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Fatoração Única em Dominios Euclideanos

No documento Teoria Aritmética de Números (páginas 63-68)

Lembramos que em um anel, asunidades são os elementos com inversos. Em Z, estes são ±1; em R[x], são os polinômios constantes (os de grau zero), porque para outros polinômios, 1/p não é polinômio; nos inteiros Gaussianos (Z[i]), as unidades são±1e±i.

Definição 5.12 (elemento irredutível). Um elementoxé irredutível se é divisível somente por unidades ou por seus próprios múltiplos por unidade

(ux, ondeué unidade). 

Assim, um polinômio não constante pé irredutível se os únicos outros polinômios que dividempsão constantes ou múltiplos dep. Por exemplo, o polinômiox2+ xnão é irredutível, porque

x2+ x = x(x + 1)

e portantox| x2+ x, e(x + 1)| x2+ x.

Já x2− 9 é irredutível em R[x], no anel de polinômios com coeficientes

inteiros, porque seus divisores são somente os polinômios constantes e os múltiplos deste mesmo polinômio.

A redutibilidade de um polinômio depende do anel onde trabalhamos. Podemos deixar de lado o anel dos polinômios com coeficientes reais e pas- sar para o anel dos polinômios com coeficientes inteiros1. Um polinômio que

é fatorável emR[x]pode ser irredutível emZ[x]. Por exemplo, o polinômio

x2+ x − 1tem duas raízes reais, logo é fatorável na forma(x − r

1)(x − r2): x2+ x − 1 = x − √ 5 − 1 2 ! x + √ 5 − 1 2 ! .

Mas este mesmo polinômio é irredutível no anelZ[x], porque não é produto de outros polinômioscom coeficientes inteiros.

Os inteiros Gaussianos irredutíveis são, da mesma forma, os divisíveis por unidades e por seus associados (múltiplos de si mesmo por unidade). Por exemplo,1 + ié irredutível, porque seus divisores são somente unidades

e(±1)(1 + i),(±i)(1 + i). Já3 − inão é irredutível, porque

(1 − i)(2 + i) = 3 − i.

Damos agora a demonstração paraR[x].

Lema 5.13. Todo polinômio diferente de zero pode ser escrito como pro- duto de polinômios irredutíveis.

Demonstração. Por indução no grau dos polinômios. A base se dá comn = 1: todo polinômio de grau um é claramente irredutível. Agora presuma que todo polinômio de grau menor quené fatorável em irredutíveis. Considere um polinômio qualquerpde graun. Sepé irredutível, não há mais o que mostrar. Se p não é irredutível, então p = qr, onde os graus de q e r

são menores que n. Mas então há uma fatoração para q e uma parar, e conseguimos portanto uma fatoração parap = qr.

Para inteiros Gaussianos, pode-se repetir a demonstração por indução na norma. No entanto, podemos fazer melhor: uma demonstração que valha para qualquer domínio Euclideano.

Lema 5.14. Em um domínio Euclideano, λ(u) = 1 se e somente se u é unidade.

O Teorema Fundamental da Aritmética vale em qualquerdomínio de fa- toração única, que não definiremos. Nos basta apenas que todo domínio Euclideano é um domínio de fatoração única, e portanto vale o Teorema, que enunciamos novamente, ligeiramente modificado.

Teorema 5.15 (Fundamental da Aritmética em Domínios Euclideanos). Em um Domínio EuclideanoR, todo elemento irredutível pode ser decomposto em um produto de irredutíveis e por uma unidade, e este produto é único. Demonstração. Por indução emλ(x).

Caso base: para unidades não há o que demonstrar. Para λ(x) = 2, suponha quexseja da forma

x = u1u2. . . uk(t),

onde ui são unidades – e portanto λ(u) = 1. Como λ(x) = 2, e t não é

unidade, vemos quetnão pode ser mais fatorado (não há dois inteiros cujo produto seja dois), entãoté irredutível, e é sua própria fatoração.

A hipótese é que todo elemento com norma menor quenseja fatorável em irredutíveis.

Passo: sejaxcom norman. Sexé irredutível, ele é sua própria fatora- ção. Senão,x = ab, e as normas deaebsão necessariamente menores que a dex. Mas neste caso,aebtem fatorações em irredutíveis, e a fatoração dexé a multiplicação das deaeb.

Em qualquer domínio Euclideano há, portanto, fatoração única. A função

λusada na demonstração é, para polinômios, o grau subtraído de um2; para

inteiros Gaussianos, a norma.

A noção de conteúdo de polinômio e o Lema de Gauss, a seguir, tam- bém valem para domínios de fatoração única; da mesma forma que fizemos com o Teorema Fundamental da Aritmética, refaremos os enunciados para Domínios Euclideanos.

Definição 5.16 (conteúdo de polinômio; polinômio primitivo). O conteúdo

de um polinômiopcom coeficientes em um domínio Euclideano é o MDC de seus coeficientes, denotado c(p). Se c(p) = 1, o polinômio é primitivo. 

Exemplo 5.17. Sejap(x) = 6x4+ 2x3+ 4x, com coeficientes emZ(que é

domínio Euclideano). O conteúdo do polinômio é mdc(6,2,4) = 2.

