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Fatores associados às condições de trabalho dos professores

delimitação conceitual

3.1.3. Fatores associados às condições de trabalho dos professores

Ao estudar as condições de trabalho dos professores é muito comum – além de explorar os aspectos componentes das condições – examinar a possível associação a outras variáveis ou dimensões do contexto educacional. Isso ocorreu em 83 dos 95 estudos analisados, cujas as variáveis ou dimensões decorrentes das condições de trabalho foram explicitadas.

Os efeitos das condições de trabalho são mais específicos que os itens ou dimensões que caracterizam tais condições. A maioria dos estudos (69) contou com apenas um único item ou dimensão associada, excluindo os 12 estudos sem definição desta (s) variável (eis). A quantidade máxima registrada, em um mesmo estudo, foi de quatro possíveis fatores associadoas às condições de trabalho.

Em procedimento análogo ao desenvolvido na seção anterior, os fatores associados às condições de trabalho dos professores foram categorizados, sendo que o mesmo estudo não pode ser classificado duas ou mais vezes na mesma categoria. Foram utilizadas as seguintes categorias:

1) Condições físicas: refere-se aos agravos à saúde dos professores que se manifestam fisicamente. Incorpora os itens: adoecimento; condições de saúde; doenças; distúrbio vocal; desgaste físico; disfonia; dores musculoesqueléticas; problemas osteomusculares; problemas vocais; patologias das pregas vocais; saúde; voz; surdez; transtornos de voz. 2) Condições psicológicas: relaciona-se aos agravos associados ao estado

psicológico e/ou aos sentimentos dos professores. Esta categoria contempla: bem-estar; mal-estar docente; satisfação; motivação para o trabalho; qualidade de vida; qualidade de vida relacionada ao trabalho; estresse; saúde mental; burnout.

3) Atuação profissional: associa-se às atividades inerentes à realização do trabalho docente, bem como aos aspectos facilitadores dessa atividade. Fazem parte desta categoria: atuação profissional; ensino de Ciências; ensino-aprendizagem; prática profissional; práticas pedagógicas;

desenvolvimento das atividades de educação; desenvolvimento profissional; dificuldade de trabalho com jogos em sala de aula; processo de ensino-aprendizagem; trabalho dos professores.

4) Desempenho dos estudantes: volta-se aos aspectos relacionados à avaliação de aprendizagem dos discentes. Contempla: aprendizagem dos alunos; rendimento dos alunos; Ideb; qualidade do ensino.

5) Rotatividade docente: trata da verificação da interrupção – temporária ou permanente – das atividades pelos professores. Inserem-se nesta categoria: rotatividade docente; evasão docente; abandono da profissão. 6) Relacionamentos: refere-se ao conjunto de situações relacionadas à

interação dos docentes com os diversos atores envolvidos no cotidiano escolar, inclusive os colegas de trabalho. Abarca itens como: autonomia; indisciplina dos alunos; interação com os alunos; relações; relações com a clientela; clima colaborativo; assédio; agressão; integração na organização; dispersão dos alunos; insatisfação dos alunos; violência. 7) Sobrecarga de trabalho: relaciona-se ao processo de deterioração de

aspectos das condições de trabalho. Engloba os itens: intensificação do trabalho; valorização profissional; progressão continuada; precarização do trabalho; pressão por resultados.

8) Outros: refere-se a uma categoria residual. Engloba itens como: controle ao tabagismo; dano ao patrimônio; formação inicial; formação continuada; formação político-pedagógica; inovação curricular; ideário inovador; prestígio social; construção de novas práticas.

A categoria relacionada às condições físicas foi a mais frequente (26 estudos) na pesquisa bibliográfica realizada (Gráfico 4). Logo após figurou a atuação profissional (20), seguida mais distante pelas condições psicológicas (13) e pelos relacionamentos (11). As classificações menos recorrentes foram o desempenho dos estudantes (6), a sobrecarga de trabalho (5) e a rotatividade docente (5). Em 12 estudos não foi possível definir os fatores associados às condições de trabalho, conforme já mencionamos.

