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FAMÍLIA DE MARIA: mudança no modo de viver de uma família a partir

No documento wagnerjaernevaysilveira (páginas 55-59)

Maria tem 46 anos, mas aparenta-se mais jovem. É uma mulher solteira, pele de coloração clara, olhos castanhos, cabelos negros, cujo comprimento passa um pouco dos ombros. Sua estatura é de aproximadamente 1,55cm. Corpo franzino, sendo possível verificar nos membros superiores as marcas do tratamento hemodialítico representadas pelas cicatrizes das confecções das fístulas arteriovenosas e pelas veias arterializadas aumentadas de diâmetro.

Maria iniciou o tratamento hemodialítico muito jovem. Ela convivia com problemas relacionados à bexiga neurogênica desde a adolescência. Esse termo significa:

Disfunção vesico esfincteriana por causas neurológicas. A bexiga e os esfíncteres uretrais perdem em graus variados a capacidade de controle voluntário, evoluindo para situações como perda urinária, dificuldade de esvaziamento vesical, resíduos urinários, infecções e, em última instância, insuficiência renal. (SROUGI, 2003, p. 1664).

Essa patologia culminou, no caso da Maria com a DRC. Ela permaneceu em tratamento conservador por um período de dez anos, depois necessitou da TRS.

Primeiro ela teve uma breve experiência na DP, aproximadamente um ano e, devido à peritonite e a “perda” do peritônio como membrana utilizada para filtro na referida modalidade de TRS, ela retornou para a HD.

Maria tem dezessete anos em terapia dialítica e refere estar bem adaptada a esta modalidade de tratamento. Ela convive ainda, com outras comorbidades como o hiperparatireoidismo, que está relacionado com a DRC, e retinose pigmentar, uma doença hereditária que leva a perda gradual da visão. Ela relata que faz acompanhamento de saúde com o nefrologista, com o cardiologista e com oftalmologista também.

Maria disse que antes de conviver com os nefrologistas, ela não havia recebido informações sobre a DRC. Mesmo convivendo com outras doenças e com a necessidade de realizar HD, ela menciona que vê sua situação de saúde, bem como sua qualidade de vida como boas.

Em relação à escolaridade, Maria disse que não completou o ensino médio e, devido aos problemas com a saúde, não trabalha e não tem nenhuma profissão, assim como ocupação.

Maria mora no segundo andar de um prédio, localizado em uma rua em declive e tranquila de um bairro da periferia da cidade de Juiz de Fora (MG). O prédio não tem elevador e para chegar ao apartamento é necessário subir vários degraus de escadas. A moradia é da família, possui rede de esgoto e água encanada e proporciona um ambiente agradável. É válido destacar que o bairro fica distante geograficamente do serviço de TRS e, para chegar lá, ela precisa utilizar dois ônibus.

Nessa residência ela vive com seus pais e com uma irmã. Os pais de Maria são idosos, nascidos no Ceará. O pai é um senhor de 78 anos, estatura média, moreno, de cabelos lisos, curtos e negros, já apresentando sinais de calvície. Apresenta face envelhecida e o abdome proeminente. Diz ser católico, ao contrario da esposa e da Maria que professam a religião evangélica na vertente de Testemunha de Jeová. Atualmente, é aposentado por tempo de contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em relação à saúde refere ter hiperplasia prostática e bronquite asmática.

Ele participou do encontro de forma gentil, fazendo colocações de forma ponderada. Demonstrou, em todo tempo, carinho pela família. Percebe-se que ele é o “ponto de equilíbrio” perante o observado comportamento ansioso de sua esposa.

A mãe de Maria é uma mulher de 76 anos, clara, com aproximadamente 1,60 de altura. Seus cabelos são lisos e negros. Apresenta-se obesa. Refere-se que não concluiu o ensino fundamental e, assim como o esposo, relatou que durante a sua infância/adolescência era difícil continuar com os estudos. Ela era costureira, mas hoje é aposentada. Diz ser hipertensa, ter depressão, artrite, osteoporose e “problema de vesícula”. Demonstra um comportamento de ansiedade e agitação, principalmente quando se comunica. Ela participou intensamente da entrevista, tornando-se a principal informante. Percebe-se que a mãe exerce uma liderança na família, é quem toma a frente das situações e decisões.

A irmã é fisicamente parecida com a Maria. Quando a vi pela primeira vez, na recepção do serviço de diálise, não tive dúvida sobre o parentesco. Ela é uma mulher de 47 anos, clara de cabelos lisos, negros, passando um pouco dos ombros. Refere ser solteira. Ela é professora do ensino fundamental e recebe um salário mínimo pelo seu trabalho. Convive com a expectativa de mudança de escola e tem medo de ser direcionada para outra distante de sua casa.

Diz ser ateia, mas ter fé. Como a irmã, já apresenta retinopatia. Ela participou da entrevista, mas falou pouco, o que, à observação pareceu um comportamento relacionado ao tipo de relacionamento com a mãe, que parecia censurá-la e oprimi-la.

