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Família Franconi na França: a força do teatro no Cirque Olympique

O Cirque Olympique será apresentado neste trabalho como um caso modelar para tratar da presença do teatro nas primeiras configurações do circo como espetáculo moderno. Não se trata de indicá-lo como o único a associar circo e teatro, pois, como já foi dito, os circos de Hughes e Astley já haviam introduzido o palco ao lado do picadeiro e a prática pode ter inspirados outros empreendimentos similares no período. O escolhemos como referência pelo longo tempo de existência e pelas inovações que introduziu, apesar de proceder da empresa de Astley. No caso da França ele é exemplar por dois motivos: por ter o privilégio de exploração deste tipo de espetáculo em Paris e pelo seu tempo de existência, superior a meio século, sem contar com os empreendimentos da família Franconi em Lyon e em Paris (antes da denominação Cirque Olympique que data de 1807 e vai até 1862). Dada a grande extensão de tempo de atuação desta companhia, fizemos um recorte de aprofundamento entre os anos de 1807 e 1836, ano no qual, sob a administração de Adolphe Franconi, o circo faliu e passou a ser de propriedade de Dejean. Embora Adolphe tenha continuado com um papel fundamental no Olympique, compreendemos que ali se iniciou uma nova etapa, simbolicamente marcada pela morte de Antonio Franconi, o patriarca desta dinastia e primeiro grande empresário circense na Europa.

O período enfocado também permite compreender a configuração do circo como espetáculo moderno na Europa antes da sua chegada ao Brasil e sua consequência no formato do espetáculo brasileiro. Segundo Silva (2007, p. 57- 58) o primeiro circo, assim nomeado, chegou à América Latina pela Argentina em 1820 e no Brasil em 1834, como veremos adiante, embora desde o fim do século XVIII saltimbancos europeus e famílias circenses tenham começado a vir trabalhar nesta mesma região do continente americano. Trata-se de uma tentativa de conjecturar sobre o circo-teatro no Brasil, a partir desta companhia francesa como modelo, no sentido da forma do espetáculo. Entre as contribuições francesas ao circo72 está a criação do trapézio volante por Jules Léotard (MAUCLAIR, 2003, p. 48), mas as influências no teatro circense não podem deixar de ser consideradas, pois é grande seu significado para a compreensão do teatro brasileiro.

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Philip Astley já havia construído na Inglaterra um circo denominado Olympic Pavilion (JANDO, 1977, p. 20).

72 O termo francês Monsieur Loyal, por exemplo, usado para designar o mestre de pista circense, aquele que

apresenta as atrações, é derivado do Théodore Loyal, um dos mestres de pista que por volta de 1860 foi um dos sucessores de Adolphe Franconi no picadeiro do Cirque des Champs-Élysées (THÉTARD, 1978, p.79). Para Etaix (1977, p. 214) o termo teria sido herdado de Arsène Loyal, mas, de todo modo, a denominação ficaria herdeira deste nome de família circense.

O circo, em formato próximo ao que conhecemos hoje, existiu por mais de quatro décadas com a denominação mais corrente de anfiteatro, embora Hughes tenha usado a denominação circo para seu empreendimento da Inglaterra ainda no ano de 1780. Franconi, que era italiano, pode ter se inspirado tanto no ex-aluno de Astley quanto na antiga Roma para a escolha do nome do seu negócio de 1807, que até então, durante o tempo que esteve associado a Astley e mesmo depois do retorno deste para a Inglaterra, permaneceu com o nome de anfiteatro, embora a inclusão do palco para representação de pantomimas em todos esses empreendimentos tenha modificado a estrutura circular das arquibancadas própria de um anfiteatro.

Para falar da força do teatro em Paris durante o século XIX73 Yon (2012, p. 7) toma o termo dramatocratie, usado por um jornalista americano, correspondente na França do jornal New York American, em artigo publicado em novembro de 1838. Segundo o jornalista, nem o Estado nem a Igreja tinham sobre os parisienses a mesma influência da arte teatral, da qual o circo também se ocupava. Autores como Costa (1999), Bolognesi (2003), Magnani (2003), Marques da Silva (2004) e Silva (2007) fizeram referências ao teatro no Cirque Olympique sem, no entanto, se aprofundarem no assunto, não sendo este o objetivo de seus trabalhos. Desse modo, há na bibliografia brasileira uma lacuna acerca da importância do teatro neste circo francês, que foi a grande referência no processo de consolidação do circo moderno no continente europeu.

