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2 O ESTUDO DA VIDEOMÚSICA

3.1 FANTASIA

Os clássicos musicais hollywoodianos não foram o único segmento onde as experiências de união da imagem com a música foram feitas. O campo da animação foi outro meio importante, preferido pelos inovadores artísticos como Oskar Fischinger. Arquiteto por formação, refugiado na Califórnia por conta da II Grande Guerra, acabou se dedicando a curtas experimentais com animações e músicas, Fischinger traz, na década de

30, uma mentalidade construtiva ao meio audiovisual, sincronizando perfeitamente o movimento de formas geométricas ao acompanhamento musical, como em Study 8 (1931) e Composition in Blue (1935).

As experiências de Fischinger o convenceram de ter inventado uma nova linguagem cinematográfica: cientifica e não-verbal, em função da harmonia entre suas formas e suas notas musicais. Com essa concepção, o artista se une ao compositor Leopold Stokowski num projeto hibrido, para criar um filme, uma obra mais grandiosa do que a soma de seus dois componentes (música e imagem). Stokowski levou a idéia para Walt Disney, que acabou conduzindo-a ao que se tornaria o filme Fantasia em 1940 (AUSTERILITZ, 2007, p. 23).

Hoje, Fantasia é considerado como um dos maiores clássicos de animação, talvez o primeiro a experimentar novas técnicas e criar conceitos inovadores que chegam à audiência massiva. Entretanto, a crítica e os próprios espectadores não tinham esta opinião quando o filme estreou em 1940. Segundo Matheus Mocelin Carvalho (2004), comentarista do site Animatoons (maior portal brasileiro sobre animação), o filme foi considerado pretensioso e monótono, ainda mais por associar música clássica a imagens animadas. Para Machado (2002, p. 154), esta última questão se deve ao fato de que muitos artistas clássicos, como o músico Igor Sravisnky, o qual teve uma de suas obras como parte do filme, eram afiliados a perspectiva iconoclasta que “rejeita a qualquer complementação ou substituição da música pelo discurso das imagens, como acontece na abordagem do cinema e da televisão”.

A contribuição de Fantasia para a construção de uma estética futura – a do videoclipe –, neste caso, vem com a idealização de Walt Disney, sob a direção de Samuel Armstrong, em conceber uma animação experimental, a princípio, que buscava complementar as informações musicais das peças escolhidas com imagens. Pela primeira vez, imagens aplicadas sobre a música, sincronizadas na montagem de um filme, eram o tema principal. Disney e seus colaboradores criaram não só novas histórias para músicas que já tinham uma temática cunhada, mas fizeram adaptações nas próprias partituras; como, por exemplo, na seqüência de A Sagração da Primavera, composta originalmente por Igor Stravinsky (CONTER; ROCHA DA SILVA, 2006).

O filme, com pouquíssimas falas, desenvolve-se a partir de oito segmentos animados, acompanhados por oito obras musicais, compostas por grandes nomes da música clássica. A primeira seqüência, Tocata e Fuga em Ré Menor, de Johann Sebastian Bach, consiste em elementos de pura abstração, resultando em imagens bastante ousadas, se levarmos em conta a audiência da época. A segunda é Suíte Quebra-Nozes, de Tchaikovsky, uma interpretação própria da música que traz um número de dança simbolizando as estações do ano, onde os bailarinos são fadas aladas, flores, peixes, cogumelos chineses e cravos russos, interligando todas as partes individuais do balé em apenas uma peça.

O terceiro segmento, Aprendiz de Feiticeiro, de Paul Dukas, foi o pontapé inicial para a produção do restante do filme. Aqui, Mickey Mouse é um feiticeiro atrapalhado, querendo aprender seu ofício antes da hora. O rato rouba o chapéu mágico de seu mestre Yen-Sid e dá vida a várias vassouras que o ajudam a encher o caldeirão de água, mas acaba criando algo que foge de seu controle. Mesmo sendo o menos inovador dos números, é o mais famoso e querido do público. A Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky, parece uma explicação científica da evolução da vida na Terra, desde os primeiros seres microscópicos aos gigantescos dinossauros. Essa concepção difere da original criada pelo compositor, a qual tratava de um balé referente a rituais primitivos, onde uma jovem sofria, tendo que dançar até a morte, o que não agradou o músico.

A obra é interrompida neste momento, onde entra a apresentação de Deems Taylor, que comenta a trilha sonora, sendo esta uma das poucas partes faladas do filme. Segue, então, a próxima seqüência, Sinfonia Pastoral, de Beethoven. O Monte Olímpio é o cenário de fundo, e os personagens são cavalos alados pairando pelo céu, sátiros que saltam pelos campos, cupidos e centauros. Mesmo tendo causado alguma polêmica ao mostrar centauros e cupidos nus e ainda centaura negra servindo outras brancas, foi feito com muita leveza. A Dança das Horas, de Amilcare Ponchielli, mostra um divertido número de balé clássico,

interpretado por avestruzes, hipopótamos, elefantes e jacarés, representando as horas de um dia.

Uma Noite no Monte Calvo, de Modest Mussorgsky, pode parecer um tanto assustadora para o público infantil, pois mostra um demônio, Chernabog, que vive no alto da montanha, e que na noite de Halloween amedronta as almas de um vilarejo. O último segmento, Ave Maria, de Franz Schubert, fecha a história com uma procissão religiosa que segue até uma capela gótica. Ainda que pareça simples, conta com extensivos usos de câmera em multiplanos.

Matheus Mocelin Carvalho (2004) comenta que a fórmula de misturar desenho e música clássica pode não ser uma grande novidade hoje em dia, mas Fantasia é uma obra de valor incomensurável para o campo audiovisual, ainda que não tenha “o mesmo apelo para o público infantil – um cuidado que foi tomado na produção de Fantasia 2000, que apresenta praticamente a metade da duração de seu antecessor”.

Walt Disney acreditou na idéia de que a música manifestada em imagens poderia estabelecer uma relação mecânica entre os meios, em uma adaptação e não numa dissolução entre a iconicidade e a sonoridade, como acreditavam os iconoclastas, como Fischinger havia lançado, o que viria a ser uma característica estrutural pontuada posteriormente pela vídeo-arte; e, em conseqüência, pelos videoclipes (ZEBRAL, 1997).

Entretanto, na versão final de Fantasia, poucas passagens originais, criadas por Fischinger, aparecem na abertura (seqüência Tocatta in Fugue), mas sua contribuição para implementar tendências de vanguarda é admirável. Por idealizar formas abstratas que seguem um ritmo musical, criou um tipo de protovideoclipe que, assim como os vídeos promocionais, veio “esculpindo o caminho, pedra por pedra, até chegar ao altar do videoclipe: MTV” (AUSTERILITZ, 2007, p. 18).

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