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FANZINES ANARQUISTAS EM BELÉM DO PARÁ: A POÉTICA E A POLÍTICA NA ARTE GRÁFICA DE MARCOS MORAES

É MANHÃ NA AMAZÔNIA

4. FANZINES ANARQUISTAS EM BELÉM DO PARÁ: A POÉTICA E A POLÍTICA NA ARTE GRÁFICA DE MARCOS MORAES

Conforme apresentado no primeiro capítulo, o cenário paraense se fortaleceu pouco depois da explosão do rock nacional, mais especificamente em 1985, porém, este fato não impediu alguns pioneirismos por parte da região, assim como, não impediu a consolidação de uma cena roqueira bastante plural, autônoma e politicamente engajada.

Neste ambiente artístico, que produziu relações culturais significativas e identidades fragmentadas, surgiu Marcos de Moraes, até então apenas um jovem apreciador das músicas e das ideias produzidas no cenário do rock. Em uma de nossas conversas, durante a realização da presente pesquisa, o artista, destacando o impacto que o rock teve em sua vida, relatou que viu o show da banda paraense Baby Loyds quando ainda era menor de idade, e, de certa forma, se sentiu ligado ao posicionamento político defendido pela banda em suas músicas.

Como explicação pontual, vale destacar que o grupo Baby Loyds corresponde a uma banda que ainda hoje (2019) está em atuação, apesar de já ter sofrido várias alterações em sua formação clássica. Uma das curiosidades presentes em sua história corresponde ao fato de seus principais integrantes terem iniciado este projeto musical entre os 14 e 15 anos de idade, durante o ano de 1988. Eram adolescentes tocando um rock pesado, com letras críticas e forte consciência social, entre roqueiros mais velhos e integrantes de bandas mais desenvolvidas tecnicamente (MACHADO, 2004). O projeto musical versava tanto por um instrumental pesado e relativamente simples, quanto por letras panfletárias com forte conteúdo ideológico e ligadas principalmente a perspectiva do movimento operário45.

Contudo, esse posicionamento artístico e político muito presente na postura e na música de vários grupos que atuavam no cenário do rock na época, não obstante, acabou constituindo a visando de mundo do artista Marcos Moraes. Tal visão, de forma direta, encontrou vazão em sua produção artística musical, visual e literária.

Para que se possa entender a forte relação entre Marcos Moraes e o cenário do rock, pode se destacar as seguintes informações sobre esta que é uma das bandas mais importantes da cena roqueira de Belém:

As influências da Baby Loyds vão do punk rock inglês da década de ‘70 – tanto da rebeldia debochada dos Sex Pistols quanto da rebeldia politizada de The Clash – ao

punk rock e HC (hardcore) nacionais da década de ‘80 – Cólera, Ratos de Porão,

45 CORTEZ, Felipe. Ideias não morrem, ainda mais as do Gerson Costa. In: Portal Cultural. Acessado no dia 26/06/2019, às 23h43 no seguinte endereço eletrônico: http://portalcultura.com.br/node/46397

Fogo Cruzado [...] etc. De gravações, a banda tem as demos “Nação Ferida” (1999), “Embriagados na Caverna” (2001) e “Baby Loyds” (2004), tendo ainda participado das coletâneas “Expresso HC 3” (2001), “HC Scene 5” e “Minuto de Intolerância” (2002), “Setembro HC 3” (2004) e “Toma!” (2005)46

.

Esta e outras bandas, que compunham o cenário plural que se instaurou na capital do Pará, criaram toda uma movimentação artística com ideias e visualidades que se manifestavam através de letras de música, modos de se vestir, formas de se relacionar uns com os outros e na forma de produção e disseminação de informações a partir de mídias alternativas como vem a ser o caso dos fanzines. Para descrever pontualmente estes produtos culturais, vale ressaltar que os fanzines são trabalhos impressos que articulam letras e imagens, e que são desenvolvidos alternativamente. Dentre suas principais características, geralmente eles são feitos de forma amadora, porém, sempre destinados para serem contrapontos frente à mídia tradicional.

