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SOUNDIES, SNADERS E SCOOPITONES

2 O ESTUDO DA VIDEOMÚSICA

3.2 SOUNDIES, SNADERS E SCOOPITONES

A idéia de unir som e imagem, capturando a experiência musical como um todo, impulsionou uma variedade de experimentos que, eventualmente, podem ser observados como a origem dos videoclipes. Ainda que nenhum desses tenha alcançado uma massa crítica como o videoclipe, propulsionado por sua encarnação na Music Television (MTV), a curta vida dos aparatos responsáveis pela re-união de música e imagem como Soundies e Scopitones, merece atenção.

Com as inovações tecnológicas, permitindo a projeção de imagens em movimento em uma tela pequena, o palco estava pronto para uma nova classe da já famosa jukebox, podendo combinar música e pequenos filmes. Conforme comenta Carlos Eduardo De Almeida Sá (2006, p.71), em seu artigo Primeiras Poéticas do Videoclipe e Alguns Desdobramentos do Gênero:

A revista americana Look, em sua edição de 19 de novembro de 1940 cha- mava a atenção para o mais novo e arrojado empreendimento de Jimmy Roosevelt (filho do então presidente norte-americano Franklyn Delano Roosevelt): „A Panoram é uma jukebox, para filmes. Você coloca uma moeda e assiste a um filme de curta metragem, com três minutos de duração e som, chamado soundie‟.

Os soundies, oriundos da II Guerra, estavam presentes em bares, restaurantes e casas noturnas nos EUA, na década de 40. Entre 41 e 42, seu auge, foram produzidos muitos clipes – filmes mais curtos, com números musicais, imagens de performance dos intérpretes – a maioria de jazz e blues, com artistas de romances e comediantes famosos da época. Os aparelhos em que eram exibidos, denominados de Panorom Sound, eram semelhantes às jukeboxes, com uma pequena tela posicionada no lugar da janela onde aparecia o carrossel de discos. Abaixo, uma ilustração de um aparelho que projetava os soundies:

Aparelho que projetava os Soundies

Segundo Machado (2003, p. 165), o sistema era basicamente simples: um projetor de filmes de 16 mm era ocultado dentro de um móvel parecido com um aparelho de televisão antigo, onde havia uma pequena tela de 18 por 22 polegadas na parte de cima e um alto- falante na parte de baixo. O filme era projetado por detrás da tela cada vez que alguém colocava uma moeda na ranhura do móvel. Cada carretel de filme armazenava cerca de oito soundies, que ficavam enfileirados num sistema de loop sem fim. Quando determinada peça musical era escolhida, o sistema localizava no filme o ponto exato onde estava aquela peça e só exibia essa parte.

Os filmes dos soundies eram semelhantes aos números musicais dos filmes deste gênero, geralmente em um palco com um cenário simples e temático ao fundo, onde os cantores, atores ou bailarinos, coreografavam ou interpretavam as canções. Liberty on Parade (1943), por exemplo, foi um número patriótico, feito durante a guerra e trazia uma grande coreografia com diversas bailarinas, chamadas de glamorettes, vestidas com fantasias customizadas de soldados. Já Moitle for Toidy Toid and Toid (1946), de Gretchen Hauser e John Fellows, mostra a dupla dublando e encenando a canção. Em See the Birdies

(1944), Jack Lane está atrás de uma mesa, com suas duas ajudantes de palco, mostrando as incríveis habilidades de seus pássaros com uma trilha instrumental ao fundo9.

Aparecendo quase sempre nas casas noturnas e cobrando 10 centavos de dólar, os soundies eram objeto de diversão relativamente barato para as classes mais populares, capaz de imitar culturalmente seu superior, o cinema, oferecendo entretenimento instantâneo a um pequeno custo para grande parte da população americana que freqüentava a vida noturna. Como produtos comerciais, os soundies promoviam não só os artistas, mas os próprios aparelhos, sujeitos a aprovação ou desaprovação de seus consumidores a mantinham com suas moedas. Outro aspecto que veríamos posteriormente, em sua “neta” MTV, era que os filmes dos soundies eram dirigidos por grandes cineastas da época e tinham o objetivo de encantar, fascinar, seduzir a audiências. Com seqüências cômicas, talentosos bailarinos ou um coro de garotas de pernas longas, as produções tentavam de qualquer forma capturar a atenção de seus espectadores.

