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Foto 02- Entrevista em grupo com as alunas

3.1 Percepções sobre o bullying

3.1.2 Modalidades de agressão

A subtemática - Modalidades de agressão está relacionada às evocações das alunas sobre as ações que se configuram como práticas de bullying. Deste modo, ao buscarem definir o termo bullying, as estudantes o classificaram como atos que se enquadram dentro de conceitos específicos sobre agressão, os quais já se encontram

devidamente referendados pela literatura que trata sobre temas relativos a agressão e a violência. As falas abaixo ilustram estes dados:

Verificou-se que as alunas utilizaram enfaticamente os termos: agressão física, bater, chutar, espancar, e etc... Bem como: apelidar, caluniar, ofender, xingar, ... E ainda: discriminar, excluir, humilhar, isolar, dentre outros, como diretamente associados aos atos de bullying.

Cumpre notar que os grupos de palavras acima destacados estão categorizados respectivamente dentro dos conceitos que definem a agressão física, materializada pelo ataque a integridade física, na dimensão corporal do indivíduo, cujas marcas são perceptíveis aos olhos e facilmente detectadas. A agressão verbal, caracterizada pela utilização de apelidos constrangedores, pelo emprego de ofensas e pelo xingamento contínuo, com fins a diminuir e ridicularizar o outro; e a agressão psicológica, configurada pela perseguição cometida sistematicamente por parte do agressor em relação à vítima, por meio da discriminação relativa a algum fator de ordem cultural, física ou social que se refira a ela, exclusão dos grupos, dentre outras possibilidades de assédio, que tem como intuito, desestabilizá-la emocionalmente.

De acordo com a declaração das alunas, as formas de manifestação que mais ocorrem no ambiente escolar dizem respeito à agressão verbal, mencionada em 67% das entrevistas. Esta forma de agressão compreende as ações de apelidar e xingar, que por sua vez, foram as mais citadas pelas entrevistadas. Vale ressaltar que estes indicativos O bullying pode estar ligado a muitas atitudes da pessoa, é....Por exemplo, é... Assédio, discriminação, falta de respeito, perseguição, espancamento e mais... (ALUNA-11)

São agressões, são gestos repetitivos, algumas ameaças na escola, e coisas pequenas, como ah!... Todo dia chegar e chutar o mesmo aluno, pegar agredir o mesmo aluno, fazer piadas sobre ele, excluir e também dentro do grupo, por exemplo, ah! Eu não vou falar com aquela menina porque ela é muito quieta, ah então... Eu não vou falar com ela porque ela é muito agitada, então isso já é uma forma de bullying. (ALUNA-08)

foram encontrados em diversos estudos, uma vez que, ―os apelidos correspondem a mais de 50% da totalidade dos atos de bullying.‖ (LOPES NETO, p.25).

Os resultados obtidos na pesquisa sobre bullying, realizada pela organização não governamental PLAN-Brasil, nos anos de 2009/2010, também ratificam os discursos das alunas. Neste estudo se constatou que o uso da agressão verbal nos diferentes espaços escolares é um modo habitual de tratamento entre os estudantes, que é, em muitos dos casos atribuído ao fato de os próprios alunos não perceberem que este comportamento é inadequado nas relações entre pares, pois pode se desdobrar em outras situações de violência.

Outro aspecto relevante, é que as agressões verbais estão geralmente relacionadas às características físicas dos alvos. Entre as mais comuns estão o uso de óculos e aparelhos ortodônticos, a altura, o sobrepeso e padrões de beleza. Vejamos um relato que ilustra bem esta questão:

Outros elementos foram identificados enquanto fatores que motivaram os apelidos, xingamentos e outras ações de bullying listadas pelas alunas, dentre os quais foram citados: a cor ou etnia, status social e aspectos ligados ao comportamento das estudantes. Conforme podemos observar na tabela abaixo:

Motivos citados pelas alunas, como aqueles que as

levaram a serem alvos de bullying Qtd. %

Por sua religião 03 5,4%

Por sua cor 07 12,7%

Por sua idade 03 5,4%

Por sua classe social 03 5,4%

Pelo modo como se veste 03 5,4%

Pela sua aparência (alto/baixo/ gordo/magro e etc.) 16 29,9% Por seu jeito de ser (comportamento) 12 21,8%

