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FAMÍLIA: CONTEXTO NATURAL PARA NASCER E CRESCER

PRIMEIRA PARTE – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1. FAMÍLIA: CONTEXTO NATURAL PARA NASCER E CRESCER

“Só é possível ensinar uma criança a amar, amando-a.”

Johann Goethe

O período da infância é reconhecido pelas sociedades como uma etapa especial do desenvolvimento humano. Desde o início da vida os bebés são considerados seres sociais, enfatizando os psicólogos a importância das relações de vinculação que se estabelecem entre as crianças e as pessoas que cuidam delas. Estas interacções são as bases fundamentais para o seu desenvolvimento global (Roberts, 2003; Gough & Stanley, 2004).

Somos concordantes com os autores ao referirem que o conhecimento acerca do processo de desenvolvimento das crianças é crucial, não só para a formação de políticas educacionais para aconselhar os pais, instituir terapias e aconselhamento especialmente quando as crianças têm problemas, como para a tomada de decisões legais que afectam as crianças e as famílias. Mas, definir família, como funciona, quais os seus problemas e competências, não parece ser fácil, especialmente se a reflexão se centrar no emaranhado dos conceitos, questões e mesmo contradições que ela compreende (Relvas, 2000).

As definições actuais de família, especialmente as que assentam na teoria sistémica, convergem no sentido de a considerar como “(…) um «ser» uno e particular, sendo entendida (…) como um sistema, um todo, uma globalidade (...)”, compreendida numa perspectiva holística (Relvas, 2000, p. 10). Abordar a família na perspectiva sistémica implica a análise da sua estrutura, dimensão espacial e temporal e do seu desenvolvimento (Alarcão, 2000).

Ela é um todo e simultaneamente uma parte, já que é formada por subsistemas que intervêm em outros sistemas e subsistemas sociais com os quais se liga hierarquicamente. A noção de hierarquização sistémica entronca na noção de abertura. Atendendo a que os sistemas podem ser abertos ou fechados, para Relvas (2000), a família é considerada um sistema aberto, composta por membros, respectivos atributos e relações e possui limites que funcionam como fronteiras permeáveis. Permitindo a passagem selectiva da informação, possibilita o desenvolvimento e bem estar dos seus membros por contribuir para a aquisição de habilidades, padrões de condutas e funções de acordo com a sua etapa evolutiva e permite o intercâmbio com o sistema social. Cada elemento que a integra desempenha papéis que implicam estatutos, funções e interacções, com variados graus de autonomia.

Assim, os diferentes elementos que integram o sistema familiar organizam-se em unidades sistémico-relacionais que, como vimos, se denominam sub-sistemas e que são fundamentalmente quatro: individual, conjugal, parental e fraterno (Relvas, 2000; Alarcão, 2000). Para as autoras, o primeiro integra o próprio indivíduo que possuindo um estatuto e funções familiares, exerce funções e papéis noutros sistemas, implicando um dinamismo que se repercute no seu desenvolvimento e na forma como está nos outros contextos.

No sub-sistema conjugal, composto por marido e mulher, destacam-se como essenciais ao seu funcionamento, as noções de complementaridade e adaptação recíproca. Este sub-sistema é essencial para o desenvolvimento dos filhos devendo funcionar como modelo relacional para o estabelecimento de futuras relações de intimidade. O sub- sistema parental, constituído pelos mesmos adultos, tem funções executivas que visam a protecção e a educação das gerações mais novas. Permite a aprendizagem do sentido da autoridade no contexto da relação vertical e do sentido de filiação e pertença familiar, a partir da interacção pais-filhos. O sub-sistema fraternal, constituído pelos irmãos, representa o espaço de socialização e experimentação de papéis em relação aos sub- sistemas e sistemas extra-familiares. Em resumo, no ciclo vital da família, cada um dos sub-sistemas desenvolve-se num espaço e tempos próprios, em permanente interacção. Competindo aos pais providenciar as medidas de protecção e socialização que conduzem ao desenvolvimento harmonioso da criança, a qualidade dos cuidados que esta recebe é da inteira responsabilidade destes. Mas, o desempenho efectivo do papel parental implica a existência de um ambiente estável e coerente que permita à criança

66 sentir-se verdadeiramente amada e amar. Neste sentido, as relações no ambiente familiar devem implicar uma afectividade que permita à criança a assunção dos sentimentos de segurança e pertença. Em oposição, a demissão parental na satisfação das necessidades da criança gera sentimentos de rejeição com consequências graves para esta.

Perceber o fenómeno da parentalidade é uma tarefa aliciante. Dada a complexidade de que se reveste ao ser a função mais desafiante da vida adulta e de os pais constituírem uma das influências mais cruciais na vida dos seus filhos, torna-se importante compreender como funciona esta complexa rede de interligações, para se perceber como os pais influenciam os seus filhos e são influenciados por estes (Cruz, 2005).

