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3 PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

3.2 As etapas da individualização da pena

3.2.1 Fase legislativa

Neste primeiro momento, cabe ao legislador definir quais são as condutas que merecem repressão e intervenção estatal. Aqui se definem os bens jurídicos que serão protegidos pelo Direito Penal, resguardando uma maior proteção aos bens jurídicos mais importantes, ou seja, aplicando penas mínima e máxima proporcionais à gravidade dos delitos.

É por esse motivo que temos, por exemplo, o crime de homicídio36 com penas mínima e máxima maiores que as do crime de dano37. Nesse caso, foi decidido que a vida humana mereceria maior proteção que o patrimônio.

Para certos delitos, o legislador, inclusive, definiu diretrizes para posteriores momentos de individualização da pena, como o tipo de ação penal, o cabimento de multa, o

35 BRASIL. Exposição de motivos 211, de 09 de maio de 1983. Disponível

em:<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-2848-7-dezembro-1940-412868- exposicaodemotivos-148972-pe.html>. Acesso em: 25 mar. 2019.

36 “Art. 121, CP: Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos.”

regime inicial de cumprimento da pena, a possibilidade de conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, e outros.

Sobre essas diretrizes, vale ressaltar dois casos que foram analisados pelo Supremo Tribunal Federal. O primeiro diz respeito à Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90), que previa, em seu art. 2º, §1º, a aplicação do regime inicial obrigatoriamente fechado, não importando o quantum da pena. Essa disposição foi considerada inconstitucional pelo STF, por ofensa ao princípio da individualização da pena, conforme o julgamento do HC 111.840/ES, senão vejamos:

É inconstitucional o § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 (“Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: ... § 1o A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado”). Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, deferiu habeas corpus com a finalidade de alterar para semiaberto o regime inicial de pena do paciente, o qual fora condenado por tráfico de drogas com reprimenda inferior a 8 anos de reclusão e regime inicialmente fechado, por força da Lei 11.464/2007, que instituíra a obrigatoriedade de imposição desse regime a crimes hediondos e assemelhados — v. Informativo 670. Destacou-se que a fixação do regime inicial fechado se dera exclusivamente com fundamento na lei em vigor. Observou-se que não se teriam constatado requisitos subjetivos desfavoráveis ao paciente, considerado tecnicamente primário. Ressaltou-se que, assim como no caso da vedação legal à substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em condenação pelo delito de tráfico — já declarada inconstitucional pelo STF —, a definição de regime deveria sempre ser analisada independentemente da natureza da infração. Ademais, seria imperioso aferir os critérios, de forma concreta, por se tratar de direito subjetivo garantido constitucionalmente ao indivíduo. Consignou-se que a Constituição contemplaria as restrições a serem impostas aos incursos em dispositivos da Lei 8.072/90, e dentre elas não se encontraria a obrigatoriedade de imposição de regime extremo para início de cumprimento de pena. Salientou-se que o art. 5º, XLIII, da CF, afastaria somente a fiança, a graça e a anistia, para, no inciso XLVI, assegurar, de forma abrangente, a individualização da pena. (STF, HC 111.840/ES, Relator: Ministro Dias Toffoli, 27/06/2012).

Outro caso emblemático foi o julgamento do HC 97.256, no qual o STF concluiu pela inconstitucionalidade do trecho de dois dispositivos da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) que vedavam a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos38. Cabe aqui transcrever o teor da ementa desse processo, trazendo uma engrandecedora lição sobre o princípio em tela:

38 “Art. 33, Lei de Drogas. § 4º: Nos delitos definidos no caput e no §1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.” “Art. 44, Lei de Drogas. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e §1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.”

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 44 DA LEI 11.343/2006:

IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE

LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinquente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material. 2. No momento sentencial da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória. [...] 5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente. (HC 97256, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/2010, DJe-247 DIVULG 15-12-2010, PUBLIC 16-12-2010, EMENT VOL- 02452-01 PP-00113 RT v. 100, n. 909, 2011, p. 279-333)

Assim, conclui-se que a atuação do legislador na elaboração da lei penal deve permitir que o aplicador da lei, no caso, o juiz, possa exercer sua discricionariedade no momento da dosimetria da pena, sem engessá-lo aos moldes da norma. Dosimetria essa que será melhor abordada no estudo da seguinte fase de individualização da pena.

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