...agora já melhorou mais. Mas eu sofri muito bullying, ainda mais porque eu usava óculos, me chamavam o tempo todo de quatro olhos, de cegueta. E era muito ruim porque vinha gente de outra sala e ficava gritando na porta da sala, ah quatro olhos, ah cegueta e também porque eu era do nordeste me chamavam de Paraíba, então assim eu achava muito ruim. (ALUNA-08)

As práticas que remetem a agressão psicológica, citadas por cerca de 60% do grupo, aparecem em segundo lugar na percepção das entrevistadas, que com frequência se reportaram a palavras como: discriminar, preconceito, perseguir, dentre outras que compõem esta categoria de agressão, para fazer referência ao fenômeno bullying.

Os estudos de Antunes e Zuin (2008) corroboram a estes achados, ao assinalarem que os alvos de bullying, são eleitos, em geral, por suas características físicas e socioeconômicas, e apontam ainda para aquelas relativas à orientação sexual, na medida em que estes se configuram como aspectos que os diferenciam sob o olhar dos outros, e podem contribuir para um quadro de discriminação e exclusão social. (COSTA, 2011).

Estes aspectos também foram observados em uma pesquisa sobre a discriminação no ambiente escolar, realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) em parceria com o Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), que revelou que estudantes homossexuais, negros e pobres foram apontados pelos alunos participantes do estudo, como alvos preferenciais de bullying (INEP, 2008).

Embora atos diretamente ligados aos conceitos de agressão verbal e psicológica tenham se sobressaído na fala das respondentes, 52% das alunas pesquisadas mencionaram atos de agressão física, como bater, chutar e espancar enquanto práticas de bullying. A tabela abaixo mostra a frequência de respostas para cada ação circunscrita a uma categoria específica de agressão.

Agressão verbal Quantidade %

Apelidar 37 67,2%

Xingar. 32 58,1%

Caluniar 29 52,7%

Ofender 19 34,5%

Agressão psicológica Quantidade %

Humilhar 33 60% Discriminar 30 54,5% Racismo 28 50,9% Preconceito 23 41,8% Desrespeito 19 34,5% Perseguição 18 32,7% Excluir 15 27,2%

Agressão física Quantidade %

Violência física 29 52,7%

Bater 23 41,8%

Brigas 19 34,5%

Espancar 15 27,2%

Chutar 13 23,6%

Em síntese, com relação às formas de ocorrência caracterizadas pelas alunas como bullying, as ações que remetem as agressões de cunho verbal e psicológico, são as que mais frequentemente foram citadas pelas estudantes, que em menor número mencionaram ações ligadas a agressão física. Deste modo, atos relacionados às categorias de agressão verbal, agressão psicológica e agressão física foram mencionados respectivamente por 67%, 60% e 52% das alunas que participaram deste estudo.

O fator regularidade, ainda que não tenha sido detectado na totalidade dos discursos das estudantes, aparece na maior parte deles como um elemento determinante para que uma dada ação seja qualificada como bullying. Conforme expresso nas falas de duas das entrevistadas:

O bullying se manifesta subjacente a uma notória assimetria de poder entre os envolvidos, cuja submissão do outro ocorre por meio de ações contínuas que permeiam as relações entre agressores e vítimas. De acordo com Teixeira (2011, p.21):

O estudante alvo de bullying pode ser exposto a diferentes formas de agressão, entretanto não é capaz de se defender. Esse desequilíbrio de poder determina a repetição e a manutenção do comportamento agressivo de estudantes que tentam a todo custo dominar e humilhar o outro aluno. A frequência com que as ações são realizadas determina a prática do bullying, que é caracterizado como um ato proposital, munido de uma intencionalidade que visa atingir o outro de forma negativa e prejudicial, fazendo com que a vítima desenvolva um sentimento de impotência diante das situações de agressão.

