• Nenhum resultado encontrado

Foto 02- Entrevista em grupo com as alunas

3.1 Percepções sobre o bullying

3.1.3 Fatores determinantes

O subtema 1.2 compreende os aspectos motivadores da prática do bullying e que por esta razão se configuram como fatores determinantes para a disseminação e permanência do problema nas interações entre pares. As formulações elaboradas pelas respondentes com relação às motivações subjacentes a prática de maus tratos, tomam por referência, sobretudo, os vínculos afetivos constituídos pelo sujeito, e consolidados por meio das relações intrafamiliares e extrafamiliares.

Ao se reportarem aos motivos relacionados à ocorrência do bullying, as estudantes destacaram a família enquanto uma das grandes responsáveis pelo comportamento adverso de seus filhos. Estas afirmativas foram identificadas no conteúdo das respostas de 85% das participantes. Vejamos algumas das referências a este aspecto:

Isso é muito dos pais né, os pais no modo de educar os filhos, às vezes eles dão muita liberdade pros filhos... Eu acho que os pais têm que dizer, olha não faz isso, ou aquilo outro, os pais tem que impor limite pros filhos. (ALUNA-04)

...A educação, o respeito depende muito da criação da pessoa... (ALUNA-05)

As entrevistadas utilizam o termo ―criação‖ para direcionar suas críticas ao modo pelo qual a instituição familiar tem desempenhado seu papel formativo. Estes relatos evidenciam a compreensão do papel da família como fundamental para o desenvolvimento de atitudes positivas ou negativas diante dos fatos da vida. De acordo com os estudos de Teixeira (2011), existe um consenso de que métodos parentais de criação, isto é, a forma como os pais educam seus filhos, pode ser responsável pelo desencadeamento de atitudes violentas na escola. Estes aspectos foram bastante destacados pelas alunas ao questionarem a ação educativa da família. O autor complementa esta ideia ao dizer que:

Crianças que habitam lares desestruturados e convivem com pais hostis, agressivos e sem laços afetivos harmoniosos têm uma chance aumentada de desenvolver condutas também marcadas pela agressividade. Trata-se de um modelo de aprendizagem por espelhamento. Se a criança convive com pais pouco afetuosos e que demonstram um padrão de comportamento que preza a violência e a agressividade como estratégias de resolução de problemas, ela assumirá esse comportamento aprendido com os pais. Soma-se a esse padrão parental agressivo, a falta de afeto e carinho, a ausência de diálogo e a aplicação de punições físicas [...] É verdadeiramente um fator colaborador para o desenvolvimento do bullying, pois a criança tomará esses comportamentos como corretos e os levará para o ambiente escolar. (TEIXEIRA, 2011, p.51,52).

No atual contexto, marcado pelas contradições e imposições do mundo moderno, a família, no intento de comtemplar suas múltiplas demandas, esteve em certa medida ausente de algumas de suas atribuições e deveres, fato que resultou na fragilização de valores que outrora, buscava-se resguardar, como o respeito e a consideração às pessoas, dentre outros. Este processo de fragilização extrapola os limites do lar e se espraia para outras instâncias sociais da vida, produzindo reflexos negativos e preocupantes.

Segundo Nogueira (1990), a partir da segunda metade do século XX até as últimas décadas, a estrutura e organização da instituição familiar sofreu mudanças

A pessoa ela tem o exemplo né. Vai que de repente na casa dela as pessoas são assim também, vai que os pais são assim, sei lá, não respeitam os vizinhos, ou nem se respeitam dentro de casa também. Pode ser que se agridem também na frente dos filhos e isso vai ter, vai ter tipo um reflexo no comportamento do filho. Então, eu acho que a criação tem muito haver, que é importante, que influencia sim no comportamento. (ALUNA-13)

substanciais, que dentre outros fatores, teve como consequência uma série de implicações quanto ao papel social formativo que é exercido pela família.

A falta de espaço para o diálogo contribui para uma crise de autoridade na instituição familiar. A incompreensão mútua que permeia as relações entre o jovem e a própria família implicam em relações superficiais, marcadas pela pouca interação social e por posicionamentos unilaterais que são impostos ora pela família, ora pelo jovem.

Tais elementos, tornam-se ingredientes que favorecem a aplicação de punições decorrentes de comportamentos desajustados e indisciplinados, cujo caráter ameaçador e repressivo é desprovido de um sentido prático e educativo que permita ao jovem, momentos de reflexão. Este fato, possivelmente intensificará o risco do surgimento e permanência da violência nas relações familiares.