Gráfico 4 – Frequência absoluta das categorias de fatores resultantes das condições de trabalho dos professores encontradas na produção acadêmica nacional – Brasil – 1981- 2015

Fonte: Elaboração do autor, com base no Banco de Teses da Capes. Nota: O mesmo estudo pode ser classificado em mais de uma categoria.

Os estudos das categorias mais recorrentes de fatores associados às condições de trabalho apresentaram perfis específicos. O primeiro grupo, formado pelos estudos que abordaram as condições físicas dos professores, teve predominância da grande área de Ciências da Saúde, abrangendo 18 do total de 26 estudos. A metade (9) é da área do conhecimento de Saúde Coletiva, dos quais quatro focaram efeitos específicos das condições de trabalho dos professores. Em decorrência dessas condições, Cardoso (2009) apontou as dores musculoesqueléticas, Martins et al. (2007) analisaram a surdez e, em perspectiva semelhante, Jardim (2006) e Souza (2011) investigaram aspectos relacionados à voz e à patologia das pregas vocais. As condições de saúde foram apontadas de forma mais abrangente por Silva et al. (2011) e por Batista (2008). Em conjunto com essas condições de saúde figuraram a disfonia (Bassi, 2010), a satisfação dos professores (Lima, 2010) e a motivação para o trabalho e a interação com os alunos (Sousa, 2005).

A outra metade é quase exclusiva da área da Fonoaudiologia, exceto o artigo de Cezar-Vaz et al. (2013) que é da Enfermagem. Todos eles, inclusive o da Enfermagem, apresentaram os aspectos relacionados à voz como fatores associados às condições de trabalho (Thomé, 2007; Luchesi; Mourão; Kitamura, 2010; Xavier; Santos; Silva, 2013;

15 12 5 5 6 11 13 20 26 0 5 10 15 20 25 30 Outros Inespecífico Rotatividade docente Sobrecarga de trabalho Desempenho dos estudantes Relacionamentos Condições psicológicas Atuação profissional Condições físicas

Servilha; Leal; Hidaka, 2010; Penteado; Ribas, 2011; Dragone et al., 2010; Luchesi et al., 2009; Silvério et al., 2008).

O segundo grupo refere-se às obras que analisaram as condições psicológicas (13) como sendo associadas às condições de trabalho. A maioria é das Ciências Humanas (8), todos da área do conhecimento de Educação. A satisfação ou insatisfação dos docentes foi analisada nos estudos de Purin (2011), de Coelho (2011) e de Souza e Sousa (2015). O mal-estar docente foi o aspecto investigado por Prioste (2006). Rebolo e Bueno (2014) estudaram as associações tanto da satisfação no trabalho quanto do bem-estar docente. Completando o rol, Gasparini, Barreto e Assunção (2005), Araújo e Carvalho (2009) e Lennert (2011) partiram para a análise das condições psicológicas, concomitantemente a outras categorias.

O terceiro grupo apontou a atuação profissional (20) como fator associado às condições de trabalho dos professores. Desses estudos, 14 são da área do conhecimento de Educação e apresentaram o desenvolvimento das atividades docentes associado a tais condições. Em certa medida, essa produção acadêmica denotou as condições de trabalho como elementos necessários para o pleno desenvolvimento das atividades profissionais. Emergiu termos como desenvolvimento profissional (Silva, 1997; Giovani, 1998; Dias- da-Silva, 1998), prática profissional ou pedagógica (Andrade, 2009; Rotenberg, 2002; Viotto, 2004; Mussolini, 2004; Dias, 2008), ensino-aprendizagem (Vieira, 212; Feliciano, 2008). Porém, paradoxalmente, atribuir às condições de trabalho um papel central para a realização da docência causou fragilidade na forma de aferir o grau dessas possíveis associações.

