluindo aulas de Religião, orações no inicio das ativi- dades do dia e no seu encerramento; obri- gatoriedade explícita ou implícita à fre-qüência semanal a missas; participação em atividades caritativas; culto à Virgem Maria, enfim, o ri- tual escolar denunciava que a educação era um meio para a realização do “Apostolado

da Oração”2.

Esse processo, ao lado do exemplo cotidianamen- te dado pelas educadoras religiosas, oficialmente vinculadas a uma Ordem ou não, consistia em um forte apelo a que as alunas desenvolvessem

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hábitos morais em que as virtudes eram identificadas com a cari- dade, vontade de servir, desprendimento dos bens de caráter material, como o luxo e os prazeres físicos.

A educadora Leda Jesuino nos afirma que não participou des- se processo, pois foi educada em um colégio protestante, onde a religião não era imposta e sim compreendida e escolhida; entre- tanto guardou, no fundo do seu ser, as mensagens de amor ao próximo e a Deus, assim como da religião como constituída por princípios de razão e não por postulados dogmáticos de fé. Esse modelo foi identificado por ela no Espiritismo, caminho que segue na atualidade, ao qual ela considera como um conjunto coerente e organizado de entendimentos sobre a realidade que tanto propicia ao homem uma compreensão da sua existência quanto oferece um direcionamento a ser seguido – contra o hedonismo materialista e a alienação religiosa. Sendo assim, sem estar preso a um rigor conceitual, o Espiritismo é entendido como um campo de estudos abrangentes sobre o homem amparado pela filosofia e pela ciência.

Acreditamos que sua identificação com o Espiritismo decorre desse caráter da doutrina, ao mesmo tempo livre e compromissada com a ciência e a filosofia, coerentes com sua formação filosófica e sua forma de interpretar o mundo. Como registrou em discurso proferido em maio de 1997, recepcionando o Espírita mais famo- so da Bahia, Divaldo Franco, agraciado com o título de Educador do Ano pela Academia Baiana de Educação:

[...] adotando a concepção filosófica de Kardec e seus seguidores, o seu pensamento segue a linha aberta e sua estrutura é dinâmica, sem ossatura dogmática, como bem diz Herculano Pires: ela é

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constituída de princípios de razão e não de postulados de fé e, por isso mesmo, flexíveis. Abraça uma filosofia espírita da Existência. Nem o existencialismo de Kierkegard, de Heidegger, nem de Sartre ou Jaspers, nem mesmo o de Gabriel Marcel de La Senne, mas coloca-se contra o hedonismo materialista ou existencialista e o absenteísmo religioso ou místico, postulando a obediência às leis naturais, o respeito à existência e seus fins [...]. (Jesuino, 2000, p. 21).

Além das características e das bases filosóficas da Doutrina, no mesmo texto e em outros sobre o assunto, ela demonstra sua crença religiosa baseada na evolução dos seres através das “existências sucessivas”. Crê, Leda, ser a essência a realidade última que só atingiremos através da existência que segue uma lei evolutiva de existências sucessivas. Através do Evolucionismo, o ser humano poderá compreender com mais amplitude e verdade o Ser Sobre- natural, Deus, com o que estará colocando a Lei da Evolução aci- ma do pensamento, da razão.

Esse embate entre razão e fé, tão comum na Filosofia Moral Medieval, e tão rechaçada pela tradição racionalista da Filosofia Ocidental, foi enfrentada pela Educadora no presente, porém, ainda exigindo explicações que ela procura dar, apoiando-se em teóricos como Pestalozzi e, principalmente, na autoridade de E. Kant. A argumentação usada para defender a união da razão com a fé, concretizada em fatos como a coerência de um “místico” numa academia de educação formal resvala para o conceito de educação como moralidade, como o caminho eficaz para a reali- zação do ser humano como ser moral. Em suas palavras: “[...] desenvolve, pois, Divaldo como Kant uma moral autônoma, mos- trando enfaticamente os efeitos anti-éticos de uma moral

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heterônoma” (2000. p.22). Apesar de usar a autoridade de um defensor da razão, ela também busca o amparo de Luiz Borges, no caso, para dizer que ela apenas não basta, que a prática exclu- siva da razão é limitadora e não dá conta das dimensões do ser.