A atmosfera negativa que envolve este cenário, certamente afetará o desenvolvimento moral e a visão de mundo destes sujeitos e poderá culminar em um processo de banalização e naturalização da violência que equivocadamente poderá ser interpretada como uma possibilidade real e eficaz para a resolução de conflitos (FANTE, 2004).

Nesta direção, Lopes Neto (2005, p.167) ressalta que, algumas condições familiares adversas parecem ser favoráveis ao desenvolvimento da agressividade. Dentre estas, o autor faz referência a aspectos relacionados ―a desestruturação familiar, ao relacionamento afetivo precário, ao excesso de tolerância ou de permissividade e a prática de maus-tratos físicos ou explosões emocionais como forma de afirmação de poder dos pais‖.

Outro aspecto pertinente a ser levantado no contexto familiar diz respeito à adoção de posturas inadequadas que podem partir dos pais em relação aos filhos. Dentre as quais, destacam-se a superproteção, diante do desejo de preservá-los das adversidades da vida ou ainda de eximi-los de faltas cometidas, e a atribuição de culpa ou responsabilidade indevida, como ações que podem contribuir para o desenvolvimento de determinadas características. Desta forma, a influência exercida pela família ocorre por meio de atitudes distintas que poderão incidir diretamente na condição que os sujeitos ocuparão nos casos de bullying, isto é, para a conformação de indivíduos alvos ou agressores, como é ainda assinalado pelo referido autor:

Embora não haja estudos precisos sobre métodos educativos familiares que incitem ao desenvolvimento de alvos de bullying, alguns deles são

identificados como facilitadores: proteção excessiva, gerando dificuldades para enfrentar os desafios e para se defender; tratamento infantilizado, causando desenvolvimento psíquico e emocional aquém do aceito pelo grupo; e o papel de ―bode expiatório‖ da família, sofrendo críticas sistemáticas e sendo responsabilizado pelas frustrações dos pais. (LOPES NETO, 2005, P.167).

No âmbito das relações familiares se estabelece a gênese das relações

interpessoais. Através da mediação entre os membros da família ocorrem os primeiros estímulos simbólicos, em um processo pelo qual o sujeito se constrói a partir da interação com o outro. Segundo Berger e Luckmann (1985), os laços familiares possibilitam a inserção do indivíduo em uma etapa denominada de socialização primária. Nestes moldes, a família assume a função de conduzi-lo a formação do senso de partilha e convivência social, partindo do princípio da reciprocidade.

Na percepção das estudantes alvos da pesquisa a instituição familiar, seja ela composta por pais e mães, ou ainda por outros sujeitos que assumam a responsabilidade por estes (as) jovens, contribui sobremaneira para a formação do ser social, ela é a primeira ponte entre o indivíduo e as relações com o mundo, com o outro que o cerca.

Contudo, é pertinente destacar que a instituição familiar não pode ser vista como a única responsável pela transgressão de seus filhos. Estudos que abordam esta problemática têm indicado outros fatores relevantes para a sua ocorrência, dentre as quais figuram, a falta de acesso e oportunidades, a vulnerabilidade social que favorece o envolvimento com as drogas e a marginalização, bem como a ausência de políticas públicas efetivas que visem a garantia do bem estar social da população jovem.

Apesar do papel familiar ter sido destacado na maioria das falas analisadas, outros fatores que se entrelaçam na composição dos cenários de violência, mas precisamente das práticas de bullying foram indiretamente evidenciados nas respostas de 64,2% das entrevistadas, ao argumentarem sobre a presença de outros elementos que se somam às influências familiares e concorrem para este problema. Conforme pode ser visto nos depoimentos de duas alunas participantes da pesquisa:

Não é só dos pais não. Acho que têm várias coisas, o jeito da pessoa, a personalidade, tem gente que acha que pode tudo, e tem gente que nem respeita o pai e a mãe, eles podem até orientar, e o filho ser mal criado, e fazer coisa errada mesmo que os pais não queiram. Por isso, eu não acho que é só dos pais não. (ALUNA-09)

A partir destas respostas inferimos que as estudantes identificam elementos externos, transcendentes à influência e participação da família para a ocorrência de

bullying . Sobretudo, aqueles relacionados à própria personalidade do indivíduo, tendo

em vista que as influências familiares, as características individuais, bem como a qualidade das relações estabelecidas junto aos grupos, são associações que podem conduzir crianças e jovens a desempenharem papéis de agressores ou vítimas. (SALMIVALLI, VOETEN, 2004).

Segundo Bronfenbrenner (1996) o modo como as características individuais e a personalidade dos sujeitos interagem dentro de subsistemas maiores ou contextos sociais mais amplos, dentre os quais, a família, a escola e as relações interpessoais com seus pares, moldam o desenvolvimento social dos indivíduos. De modo que, além dos laços afetivos construídos dentro e fora do núcleo familiar, elementos de ordem sociocultural são componentes que estão inter-relacionados neste processo.