O quarto grupo englobou os estudos distribuídos em categorias menos numerosas. Existem aqueles cujos os fatores associados às condições de trabalho foram os relacionamentos, como foi o caso da autonomia (Tormena, 2009; Americano, 2011); da insatisfação dos alunos com as aulas (Faggion, 2000) e até mesmo da violência (Pereira, 2003; Pereira, 2011). Outros relacionaram-se somente ao desempenho dos alunos, tendo sido registrados a qualidade do ensino (Cerdeira, 2008), a aprendizagem (Iosif, 2007) e o rendimento dos alunos em avaliações de larga escala (Marafelli, 2011; Nardi; Schneider, 2014). Os estudos que analisaram somente a sobrecarga de trabalho (Souza, 2012b; Augusto, 2012; Barros, 2013), analogamente ao que ocorreu no terceiro grupo, não especificaram os fatores associados às características das condições de trabalho estudadas. As consequências dessas condições de trabalho foram elas próprias,

porém, em situação mais intensificada ou precarizada. Outros estudos (Lemos, 2009; Kasmirski, 2012; Fonseca, 2013) elegeram a rotatividade e a evasão docente como sendo os fatores associados às condições de trabalho dos professores.

Além desses, outros 15 estudos apresentaram fatores associados às condições de trabalho bastante pulverizados, impedindo-os de serem agregados em categorias. Contabilizam-se também, conforme mencionamos, os 12 trabalhos acadêmicos cujos os fatores associados às condições de trabalho não foram possíveis de serem especificados.

Passando para a realidade norte-americana, diversos autores (Leithwood, 2006; Johnson, 2006; Berry; Smylie; Fuller, 2008) consideraram as condições de trabalho dos professores um importante requisito para obter êxito nas suas atividades de ensino, para atrair bons profissionais para a carreira e para reter aqueles que nela se encontram. Leithwood (2006, p.5-6) enfatizou que a inadequação das condições de trabalho pode minar todos os esforços centrados nas motivações e nas capacidades dos professores para melhorar a aprendizagem dos alunos. Em tom semelhante, Jonhson (2006, p. 1) salientou a importância de os locais de trabalho oferecer todo o suporte aos professores, de forma que os esforços desses profissionais resultem no seu melhor trabalho com os estudantes e no aumento das chances de permanecer na carreira docente. Por sua vez, Smilie e Fuller (2008, p. 6) diagnosticaram a ausência de conhecimento científico para especificar o nexo causal – associação das variáveis independentes, mediadoras e dependente – entre as condições de trabalho, a permanência dos professores e os resultados dos alunos. Tal constatação decorreu do survey desenvolvido por eles, embora seja fortemente sugerida a existência de relação entre as referidas variáveis.

Ao centralizar a figura do professor, a decisão de continuar ou não na profissão foi apontada por diferentes autores (Ingersoll, 2001; Johnson; Berg; Donaldson, 2005; Ladd, 2011) como sendo atribuída às condições de trabalho, ao mesmo tempo em que constitui importante fator para a qualidade do ensino. A continuidade na docência é mensurada por medidas como a retenção (retention) e a rotatividade (turnover).

Ingersoll (2001) constatou que os problemas de falta de professores nas escolas eram, em grande medida, ocasionados pela saída do emprego desses profissionais, sobretudo, os mais qualificados. Os motivos não se referiam à aposentadoria ou à falta de professores, no sentido de existir oferta insuficiente desses profissionais. Esta investigação – sobre se fatores ligados às características e às condições organizacionais das escolas estavam impulsionando a rotatividade dos professores – utilizou dados do

Schools and Staffing Survey e de seu suplemento, o Teacher Followup Survey,

desenvolvido pelo National Center for Education Statistics.