Mas, exatamente como é familiar a qualquer videoclipe contemporâneo, a maneira mais explorada para conquistar a audiência era o sex appeal. Belas garotas, tímidas, com olhares melosos ou de minissaias exibindo as pernas, em grupo, sozinhas ou como backvocals, eram flagradas a todo o momento. A promessa do amor e da atenção de uma linda mulher que continua “funcionando” até hoje. Havia também, é claro, os galãs, para agradar a audiência feminina e as esquetes mais engraçadas que enfatizaram a participação da soundie no vasto aparato de entretenimento, cada vez mais crescente, que um pais desesperado para esquecer o sofrimento da guerra, criara (AUSTERILITZ, 2007, p.13)

Entretanto, conforme Machado (2003), a vida dos soundies não foi muito prospera. Por um lado, como os filmes eram armazenados e rodados em celulóide, um meio não muito indicado para muitas repetições, o soundie enfrentou sérios problemas de durabilidade. Por outro lado, representavam uma concorrência para a indústria cinematográfica das grandes produções, pois à medida que o público pagava uma pequena quantia para assisti-los ao

invés de despender mais nas bilheterias, suspeitou-se que os soundies, ainda antes da televisão, tirariam os espectadores das salas de cinema. No entanto, a indústria do cinema, nessa época, já poderosa, não ficou paralisada diante da concorrência inesperada. Em pouco tempo de negociações políticas, impôs, via assembléias legislativas, pesadas taxações, tornando o negócio inviável em vários estados. Com o novo advento da televisão (TV), Austerilitz (2007) confirma o fim dos soundies na cena americana, mas não sem deixar suas pistas para o desenvolvimento dos videoclipes.

Entre 1950 e 54, outra forma de “assistir a música” passa ganhar espaço (já em 1949 através do programa Paul Whiteman´s Teen Club, da Rede ABC norte-americana) As emissoras de TV estavam em plena expansão, mas ainda não conseguiam preencher totalmente sua programação. Entraram em cena os Snaders Telescriptions. Nomeados em função de seu principal diretor, George Snader, os Snaders eram performances musicais, filmadas em 35 mm, vendidas em blocos para completar as lacunas nas grades de programação da TV.

Tela de abertura dos Snaders

Mesmo com o slogan You call it madness!, em sua grande maioria, os Snaders não foram muito criativos visualmente. Constituídos de performances filmadas e cantadas ao vivo, com algumas trocas de ângulos e fusões entre os planos, muitas vezes, eram filmados vários Snaders em um único set, somente se distinguindo pelo cantor ou figurino. Mas a

grande contribuição desse formato foi no sentido de permitir que uma grande variedade de artistas se tornasse conhecida do público, impondo-se ao preconceito racial na tela da TV. Começam a aparecer cantores afro-americanos e latinos, como Nat King Cole e Hub Jefreis10.

Na Europa da década de 60, principalmente na França, a programação televisiva deixava muito a desejar para o público jovem. O rock‟n‟roll não podia mais ser ignorado e o comportamento da “juventude transviada” dos filmes americanos tomava conta do velho continente. Nesse contexto surgem os scopitones, mecanismos semelhantes aos dos soundies, porém tecnicamente mais evoluídos: a tela alcançava 21 polegadas, enquanto seu antecessor chegava a 12.

Aparelho projetor de Scopietone

Eram menores e mais leves e os filmes eram coloridos (16 mm). Mais do que um registro das atuações dos cantores ou bandas, esses clipes musicais foram ambiciosos no que se refere a experimentos na linguagem, como a inserção de outras imagens que não propriamente as dos intérpretes, ou ainda, cenas desvinculadas de um espaço-temporal

concreto, mantendo um desenvolvimento autônomo em relação à canção, ainda que fosse conectado a ela.

Exemplos dessas características são encontrados em clipes como o de Hugues Aufray Lês Crayons de Coleur, onde o cantor está em um local ao ar livre, que parece ser um deposito de tonéis, as tomadas são constituídas de planos conjuntos de tonéis coloridos com o cantor. Em algumas cenas, aparece uma criança desenhando, outras a performance do cantor com violão, sempre em composição com diferentes cores e arranjos de tonéis. Nota- se que os tonéis coloridos e os desenhos da criança guardam alguma relação com o título- tema da canção, mas a maneira que o roteiro se desenrola não possui conexão direta com a música. Em Hard Times, do grupo Zoo, a novidade fica por conta das inversões bastante curtas de imagens de mulheres dançando, bem como dos planos e ângulos diferentes que constituem estas tomadas. Closes com a câmera inclinada, de partes do corpo das dançarinas são inseridas rapidamente entre as imagens de performance da banda. Mesmo sendo uma produção bastante simples, feita em um estúdio todo preto, o que o coloca no caminho dos videoclipes é a ênfase na montagem (ainda singela se levarmos em conta os clipes a que estamos acostumados) e a despreocupação com a relação espaço-temporal e a ilustração literal da música11.

Com esses exemplos, observamos que, bem menos teatrais do que seus predecessores, os scopitones dão mais um passo na construção do que hoje é o videoclipe por utilizar a mescla de tomadas, fundir imagens, criar uma ruptura espaço-temporal e se despreocupar com uma narrativa lógica, se comparados as formas audiovisuais já conhecidas anteriormente (ZEBRAL, 1997). O sucesso dos scopitones promoveu algumas imitações por outros países, como Itália e Inglaterra e no oeste da Alemanha, com o Cinebox

e o Color-sonic americano, mas nenhum perdurou por muito tempo, nem mesmo o scopitone, que acabou desaparecendo em 1967.

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