1.7.1. Antes, um pouco de melodrama

Como a partir de agora faremos várias referências ao melodrama apresentaremos brevemente seu conceito e suas características, bem como sua relação com o circo. O tema, no entanto, será retomado no capítulo 5, quando trataremos da representação da tradução da peça francesa Les deux sergents74 nos circos e teatros do Brasil.

Foi na Itália do século XVII que a palavra melodrama surgiu como denominação de uma peça cantada (THOMASSEAU, 2005, p. 16). O termo passou a ser usado na França no século XVIII, desenvolvendo-se como novo gênero no contexto da Revolução Francesa. A

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Tanta era a movimentação cênica que em 1825 Paris já contava com 10 jornais dedicados ao teatro (ALMANACH..., 1826, p. 302).

peça Coelina, ou l’Enfant du mystère, da autoria de René-Charles Guilbert de Pixérécourt (1773-1844)75, escrita em 1800, é um marco na configuração do gênero (THOMASSEAU, 2005). Segundo Magnani (2003, p. 63) Coelina contou com mais de 1.500 apresentações, entre Paris e o interior da França, uma marca notável para o teatro da época. Apesar das especificidades de gêneros para cada teatro francês do início do século XIX, chegou um momento em que os mesmos começaram a circular entre endereços anteriormente opostos:

Le mélodrame, bafoué au boulevard, s'est montré audacieusement, avec ses exagérations, ses femme si persécutées, ses tyrans, ses niais,etc., sur les théâtres consacrés à la tragédie; tandis que la tragédie honnie et conspuée dans son propre royaume, s'est installée aux boulevards, avec sa dignité, avec ses brodequins qui l‟élèvent sans la faire plus grande76

. (LE MONDE..., 1835a, p. 315)

A repercussão de outros elementos do domínio da literatura, como romance moderno francês, o romance noir e o folhetim, contribuíram para o sucesso do melodrama na medida em que suas histórias serviram de inspiração ao gênero e vice-versa (MAGNANI, 2003, 63- 64). Embora a postura de Thomasseau (2005) na classificação do melodrama tenha sido considerada horizontal e panorâmica (MERÍSIO, 2006, p. 46) diante da farta produção deste gênero e suas particularidades estilísticas, a categorização feita pelo autor, embora apresentada de forma bastante esquemática, cumpre bem seus fins didáticos. Segundo ele, seriam três os grandes momentos do melodrama: Melodrama Clássico (1800-1823); Melodrama Romântico (1823-1848); e Melodrama Diversificado (1848-1914). Este último com uma subdivisão compreendendo os melodramas: Militar, Patriótico e Histórico; de Costumes e Naturalista; de Aventuras e de Exploração; e Policial e Judiciário. Merísio (2010, p. 52) afirma que “a significativa constituição do gênero melodramático no Boulevard du

Crime, em Paris, no século XIX, influenciou o melodrama que se instaurou nos palcos de

nossos circos-teatros”.

A bipolaridade da estrutura do melodrama é evidenciada pela oposição entre o bem e o mal (HUPPES, 2000). Seu enredo é repleto de equívocos, perseguições, peripécias mirabolantes, revelações bombásticas e reconhecimentos patéticos (BRAGA, 2003) que ainda hoje lhe rendem viabilidade econômica em diversas mídias (HUPPES, 2000). Rejeitado pelos

75 Autor de cerca de 120 peças (HUPPES, 2000), é considerado o pai do melodrama.

76 “O melodrama, rebaixado ao boulevard, é mostrado audaciosamente, com seus exageros, suas mulheres

perseguidas, seus tiranos, seus bobos etc., nos teatros dedicados à tragédia; enquanto a tragédia, odiada e vaiada no seu próprio reino, se instalou nos boulevards, com sua dignidade, com suas botas que elevam sem torná-la maior”.

intelectuais do século XX pelas características próprias da cultura de massa (DUARTE, 1995), o gênero sempre teve grande aceitação popular ao investir nos sentidos dos seus espectadores (OROZ, 1999).