A influência das amizades foi citada por cerca de 28,5% das alunas, como um fator que favorece a prática do bullying. Estas falas demonstram que as estudantes reconhecem o poder de sugestão que os grupos possuem sobre seus membros, na medida em que conseguem influenciar o comportamento das pessoas, sobretudo nos períodos relativos à infância e a adolescência.

A influência do meio social, que inclui o círculo de amizades e grupos de pertença do sujeito, representa os agentes do processo de socialização secundária e tem grande importância para a sua formação global. Neste sentido, incorporar hábitos e práticas comuns ao grupo e por ele valorizados passa a ser um movimento imperativo no processo de integração e construção de identidade destes jovens. Deste modo, a influência das amizades foi citada por 28,5% das estudantes como um fator que pode

É complicado dizer que é dos pais ou então é só de quem faz, eu acho que é tudo junto, são várias coisas ao mesmo tempo, não é só por causa dos pais que o filho vai ou não praticar bullying ou outra coisa errada. Claro que os pais, eles influenciam muito na criação do filho, mas, por exemplo, tem gente que usa droga e não é porque o pai ensinou, nenhum pai quer que o filho use droga ou faça coisa errada. Por isso eu acho que são várias coisas ao mesmo tempo [...] Eu acredito que não é responsabilidade só dos pais não. (ALUNA-12)

induzir a comportamentos pautados pela agressividade. A este respeito Silva (2010, p. 65, 67), considera que:

Os amigos ou o grupo de amigos possuem um poder de influência sobre cada jovem significativamente superior àquele que pautava as relações entre eles nas gerações precedentes [...] O grupo vem a ser o lugar privilegiado do reconhecimento individual e, por isso, objeto afetivo de enorme relevância. É no grupo que o sentimento de vínculo do adolescente encontra canal para se expressar na forma de linguagem verbal, física e comportamental.

O que reafirma a compreensão de que assim como em outros fenômenos da vida, os agentes determinantes do bullying devem ser compreendidos como um processo que decorre da interação entre a pessoa e o seu ambiente físico, social e cultural (BRONFENBRENNER,1996).

Inferências a fatores como indisciplina, insatisfação, revolta e sofrimento apareceram na fala de 14% das entrevistadas, ao relacionarem possíveis agentes que estimulam o aparecimento ou a permanência de práticas de bullying entre pares. Os relatos abaixo explicitam o posicionamento destas jovens quanto a esta questão.

Estas afirmativas também foram visualizadas na pesquisa nacional sobre bullying (2010) realizada pela PLAN-Brasil, onde os dados revelaram que a provocação é o principal motivo que estimula os agressores, ou seja, que os levam à pratica do

bullying. Segundo a pesquisa, estes dados sugerem que em muitos casos os maus tratos

podem ter origem em atitudes reativas, compreendidas como uma alternativa de defesa Eu penso que isso (bullying) é coisa de gente revoltada. Sabe aquelas pessoas que acham que podem fazer o que quiser, que não vai acontecer nada. Gente que em casa faz tudo que quer, não respeita ninguém, acha que é melhor que os outros, por isso se comporta assim, é, faz esse tipo de coisa né. (ALUNA-12)

Podem ter outras coisas envolvidas nisso, pode ser que a pessoa tá sofrendo também. Às vezes ela pode fazer isso (bullying) porque também tá acontecendo alguma coisa desse tipo com ela. Ela pode tá sendo perseguida de algum jeito por colegas, por vizinhos, ou até mesmo dentro da casa dela. Então vai juntando tudo e a pessoa fica assim, tipo revoltada né, querendo fazer a mesma coisa com os outros. Então eu acho que pode ser revolta, mas porque ela tá passando por isso também, é como se ela respondesse do mesmo jeito à violência e o sofrimento que ela tá passando, entende? (ALUNA-14)

ou decorrentes da falta de habilidade para lidar com os conflitos e tensões que permeiam as relações entre os estudantes.

Neste sentido, é pertinente ressaltar que as alunas demonstram compreender que o bullying não é um fenômeno decorrente de causas isoladas, mas surge articulado a uma gama de fatores, e é resultante de complexas e múltiplas interações entre o indivíduo e sua família, seus grupos, a comunidade, os valores culturais e as normas.

Em síntese, um ambiente marcado pelas diferenças, como é o caso da escola, posto que ela abriga grupos com distintos posicionamentos filosóficos, políticos, culturais e sociais, constitui-se em um espaço plural que nem sempre é acompanhado pelo senso de democracia e convivência harmônica.