A família sendo uma estrutura complexa é formada por elementos cuja união deriva não só de laços sanguíneos, mas também de afectivos, constituindo o contexto natural para nascer e crescer. Devendo ser geradora de amor, em algumas circunstâncias, pode ser também geradora de sofrimento.

Constituindo-se como o meio em que, por excelência, a criança se desenvolve enquanto pessoa, deve ser um subsistema flexível à mudança que ocorrerá em função das solicitações dos elementos que a integram e dos contextos que a envolvem. Os pais são claramente fundamentais na protecção da criança, sendo o seu principal recurso de salvaguarda do mau trato (Gough & Stanley, 2004; McDaniel & Dillenburger, 2007). O desenvolvimento integral da criança pressupõe a satisfação das suas necessidades ao nível da saúde, educação, desenvolvimento emocional e comportamental, relacionamento familiar e social, aceitação social e capacidade de auto-cuidado (Bentovim & Miller, 2007) sendo os pais os seus principais provedores (Gough & Stanley, 2004).

Mas, se a salvaguarda das necessidades primárias, biológicas ou de sobrevivência que têm a ver com a segurança da criança (alimentação, cuidados de saúde, integridade física, condições ambientais e trato adequado) podem ser satisfeitas por qualquer recurso que possa providenciar a atenção e o cuidado, o bem estar que está relacionado com as necessidades secundárias (afectivas, relacionais, cognitivas e sociais) só pode ser satisfeito por uma família protectora (Martín Hernández, 2005).

Numa perspectiva de promoção do bem estar e segurança da criança, as intervenções dos técnicos devem centrar-se em três vertentes: nas capacidades parentais para prestar

cuidados básicos, garantir a segurança, o apoio emocional caloroso, a estimulação, regras educacionais e estabilidade; nos factores familiares e ambientais (funcionamento e história familiar, opinião geral sobre a família, condições de habitabilidade, emprego, rendimento económico, integração social da família, recursos comunitários e a família alargada) e ao nível das necessidades da criança (Bentovim & Miller, 2007), numa perspectiva de que o bem estar familiar se refere à presença constante de relações de suporte, afectividade e gratificação que permitem o desenvolvimento pessoal de cada membro da família e o bem estar colectivo da família como um todo (Prilleltensky & Nelson, 2000).

Há unanimidade em considerar que o desempenho adequado das funções parentais é de primordial importância para o bem estar e segurança da criança (López Pena & Romero Aranda, 2000; Gough & Stanley, 2004; Donald & Jureidini, 2004; McDaniel & Dillenburger, 2007).

Somos concordantes com Donald e Jureidini (2004) ao definirem a capacidade parental como as habilidade parentais para enfaticamente perceberem e darem prioridade às necessidades da criança. Esta compreensão implica, por um lado, que os pais têm de ser capazes de detectar as mudanças que ocorrem em função da personalidade e do desenvolvimento de cada um dos seus filhos e, por outro, de perceber quais as suas limitações do ponto de vista das suas características que os impedem de ser competentes no desempenho do papel parental.

Mas, a família não funciona num vazio social, há outros agentes de socialização envolvidos no processo de desenvolvimento da criança, numa interacção contínua entre si e com a sociedade envolvente. No seu contexto mais próximo, a partilha deve ser com outros familiares e com os educadores.

A partilha desta responsabilidade com a escola é de extrema importância, pois ambas exercem grande ascendência no processo evolutivo da criança, pelo que quando uma destas influências educacionais é inadequada, quem perde é a criança. De facto, a finalidade da escola é educar os seus alunos e como parte da sua função, tenta consolidar a implantação dos valores da sociedade em que ela está inserida, que representa e da qual os alunos procedem.

Para Magalhães (2002), a escola entendida como uma comunidade educativa inclui não só os educadores de infância, professores e auxiliares de acção educativa, mas também,

68 outros profissionais como assistentes sociais, psicólogos, animadores sociais e entidades, como as associações de pais, que constituem uma mais valia no contexto das escolas, jardins de infância e creches.

Uma vez que a demissão parental, quer de protecção, quer de socialização, acarreta consequências graves para a criança (Ariès & Duby, 1991; Magalhães, 2000; Canha, 2003a), é à escola que é imputado o desempenho desse papel. De facto, a comunidade escolar torna-se um dos espaços mais importantes no bem estar infantil e juvenil, já que tem a possibilidade de observar diariamente as condições físicas e comportamentais dos seus alunos.

Esta observação pode permitir ao educador, não só detectar se a criança está a ser vítima de alguma forma de agressão psicológica, física, sexual ou negligência (Kenny, 2001; Duncan, 2001; Brino & Williams, 2003; Crosson-Tower, 2003; Kenny, 2004) como também intervir implementando medidas de protecção. Além disso, o contacto e a proximidade entre aluno e professor favorece a partilha de sentimentos, tornando-se este, uma das principais vias de socorro da criança vítima de maus tratos e a escola uma das entidades sinalizadoras das situações de risco por excelência.

2. A ESCOLA COMO ELEMENTO DE PROMOÇÃO DO BEM ESTAR