Merísio (2006) aponta em elementos da pantomima, da commedia dell’arte e do

Boulevard du Crime células de modos de produção cultural, organização artística e técnicas de

interpretação e composição dramatúrgica que, de certa forma, estão agrupadas no melodrama dos

circos-teatros através de um processo de apropriações criativas de heranças estéticas

permanecidas no século XX mesmo com o processo de modernização do teatro. O autor também sugere cautela quanto a análise da bibliografia sobre o melodrama que comumente o analisa a partir de padrões literários, desconsiderando sua complexidade integradora de vários elementos artísticos, imprimindo-lhe pejorativamente o rótulo de popular e abdicando o estudo aprofundado dos seus autores. O autor aponta as obras de Jean-Marie Thomasseau e Julia Przybos, produzidos nas décadas de 1970 e 1980 respectivamente, como fundamentais para a nova compreensão do papel deste gênero na história do teatro ocidental.

A configuração do melodrama na França da virada do século XVIII para o XIX como um espetáculo de máxima valorização dos sentidos e exploração de efeitos visuais, sonoros e coreográficos resulta num registro cênico repleto de emoções extremas corroboradas pelas várias peripécias presentes no texto que traduzia os últimos anos movimentados e sangrentos do contexto revolucionário (THOMASSEAU, 2005). Neste ponto o gênero encontra similaridade com o espetáculo circense por este representar, igualmente, no sentido metafórico, uma experiência artística aglutinadora de sentidos simbólicos de superação dos limites do corpo como dado de uma assimilação cultural da nova ordem sociopolítica do país. Merísio (2006, p. 51) parece corroborar com nossas ideias ao sintetizar que, no caso do espetáculo melodramático, “A ação passa a rivalizar com a palavra.”, o que – segundo Duarte (1995) – o torna muito próximo do circo.

Quando Martin-Barbero (2003) decodifica os gêneros associados ao melodrama, relaciona a figura do bobo, recorrente entre os personagens do estilo, ao palhaço de circo, indicando que ambos são responsáveis pelo momento de relaxamento nesses dois espetáculos que submetem o espectador a momentos de extrema tensão77. Embora não seja este o objetivo do autor, ele acaba indicando a profunda relação existente entre o circo e o melodrama, o que nos faz crer que sua junção e sucesso não foi obra do acaso, mas talvez pelas suas afinidades estruturais. Um dado que não pode deixar de ser considerado é que ambos, circo e

melodrama, são espetáculos híbridos. Podemos citar brevemente na genealogia do circo tanto a equitação, a ménagerie e a arte dos saltimbancos, quanto o folhetim a pantomima, e a

commedia dell’arte na raiz do melodrama.

Mas é na definição de COSTA (1999) sobre o circo que nós encontramos sua maior similaridade com o melodrama. A autora aponta que o espetáculo circense moderno, apresenta entradas cômicas entre os números de risco a fim de equilibrar os momentos de tensão e relaxamento. No melodrama, o cuidado com o espectador é o mesmo. Geralmente os entremezes, cômicos ou cantados, além oferecerem tempo para as trocas de cenários e figurinos, cumpriam a função de relaxar o público das tensões criadas pelos enredos mirabolantes. Além desta similaridade na forma, os dois também estão ligados pelo apelo comercial, construídos estrategicamente para atrair seu público. Bolognesi (2003, p. 44) também pode ser acionado para a compreensão desta perspectiva quando afirma que “O circo também manifestava sua predileção pelo risco e pelo impossível, dando asas à imaginação, ignorando as barreiras entre o sério e o risível, entre o trágico e o cômico”. É bem verdade que em seu contexto francês do final do século XVIII à primeira parte do século XIX, as características do melodrama respondiam em alguma medida às leis artísticas e sociais do seu tempo, mas sua encenação passou a oferecer certo grau de risco em contextos posteriores, como no caso brasileiro da primeira parte do século XX, tornando-se anacrônico quando representado nos antigos moldes e sobre os antigos textos.

1.7.2. Nos passos dos Franconi e seus parceiros

No século XIX o teatro estava no coração da vida pública parisiense e foi neste contexto que o mesmo assumiu um sentido extremamente amplo, abarcando desde os gêneros considerados mais nobres como a tragédia, a comédia e a ópera até os mais desprezados como o vaudeville e o melodrama, a opereta e a mágica, ainda que se distinguisse das formas espetaculares mais marginais como o circo que, entre outras, existia e pulsava ao seu lado (YON, 2012, p. 8). Apesar disso, a presença do Cirque Olympique na obra de Yon, que analisa o teatro parisiense na relação com o Estado francês, é bastante frequente ao lado das principais casas de espetáculo da cidade, o que demonstra sua importância e como o mesmo era levado em conta nas decisões do Estado

sobre o mundo dos espetáculos. Em 1834, por exemplo, ele estava entre os 13 teatros autorizados para funcionamento em Paris (YON, 2012, p. 72)78.