A família aparenta ter um convívio agradável. Abstrae-se das falas que houve alteração no estilo de vida da família desde o adoecimento da Maria que ocorreu muito cedo. O cuidado com a Maria é presente, o que leva a colocação da irmã em uma posição secundária de importância. Coube à mesma a necessidade de adaptação a essa realidade.

Os familiares mudaram os hábitos alimentares para se adaptarem à terapêutica na qual a Maria está inserida. Os valores dos exames de sangue, principalmente relacionado ao fósforo, entre outros, tornam-se um medidor para a alimentação. Há uma nova forma de cozinhar, pela mãe, mais adequada as demandas nutricionais da filha portadora de DRC. Como os pais já são idosos, eles tiveram menos dificuldades para aceitar essa dieta. Porém, a irmã expressa um desejo de maior liberdade na alimentação.

A necessidade de fazer HD três vezes por semana mexe com a rotina da família. Eles planejam suas atividades baseados no tratamento de Maria. Isso impacta na saúde, principalmente da mãe que, segundo ela, não faz atividades físicas pela falta de tempo. Essa necessidade de ir ao centro de diálise repercute ainda no lazer da família, em especial quanto à viagens, que consideram difíceis de serem realizadas.

A família queria viajar para Goiania, mas deixou de viajar por causa do tratamento hemodialíticode Maria. A família sente-se insegura e com medo de levá- la para dialisar em outros centros. Além da HD, a família fez referência à complexidade medicamentosa e ao suporte recebido do sistema de saúde local. Assim, as viagens alterariam a rotina, principalmente da mãe, que mostrou ser a principal cuidadora de Maria. Ela é quem toma as providências para a obtenção das medicações e outros serviços do sistema de saúde para dar apoio à Maria. Portanto, o calendário de atividades da família é condicionado às demandas de tratamento hemodialítico de Maria.

A mãe se culpa pelo estado da filha. Isso também é dito em relação à acuidade visual de suas duas filhas. Ela associa essa condição às suas duas gestações muito próximas e ao fato de ser prima do esposo.

A situação da Maria traz preocupação intensa para família, principalmente quando ela está fazendo HD. Pode-se observar que a mãe experimenta uma ansiedade extrema enquanto aguarda Maria receber o tratamento, assentada por quatro horas, na sala de espera daquele serviço.

A mãe considera que todo esse processo de adoecimento e tratamento pelo qual a Maria passa repercute em sua saúde, especialmente, no que se ferere ao surgimento da HA e da depressão, levando-a a necessitar de tomar remédios diariamente para controlar essas patologias.

Chamou-me a atenção o relato da experiência da família relacionada a modalidade de DP. A mãe chegou a usar o termo “pânico” para conceituar a experiência da Maria nessa modalidade dialítica. A necessidade e a maneira de higienizar a casa, assim como as paredes e os móveis para atender às orientações para a realização da DP foram relatados como problemas. O sono dos membros da família tornou-se alterado pelo medo do funcionamento da máquina e possíveis intercorrências durante a terapêutica.

A religião aparece nas falas da mãe e de Maria como um conforto e força para a família enfrentar os desafios diários vivenciados em seu cotidiano. Os membros da igreja da mãe e da Maria ajudam-nas com apoio emocional. Além disso, o principal acesso de busca de conhecimento de Maria e de sua mãe é a revista produzida pela religião, que serve de fonte de saberes para elas e, consequentemente influenciam os outros membros da família.

Em relação ao saberes sobre a DRC pode-se observar a existência de dúvidas tanto em relação à doença quanto aos meios de tratamento. O entendimento demonstrado pela família sobre saúde e busca de cuidados de saúde condiz com o modelo assistencial vigente na cultura onde se inserem, ou seja, com as marcas do modelo biomédico, com a resolutividade centrada no hospital e na cura de doenças.

A busca pelo serviço de profissionais da saúde ocorre de maneira majoritária no profissional médico. Isso é feito de maneira geral para a aquisição da medicação e tratamento de doença. Ao ser indagada a relação desta família com a enfermagem, esta foi mencionada no cuidado à Maria no momento do tratamento hemodialítico, formando-se vínculos com os enfermeiros e técnicos de enfermagem. A ESF é vista em segundo plano por essa família, que recorre à UAPS para manter o acesso à medicação. Os membros dessa família não demonstraram entendimento da ESF como um recurso do sistema próximo à sua casa e relevante para a promoção da saúde.

Enfim, o encontro com a família de Maria contribuiu em especial para a compreensão dos vínculos familiares, dinâmica de vida da família que passa a conviver com uma doença crônica. Pode-se aprender com esta família, como o seu modo de viver modificou-se e como sofre interferências pelo adoecimento de um de seus membros.

4.2 FAMÍLIA DE DAVI: esperança no transplante renal, mesmo significando uma

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