Em finais da década de 90, Leda escreveu o opúsculo A admirá-

vel mansão do meu caminho, numa alusão à obra encabeçada pelo

Médium Divaldo Franco: A Mansão do Caminho, traduzida por ela como: “[...] uma instituição que, dignificando a Bahia, segue seu curso, atualizando sus métodos de trabalho, no silencioso fa- zer de um servir consciente, contextualizado, inserido nas novas conquistas e nos acertos de um Serviço Social atualizado, sem paternalismo” (Jesuino, 1993,p.3). Além de destacar seu formato institucional, ela apresenta o real valor da instituição, afirmando que aquele tem sido o “Caminho” para quem procura explica- ções, para quem tem dúvidas e anseios inexplicáveis através da dimensão material da vida. Afirma que foi conduzida a esse “ca- minho” na década de 70 e descobriu que ele era o seu caminho.

A instituição de mais de quarenta anos e dedicada ao cuida- do de crianças órfãs, não como um orfanato comum, mas, na visão da Educadora, como um lar, assentado no carinho e no cuidado, ambiente apropriado ao crescimento sadio de uma criança é, para Leda, a oportunidade para o ser humano que nele se vincula, na qualidade de trabalhador voluntário, um ca- minho para o seu crescimento espiritual, rompendo com a ilu- são das fórmulas prontas para a resolução dos problemas que a vida apresenta a cada um. Analisa que o ser humano hodierno vive a ilusão que os recursos materiais sejam capazes de dar respostas prontas para tudo, o que não passa de ilusão, pois:

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[...] a busca contínua e persistente traduz a única e possível fórmu- la para compreender que o caminho não está diante de cada um de nós [...] ao caminhar, o homem foi abrindo sua vereda e construin- do, então, o seu caminho, traçando no seu agora o seu amanhã, porque o presente em si nada mais é do que o passado e o futuro entrelaçados num todo complexo difícil de destrinchar, pela lei cientifica da causa e do efeito. (Ibid. p. 6).

A Mansão é, para ela, o caminho do seu crescimento espiritual pavimentado pela Doutrina Espírita e concretizado através dos seus métodos, tendo a educação como um dos eixos. Aí encontra-se mais um ponto de identidade entre ela e o caminho religioso que escolheu. A prática educativa desempenhada pela Mansão é vista por Leda como do mais alto valor, não só pela filosofia que segue, mas, principalmente, pela competência de quem a conduz, o mé- dium Divaldo Franco.

Quanto à orientação seguida, a Educadora identifica os princí- pios básicos defendidos por ela ao longo da carreira, assentados no que mais tarde ela veio a chamar de educação holística, que, par- tindo de uma visão de ser humano multifacetado (razão, emoção, sentimento), ela, agora, na atualidade, vê incluída a dimensão que no passado não teve a coragem de incluir explicitamente, a espiritualidade. Esta sempre esteve presente em sua mente, talvez intuitivamente, mas, por falta de base teórica ou de maturidade para propor a vinculação entre razão e espírito, foi deixada na som- bra. Na experiência da Mansão do Caminho ela pode ver essa dimensão ser incluída de forma natural e legitimada pela autorida- de de uma figura renomada e pela sua maturidade. A síntese básica de tudo consiste em afirmar que é “[...] impossível desmembrar

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a criatura do criador”, compreensão que ela deixa aparecer em seus escritos da atualidade, como faz nos livros Pela voz do vento, de 1996, e A solidão de uma estrela, de 1998. O primeiro consti- tui-se de contos e é uma continuidade de estudos realizados por professores da UFBA sobre a influência dos valores orien- tais no mundo ocidental. O segundo, definido pela autora como “poemas para rezar, sonhar e amar”, cumpre o seu propósito com mensagens espirituais como exemplifica o poema intitulado “Em solidão...” (p. 43) onde, dentre outras profissões de fé, solicita a Deus que sua solidão se transforme em condição para a reflexão e que sua bondade seja ofertada ao inimigo.

No documento Leda Jesuino (páginas 139-144)