Basicamente, fanzine corresponde a uma palavra que tem sua origem ligada a língua inglesa através da junção das palavras

fanatic e magazine, significando, numa

tradução literal, uma revista feita por fãs de uma banda, livro, ou estilo de vida, destinada para um público específico (BIVAR, 2007; SILVA, 2016). Estas revistas ainda hoje são produzidas e compartilhadas, mesmo com o

advento das novas tecnologias da

comunicação, e, em grande parte, seu processo criativo ainda se envereda pelo recurso do recorte e da colagem na tentativa de manter vivo os seus recursos visuais e sua característica amadora.

Devido ao fato de configurarem-se como uma mídia alternativa, a produção e circulação dos fanzines encontrou um ambiente fértil no cenário do rock paraense, fazendo, deste modo, uma ponte importante entre diversos

46 A rebeldia do punk rock na metrópole da Amazônia. In: Inverta. Acessado no dia 26/06/2019, às 23h54 no seguinte endereço eletrônico: https://inverta.org/jornal/edicao-impressa/443/entrevista

Figura 19 – Marcos Moraes. Fonte: arquivo pessoal do artista

cenários do rock em todo o Brasil, além de produzir, também, um forte registro sobre o ambiente cultural, artístico e político desta parte da história paraense (SILVA, 2016).

No cenário do rock local, os fanzines foram de suma importante, pois, apesar de aos poucos alguns veículos de comunicação começarem a abordar o que estava sendo produzido musicalmente em Belém, na grande maioria das vezes a divulgação das bandas, suas músicas e seus posicionamentos políticos só encontravam espaço nestas produções feitas com poucos recursos. Esses fanzines divulgavam desde a história das bandas de heavy metal (SILVA; COSTA, 2012), até às bandas punk rock e seus ideais anarquistas (SILVA, 2016).

Marcos Moraes, inserido no cenário do rock, fã e integrante de bandas de rock, inscreveu aos poucos a sua contribuição na vida cultural de Belém principalmente a partir da produção de fanzines anarquistas que destilavam toda a sua visão crítica contra a política brasileira, suas características, falhas e seus principais agentes.

Em um de seus fanzines publicado em 2017 e intitulado “Boca do Inferno, Boca de Jambú”, encontra-se a seguinte descrição sobre a trajetória do artista:

Marcos Silva de Moraes, paraense, nasceu em 1974. Já nasceu ofendendo o mundo. Nos anos 90 do século passado foi Punk, escrevia jornais nanicos, fanzines, e se metia em confusões com autoridades. Sempre convicto de sua filosofia ANARQUISTA, sempre como um excelente orador e um TREMENDO POLEMIZADOR sempre criticou DURAMENTE (político, partidos, religiosos, autoridade etc...). Como autodidata é músico, poeta, artista plástico, ganhou alguns prêmios, mas vive a dureza dos artistas e intelectuais que vivem e morrem na periferia, a lisura do anonimato num Brasil descrente e sem futuro (MORAES, 2017, p. 24).

A afirmação de sua identidade política é constantemente retomada, mesmo que, em

fanzines de períodos diferentes, esta identidade tenha sofrido alterações numa oscilação entre

o anarquismo, o niilismo, o anarco-punk, o anarco-sindicalismo e o anarco-cristianismo. Tal fato demarca o perfil de um artista comprometido com seus ideais, pois, apesar de estar disposto a rever seus posicionamentos, já que interpreta e reinterpreta o mundo, não se aparta da anarquia de um pensamento livre.

Sua identificação política, contudo, é tão dinâmica quanto sua produção artística. Enquanto um artista bastante criativo, suas produções enveredam-se pelo campo da música, das artes visuais (com pinturas e desenhos), e, principalmente, pelo campo das artes gráficas atuando como fanzineiro.