Os inteiros Gaussianos são, também, um domínio Euclideano. Os coe- ficientes do polinômio (2 + i)x2− 3x são inteiros Gaussianos, e o polinô-

mio é primitivo, porque seu conteúdo é mdc(2+i,3) = 1. Já o polinômio

(5i−1)x3+(4+2i)xtem conteúdo mdc(5i,4+2i) ={2+i, −2−i, −1+2i, 1−2i}

– não é, portanto, primitivo. J

Lema 5.18 (de Gauss). Sejamf, gsão polinômios com coeficientes em um domínio Euclideano, nenhum deles nulo. Então c(fg) = c(g)c(f). Assim, se

fegsão primitivos, entãofgtambém é.

Demonstração. O Teorema afirma que a função c é multiplicativa, e depois determina que a multiplicação de primitivos; na demonstração faremos o caminho oposto, começando pela segunda parte do enunciado.

Sejamf(x) = a0+ a1x +· · · + amxmeg(x) = b0+ b1x + . . . + bnxn dois

polinômios primitivos. Sejak = c(fg). Suponha que exista um primopque dividak. Comofegsão primitivos, existe algum coeficienteaidefe algum

bjdegquepnão divide. Mas então existe um coeficienteaibjno polinômio

fg, que p não pode dividir, e portanto não existe tal primo p. Assim, fg

também é primitivo.

Abordamos agora a primeira parte do enunciado. Sejam dois polinômios, não necessariamente primitivos, ee h. SejamE eHpolinômios primitivos tais que

e =c(e)E h =c(h)H.

Então

c(eh) =c(c(e)c(h)EH) =c(e)c(h)c(EH) =c(e)c(h),

porqueEeHsão primitivos, portantoEHé primitivo e c(EH) = 1.

Exercícios

Ex. 54 — Se quisermos verificar se um númeroné primo por divisões su- cessivas (tentamos dividí-lo por2, 3, 5, 7, . . .), qual é o maior divisor que pre- cisaremos tentar?

Ex. 55 — Prove que a soma de dois primos consecutivos nunca é o dobro

de um primo.

Ex. 56 — A soma dos dígitos de um quadrado pode ser2451?

Ex. 57 — Prove quepé primo se e somente se no Triângulo de Pascal, a

p-ésima linha é composta de números divisíveis porp, exceto pelos dois uns nas extremidades. (A primeira linha, contendo somente o número um, tem índice zero). 1 1 1 2a 1 2 1 3a 1 3 3 1 1 4 6 4 1 5a→ 1 5 10 10 5 1 1 6 15 20 15 6 1 7a 1 7 21 35 35 21 7 1

(Note que a linha 2, (1, 2, 1), contém somente o dois, que é ele mesmo di- visível por dois; a linha 3 contém duas vezes o 3, divisível por 3; a linha

5, (1, 5, 10, 10, 5, 1), contém múltiplos de 5; a linha sete também – contém múltiplos de sete.)

Ex. 58 — Prove o Teorema de Lucas: Sejapprimo, em, ninteiros positi- vos, cuja representação na base

m = mkmk−1· · · m1m0

Então m n  ≡ k Y j=1 mj nj  (modp).

Mostre como este Teorema poderia ter sido usado para resolver o Exercí- cio 57.

Ex. 59 — A respeito do Teorema de Lucas (Exercício 58): explique deta-

lhadamente porque, apesar de estarmos usando um sistema posicional, em que os dígitos tem significados diferentes dependendo de sua posição na representação, a ordem deles não é relevante no enunciado (simplesmente toma-se o produtório sobre todos os dígitos!)

Ex. 60 — Prove que todo inteiro positivo pode ser representado como pro-

duto de um número ímpar e uma potência de dois (mesmo que seja20).

Ex. 61 — Sejap > 5primo. Mostre quep − 46= n4, comn∈ Z.

Ex. 62 — Determine com quantos zeros termina o número100!

Ex. 63 — Para quantosno coeficiente binomial 100n 

é ímpar?

Ex. 64 — Quantas divisões sucessivas por 1344 podemos fazer com o nú- mero50!?

Ex. 65 — Mostre que para todoa < b,Fa| Fb−2, ondeFié oi-ésimo número

de Fermat:Fn = 22

n

+ 1.

Ex. 66 — Mostre que há infinitos primos da forma6n + 5.

Ex. 67 — Mostre que sepé primo emZ, p = 4n + 1ep = aa+ b2, então a + biea = bisão inteiros Gaussianos irredutíveis.

Ex. 68 — Prove o Lema 5.14.

Ex. 69 — Sejamm = pa1 1 p a2 s · · · p ak k en = p b1 1 p b2 s · · · p b2 k , onde p1, . . . , pk

são primos distintos.

a) Mostre que mdc(m,n) = pc1 1 p c2 2 · · · p ck k , ondeci=min(ai, bi). b) Calcule mdc(237917,22311172).

Ex. 70 — Calcule a soma de todas as frações tais que o denominador e o

numerador são(i)co-primos, e(ii)divisores positivos de49000.

Capítulo 6

Congruências

Iniciamos o estudo de congruências, que facilitam a expressão de fatos a respeito de divisibilidade.

No documento Teoria Aritmética de Números (páginas 63-68)

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