A DF tem características comuns com a PE, como disfunção endotelial90,91,
inflamação92 e estresse oxidativo91. Para a discussão, estudos de placentas de
pacientes com PE foram usados como modelo para melhor compreensão do que
ocorre com a diferença de expressão de RNAm de alguns genes que até o
momento não foram estudados em DF (FASLG no grupo 1, TLR9 e BCL6 no
grupo 2).
6.4.1. FASLG
A apoptose, ou morte celular programada, é um processo ativo pelo qual as
células disfuncionais são eliminadas para manter a homeostase dos tecidos93.
Para que ocorra a morte celular induzida por ativação é preciso que haja interação
do receptor de morte FAS com seu ligante, FASLG94.
A indução de apoptose em células endoteliais pelo trofoblasto é essencial
para o remodelamento da artéria espiral para garantir um adequado suprimento
sanguíneo e desenvolvimento fetal95. Estudos confirmam que o sistema
FAS/FASLG está envolvido no mecanismo segundo o qual trofoblastos induzem apoptose em células endotelias, pois quando há bloqueio de FASLG por anticorpo,
a apoptose é inibida96. Assim como na PE97, o grupo de gestantes com AF
42 motivo dessas pacientes serem mais propensas a desenvolver esta patologia
quando comparadas ao grupo controle.
Macrófagos também liberam FASLG para induzir apoptose em neutrófilos98.
Se expressão de FASLG for deficiente em macrófagos, pode estar ocorrendo
acumulação de neutrófilos na circulação da placenta, que além de exacerbar a
inflamação, também altera o fluxo sanguíneo, deixando-o mais lento e assim
possibilitando a VOC.
6.4.2. BCL6
A proteína BCL6 age como repressora específica de transcrição, necessária
para a formação de centros germinativos99. Possui várias funções celulares,
incluindo diferenciação, apoptose, resposta a danos no DNA e regulação do ciclo
celular, além de estar associado com linfoma das células B quando regulados
positivamente99,100.
Estudo feito por Louwen e colaboradores mostrou pela primeira vez que os
níveis de RNAm de BCL6 é significativamente elevado em placentas de pacientes
com PE e a proteína é predominantemente localizada no núcleo de
citotrofoblastos vilosos, sugerindo o envolvimento deste gene na função dos
trofoblastos101. Todavia, estudos de BCL6 em placentas são restritos, não sendo
conhecido nem em qual via este gene atua durante a gestação. Assim, mais
pesquisas são necessárias para o entendimento dessa diferença de expressão em
placentas de mulheres com PE e/ou DF. Tanto BCL6 como TLR9 apresentaram
expressão aumentada no grupo 2. Se o BCL6 induzir aumento de apoptose celular
43 6.4.3. TLR9
TLR9 é um membro da família de receptores do tipo Toll, que desempenha um papel fundamental no reconhecimento de agentes patogênicos e na ativação
da imunidade inata. A exposição do ligante de TLR9 em trofoblastos tem ação
durante a placentação devido a uma maior produção de VEGF e CXCL10102. No
entanto, a superexpressão de TLR9 na placenta está associada a resultados
adversos da gravidez e complicações, tais como PE e RCIU103,104. Além disso, a
apoptose celular exagerada e a necrose dos trofoblastos também têm sido
associados com o aumento dos níveis de RNAm deste gene105.
A capacidade de TLR9 para discriminar entre DNA próprio e não próprio é
devido à maior frequência e presença de dinucleotídeos CpG desmetilados em
bactérias e vírus, quando comparados com o DNA de mamíferos105. As
mitocôndrias, no entanto, evoluíram a partir de bactérias saprófitas tornando-as
organelas intracelulares106 e, por conseguinte, o DNA mitocondrial (DNAmt) é
estruturalmente semelhante ao DNA bacteriano107.
A necrose dos trofoblastos libera DNAmt na circulação materna e, como
consequência, todo DNAmt liberado será reconhecido como patogênico,
conduzindo para a ativação do sistema imunológico via TLR9108. Em nosso
estudo, o aumento dos níveis de RNAm de TLR9 em gestantes com doença da Hb
SC sugere a ocorrência de morte celular exagerada na placenta, o que pode
acontecer devido à superexpressão de BCL6 ou a uma condição de estresse
celular, como a hipóxia, resultando em uma resposta inflamatória sistêmica e
44 Tanto o grupo 1 como o grupo 2 apresentou expressão diferenciada em
alguns genes quando comparados ao grupo controle. Por isso, gestantes com
doença da Hb SC também devem ser consideradas como gestações de alto risco,
sendo importante o acompanhamento em um pré-natal especializado em
hemoglobinopatias, ter controles clínicos e laboratoriais realizados por uma equipe
multidisciplinar e avaliação frequente de vitalidade fetal.
Este é o primeiro estudo que avaliou a expressão gênica da resposta
inflamatória em placentas de mulheres portadoras de DF. Um estudo realizado em
200459 afirma que não há inflamação nestas placentas por não terem sido
observados neutrófilos na análise de imuno-histoquímica, sugerindo que houve
adaptações fisiológicas em situações de hipóxia. No entanto, nossos resultados
demonstraram que há desregulação de expressão em alguns genes, tais como
FASLG (grupo 1) e BCL6 (grupo 2). A diminuição e o aumento da expressão destes genes, respectivamente, indicam que pode estar ocorrendo falha na
invasão dos trofoblastos, prejudicando o fornecimento de oxigênio e nutrientes
para o feto.
Nossos resultados fornecem novas perspectivas para mais pesquisas
serem realizadas nesta área a fim de compreender como a DF afeta a fisiologia da
45 7. CONCLUSÕES
Dos cinco genes escolhidos a partir dos resultados do PCR Array, dois foram
validados: FALSG teve expressão diminuída no grupo 1 e BCL6 mostrou-se
com aumento de expressão no grupo 2, quando comparados com o grupo
controle.
A desregulação da expressão de alguns genes da via inflamatória pode estar
contribuindo para as complicações materna e fetal que são mais frequentes
em mulheres portadoras de DF quando comparadas a gestantes controles.
O perfil de expressão gênica entre os grupos de DF é diferente, porém, não
sabemos explicar a causa e nem em qual genótipo seria mais grave a
gestação.
Os dados desse estudo sugerem a ocorrência de hipóxia e invasão ineficiente
46