Um decreto da Assembleia Nacional de 13 de janeiro de 1791, sancionado pelo Rei Luís XVI seis dias depois, autorizava todo cidadão a abrir um teatro e nele representar qualquer gênero. Em 19 de julho a mesma assembleia estabeleceu os direitos autorais e fixou o prazo de cinco anos para gozo dos benefícios dos mesmos pelos herdeiros dos autores após sua morte. Esta lei foi sancionada em 06 de agosto, mas seria alterada no ano seguinte, estendendo de cinco para dez anos o prazo para as obras entrarem no domínio público (ALMANACH..., 1826, p.437-438). Com a lei de 1791 que considerava a abertura de teatros um direito que não deveria ser restringido, diversas salas de espetáculos foram abertas em Paris79. Neste contexto, Yon (2012, p. 28) pontua que “Les cirques ne sont pas non plus à

négliger, en particulier le Cirque Olympique de la famille Franconi, qui change plusieurs fois d’implantation”80

. Mais de três décadas depois, uma comissão que discutia propriedade literária enviou

um relatório ao Rei Carlos X sugerindo que os herdeiros dos autores dramáticos tivessem direito sobre a impressão de suas obras durante 50 anos, a menos que não as usassem nos 20 anos seguintes da morte dos mesmos (ALMANACH..., 1827, p. 4).

Em 1796 as casas de espetáculos foram orientadas a fazer, uma vez por mês, uma representação gratuita para os pobres, ao passo que as obras antirrepublicanas foram proibidas de serem montadas, podendo ocasionar o fechamento dos teatros que as fizessem. Em 1797 foi criado um imposto de 10% sobre os ingressos das casas de espetáculos em favor da população menos favorecida economicamente (ALMANACH..., 1826, p.439-440).

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Em 1º de agosto de 1823 foi publicado um ato administrativo que fixou o gênero do Cirque Olympique, a ser cumprido a partir de 1º de janeiro no ano seguinte (ALMANACH..., 1826, p. 445). Mas desde 1815 que “[...] les frères Franconi obtinrent le privilège exclusif d‟un thèâtre equestre [...]” (ALMANACH..., 1822, p. 54).

79 Em 1835 o Almanach des Spectacles publicou os diversos valores pagos aos autores dramáticos nos diferentes

teatros de Paris, assim podemos observar distintos modos na atribuição dos valores que variavam entre preços fixos e porcentagens aplicadas sobre diferentes critérios. Para citar alguns exemplos podemos apontar a

l’Opéra, que para as obras de três a cinco atos pagava 500 francos para as quarenta primeiras representações e

200 francos para as que se sucedessem a estas; já o Théâtre de la Porte de Saint-Martin pagava 10% sobre a receita bruta do espetáculo; o Théâtre de la Gaité, por sua vez, pagava 8% sobre a receita líquida depois da dedução do imposto dos pobres; o théâtre de l’Ambigu-Comique pagava pelos melodramas que tivessem entre três e cinco atos 36 francos para as primeiras 25 representações e 24 francos para as apresentações que se sucedessem a estas, os Vaudevilles eram mais em conta, aqueles de um e dois atos rendiam aos seus autores 15 francos para as primeiras 25 apresentações e 12 para as próximas; e o Cirque Olympique remunerava com 30 francos os autores das peças grandes (ALMANACH..., 1835, p. 127). Considerando que o circo tinha uma das maiores receitas entre os teatros o valor pago aos autores é baixo em relação ao l’Ambigu-Comique, por exemplo, cuja diferença chega a 20%. Talvez essa desvantagem fosse superada pelo número de apresentações de cada espetáculo, que em alguns casos passava de uma centena.

80 “Os circos não devem ser negligenciados, especialmente o Cirque Olympique da família Franconi, que muda

As definições políticas não paravam de influenciar os teatros franceses. Um decreto imperial de 08 de junho de 1806 definiu que nenhuma casa de espetáculo poderia ser aberta em Paris sem a autorização de Napoleão ao mesmo tempo em que autorizou o Ministro do Interior a definir os gêneros de cada teatro, o que foi feito num ato administrativo de 25 de abril de 1807 (ALMANACH..., 1826, p.442-443).