Johnson, Berg e Donaldson (2005, p.2) sustentaram que pesquisas têm mostrado grande número de fatores do local de trabalho dos professores capazes de influenciar a decisão sobre entrar e permanecer na docência. Mais especificamente, apontaram seis grandes grupos de fatores associados à retenção dos professores, sendo que um deles refere-se às condições de trabalho, contemplando instalações, equipamentos, carga de trabalho, atribuições, currículos e avaliações.28 Essas constatações encontram-se na obra Who stays in teaching and why: A review of the

literature on teacher retention, desenvolvido com o propósito de rever a literatura

relacionada à retenção dos professores. Os autores (Johnson; Berg; Donaldson, 2005, p. 50) foram categóricos ao afirmarem que

[r]esearch has shown that the conditions of teachers’ work affect their ability to teach well and the satisfaction they derive from their work. When the physical elements of their school—the facility, equipment, and supplies—are decrepit or deficient, teachers report that their instructional options are limited and that they feel discouraged and insulted as professionals. Teachers also report feeling beleaguered and overwhelmed when they are assigned to courses or grades for which they are unprepared, when they have too many courses to juggle at one time, or when they must contend with unusually large numbers of students. Under such conditions, their students also pay a price, suffering the effects of uninformed instruction, poor lesson planning, and crowded classes. Teachers also often lack curriculum for their teaching assignment or have a curriculum that is not aligned with the standards they are required to teach or the tests their students must take.29

28 Os outros aspectos identificados foram: 1) preparo do professor, relacionado ao senso de competência e eficácia no ensino; 2) contratação; 3) salários, incentivos e benefícios; 4) carreira docente, englobando itens associados ao suporte e às oportunidades e 5) comunidade escolar, abarcando as experiências com os colegas de profissão, o desenvolvimento da escola e liderança do diretor.

29 “[a] pesquisa mostrou que as condições de trabalho dos professores afetam sua capacidade de ensinar bem e a satisfação que derivam de seu trabalho. Quando os elementos físicos de sua escola – instalações, equipamentos e suprimentos – são deteriorados ou deficientes, os professores relatam que as suas opções de instrução ficam limitadas e se sentem desencorajados e insultados como profissionais. Professores reportam também que se sentem acuados e oprimidos quando são designados para cursos ou classes para as quais não estão preparados, quando eles têm muitos cursos de uma só vez ou quando eles têm que lidar com grande número de estudantes. Sob tais condições, os alunos também pagam um preço, sofrendo os efeitos da instrução desinformada, planejamento de aulas pobre e classes lotadas. Os professores muitas vezes também não possuem formação para a sua missão de ensino ou têm formação que não está alinhada com as normas necessárias para ensinar ou os testes que seus alunos devem fazer”. (Tradução livre)

Ladd (2011) desenvolveu estudo para verificar a relação entre as percepções dos professores do estado da Carolina do Norte sobre as condições de trabalho e as pretensões em sair das escolas. Por meio de survey, uma das conclusões foi que a variação entre as escolas em relação às condições de trabalho percebidas pelos professores foi altamente preditiva para as intenções individuais dos docentes em deixar as escolas em que se encontravam (Ladd, 2011, p. 254-255).

Ao contrapor os estudos nacionais presentes na pesquisa bibliográfica realizada e a produção norte-americana analisada, dois perfis emergiram em relação aos fatores associados às condições de trabalho. O primeiro deles refere-se à produção nacional. Neste grupo, os estudos voltados à verificação da influência das condições de trabalho nas condições físicas e psicológicas dos professores se destacaram por apresentar melhor especificação do tipo de associação entre esses fatores e por levantar dados que permitem aferir não somente a existência, mas também o nível de intensidade dos relacionamentos entre variáveis. O segundo perfil atribui-se aos estudos internacionais, que, de forma geral, explicitaram de forma clara e direta a associação entre as condições de trabalho e a permanência ou a rotatividade dos professores nas atividades docentes. A seleção da literatura anglófona foi realizada por meio de busca livre na web com o descritor genérico “teacher working conditions”. A maioria dos estudos que se apresentaram correspondeu a pesquisas realizadas nos Estados Unidos da América.