Num dos exemplos importantes de sua produção gráfica, destaca-se o zine “Boca do Inferno, Boca de Jambú”. Neste zine, que é de 2015, observa-se que sua produção está voltada para o trabalho com recorte e colagem, desenho e escrita, visto que é composto por uma coletânea de poemas. A única imagem presente corresponde a um desenho constituído

por traços simples, riscado

possivelmente a caneta, e cujo papel fora destinado ao de ilustrar a capa e a contra capa da obra. No decorrer do zine, embora este esteja organizado de forma mais tradicional, não se

encontram muitas informações visuais ocupando o mesmo espaço ao mesmo tempo, como pode ser observado em outros de seus fanzines.

Neste trabalho, apresenta-se uma assimetria na organização dos versos em todos os poemas. Outro elemento importante vem a ser a utilização de uma máquina de datilografia para trazer à tona uma confecção mais artesanal, além de evitar o processo de editoração eletrônica. Como todos os poemas foram digitados e posteriormente recortados e colados na matriz da qual hoje são feitas as cópias do fanzine, as marcas dos cortes e a assimetria dos versos compõem a sua visualidade. Geralmente este processo criativo dos recortes e colagens é uma das marcas dos fanzineiros e, principalmente, no caso de Marcos Moraes, estes recursos assumem uma visualidade que transita entra a comunicação e a incomunicação, fato que acusa tanto um caos reflexivo, quanto um caos no seu processo criativo.

O “Boca do Inferno, Boca de Jambú” talvez seja um de seus fanzines mais organizados de forma convencional, com início, meio e fim. No entanto, vale ressaltar que, nas obras deste artista, o pensamento anarquista muitas vezes migra da perspectiva política e adentra no campo artístico a partir de toda uma forma livre de desenvolver uma composição visual em que muitas vezes não se sabe nem por onde começa ou termina as informações dispostas dentro da obra.

Figura 20 – Folha de rosto do fanzine Boca do Inferno. Fonte: arquivo pessoal do artista

Com relação ao anarquismo enquanto pensamento político e filosofia de vida, “Boca do Inferno, Boca de Jambú” destina parte deste posicionamento em todos os poemas. Uns de forma direta, outros a partir da negação do artista contra qualquer forma de autoridade, incluindo, em seus discursos, a crítica ao sistema político implementado na democracia burguesa.

A repressão da república democrática espanhola 90 anos depois...

Os anarquistas conquistaram na bala em 1939 O direito de serem donos do seu próprio destino Mas o que o governo, a república e a democracia fez?

Mandou comunistas, fascistas e nazistas reprimirem libertários Depois de 90 anos os catalães querem novamente liberdade Só que pela forma democrática e pelas urnas

No entanto o governo espanhol nega a emancipação daquela cidade Que dá 20% do lucro das riquezas do governo

O governo espanhol reprime baixando a porrada Confisca urnas, títulos e diz que tudo é ilegal Eis o reflexo da democracia e da república O voto pela liberdade não dá em nada É preciso voltar à pensar em revolução social É preciso voltar ao vetor da anarquia para acabar Com o governo e a repressão

(MORAES, 2017, p. 17).

Para os mais afeitos ao atual sistema político, ou para os militantes que direcionam suas forças em prol do capitalismo ou do socialismo, tais ideias levantadas por Marcos Moraes em seus textos são absurdos que pairam num delírio distante da realidade. Porém, na utopia de seus sonhos, a sua arte ganha forma em prol de uma liberdade que não se rende ao convencional e nem aos grupos vencedores dotados de poder bélico, financeiro e/ou político.

Em alguns poemas, as críticas vão desde a atuação política de Bolsonaro, até aos escândalos de corrupção que vieram à tona no governo do PT. Este autor, em seus fanzines, vai da avaliação mordaz frente à situação política do Brasil e suas histórias, até perpassar por análises sobre o cenário político internacional. E é nesta relação, que em seus textos Marcos Moraes produz analogias, construções imagéticas e narrativas poético-criticas sobre tudo.