O decreto de 180681 privava os espetáculos chamados de curiosidades de usarem a nomenclatura teatro para designar suas apresentações, sendo inúmeros os que cabiam nesta designação: os jardins públicos onde se apresentavam concertos, as apresentações de acrobatas, funâmbulos, ilusionistas, marionetes, teatro de sombras, exibição e combates de animais, cafés-cantantes, fogos de artifício, exercícios equestres sem construção fixa para exibição, figuras de cera, anões, invenções mecânicas, bailes, etc. Os limites eram imprecisos, pois em alguma medida os artistas se misturavam (Yon, 2012, p. 326). Segundo os editores do

Almanach des Spectacles publicado em 1822, chamavam-se assim todos os espetáculos que

não eram pautados na literatura ou que a tinham como acessório, a exemplo dos teatros de melodramas (ALMANACH..., 1822). Com esta observação podemos notar que desde suas primeiras configurações, circo e melodrama estavam ligados em sua essência, sendo espetáculos que privilegiavam a visualidade, nos quais o texto, embora existente, não se impunha como elemento principal da cena, mas antes sucumbia à grandiloquência desta. A compreensão desta particularidade do circo foi veiculada pelas publicações especializadas:

Les concerts d'été s'adressent aux oreilles. – Le Cirque d'été s'adresse aux yeux; chaque jour aux Champs-Élysées, dans un vaste et bel amphithéâtre, quarante chevaux et cinquante écuyers exécutent des prodiges qui depuis si longtemps n'ont jamais cessé d'attirer la foule au théâtre fondé par Franconi82. (LE MONDE..., 1835a, p. 101)

Mas foi graças ao Cirque Olympique que o circo deixou de ser mais um espetáculo de curiosidade do século XIX e passou a ser um teatro secundário que tinha privilégio na área de exercícios equestres como forma de espetáculo, conseguindo na década de 1830 uma proibição para que escolas de equitação de Paris não apresentassem números equestres misturados a pantomimas, comédias e dramas (Yon, 2012, p. 333). Há um fato curioso observado num processo movido contra os Franconi em Lyon que, pela interpretação legal,

81 Um resumo de todas as leis e regulamentações relativas ao teatro francês entre 1790 e 1825 encontra-se nas

páginas 437-445 do Almanach des Spectacles de 1826, que constam no Anexo 02 deste trabalho.

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Os concertos de verão se destinam aos ouvidos. – O Cirque d'Été se destina aos olhos; cada dia no Champs-

Élysées, em um vasto e belo anfiteatro, quarenta cavalos e cinquenta cavaleiros executam prodígios que mesmo

relativizou o privilégio dos proprietários do Cirque Olympique. Em 1826 o diretor dos Teatros de Lyon, Alexis Singier, que pela legislação francesa tinha o direito de, depois de subtraído o valor destinado aos pobres, receber a porcentagem de 50% do valor bruto proveniente das apresentações dos pequenos espetáculos de curiosidades em Lyon e no seu entorno – legislação criada para ajudar os teatros do interior do país – entrou com um processo contra os irmãos Franconi e Arban, o proprietário do estabelecimento onde se apresentaram, por terem acordado o valor de 50% da receita bruta para cada um deles, desconsiderando a legislação em vigor. O conselho da prefeitura do departamento de Rhône concluiu que o privilégio dos Franconi estava restrito à exploração dos espetáculos apresentados no Cirque Olympique, em Paris, e que em viagem pelo interior a trupe dos Franconi se caracterizava como espetáculo de curiosidades, obrigando-os a pagar o valor devido a Alexis Singier (ALMANACH..., 1827, p. 17-20). O mesmo aconteceu em junho de 1828, quando os irmãos Franconi se apresentaram em Reims. Apesar dos argumentos de serem um Teatro Secundário e já contribuírem com 20% da sua receita em Paris, eles foram levados aos tribunais por Salomé, diretor do teatro da cidade e obrigados a pagar os 50% previstos para os Espetáculos de Curiosidades (ALMANACH..., 1829, p. 22). No mesmo ano o tribunal de comércio condenou o cavaleiro Bastien Gillet e o acrobata Guertener, além da atriz Marie-Louise Renard, conhecida como Vilmond, a pagarem respectivamente 15.000 e 3.000 francos ao Olympique por terem quebrado seus contratos com o circo (ALMANACH..., 1829, p. 25). Os dois primeiros deixaram a trupe quando fariam uma temporada em Rouen e seguiram para a Bélgica

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