O bullying em geral é... varias palavras, é várias formas de agressão, e tem que ser repetido né, várias vezes. (ALUNA-02)

Eu acho que é a violência repetida com um grupo de pessoas, ou com uma pessoa, já tá dizendo né, perseguição, então se você persegue não vai ser só uma vez, vão ser várias vezes, você vai ficar ali pegando no pé daquela pessoa, implicando com ela todo o tempo. (ALUNA-09)

Neste decurso, identificamos em algumas falas a relação entre a prática de

bullying e o crime. As respondentes que classificaram o bullying como crime,

fundamentaram-se nas percepções sobre a severidade dos prejuízos e traumas que o fenômeno pode causar, na medida em que ele, como comprovado pelos casos de maior gravidade, pode produzir efeitos extremamente nocivos à suas vítimas. Os relatos a seguir sintetizam esta compreensão:

Estas acepções encontram eco em recentes discussões sobre o fenômeno

bullying no campo jurídico. Este têm reunido adeptos que concordam com a

criminalização do fenômeno. De modo que há um movimento entre promotores da vara de infância e juventude por todo o país, articulado no sentido de criminalizar o bullying.

Esta discussão deu origem ao projeto de projeto de lei n. 6935/10, cuja proposta é criminalizar a conduta de intimidação, denominada como bullying na justificativa do projeto, que visa introduzir no Código penal, no capítulo que versa sobre os crimes contra a honra, o crime de intimidação. Na proposta o referido crime é definido como:

Bullying é crime, e deve ter pena sim! (ALUNA-07)

- Eu concordo, que nem agente vê, as pessoas morrem ou então se matam e vai ficar assim? Por isso mesmo. A família perde uma pessoa que ama e isso vai ficar assim? Não, não pode! Então eu concordo que bullying seja considerado crime. (ALUNA-08)

Eu acho que se pode dizer que bullying é crime, e quem fica perseguindo os outros deveria pagar de alguma forma. Se for menor eu acho que o pai deveria responder. (ALUNA-09)

Eu acho que tem que ser considerado crime, mas eu não acho que tem que ir para a cadeia, eu concordo assim, que a pessoa faça alguma tarefa, que nem pintar a escola, ou então ajudar na limpeza, na copa... (ALUNA-12)

Art. 141-A - Intimidar o indivíduo ou grupo de indivíduos que de forma agressiva, intencional e repetitiva, por motivo torpe, cause dor, angústia ou sofrimento, ofendendo sua dignidade : Pena - detenção de um mês a seis meses e multa. § 1º- O Juiz pode deixar de aplicar a pena: I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a intimidação. § 2º- Se a intimidação consiste em violência ou vias de fato, que por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerarem aviltantes: Pena - detenção de três meses a um ano e multa, além da pena correspondente à violência. § 3º - Se a intimidação tem a finalidade de atingir a dignidade da vítima ou vitimas pela raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou que seja portadora de deficiência: Pena – reclusão de dois a quatro anos e multa.

A proposta prevê ainda que nos casos em que o delito for praticado por menores. Estes cumpram medidas socioeducativas mediante a prestação de serviços à sociedade, internação e ainda responsabilização dos genitores ou responsáveis. Estas sanções seriam implementadas com vias a combater o bullying e reprimir a conduta lesiva por parte dos agressores (JUSBRASIL, 2011).

As penas deverão ser aplicadas, caso a prática seja qualificada como violenta, grave e reiterada. Ainda de acordo com a proposta, comete o crime o indivíduo que agredir, ameaçar, assediar sexualmente, castigar, constranger, intimidar, ofender ou segregar, crianças ou adolescentes, pressupondo estar em situação de superioridade. As penas se estenderão também a delitos cometidos por meio da internet.

A atribuição da criminalização ao bullying é uma questão polêmica, porque existem dissonâncias quanto ao tipo de ação punitiva a ser aplicada nestes casos. Outro aspecto implicado no processo de criminalização tem relação com a natureza das consequências que os atos de bullying possam ter, já que estas não serão iguais.

Em que pese à constatação de que contínuas pressões psicológicas podem resultar em uma variedade de doenças, as reações ao bullying dependem de muitos fatores, que interferem diretamente na gravidade destas consequências, dentre eles: o tipo de agressão, o tempo de exposição, a individualidade e a forma como o problema é tratado. Segundo Silva (2010) estas consequências dependeriam ainda de fatores relacionados à genética dos indivíduos.

Nesta lógica as sanções deverão ser equivalentes ao tipo de consequência gerada para a vítima, de modo que não se julgará a prática do bullying propriamente dita, mas os desdobramentos deste fenômeno, ou seja, se o resultado das ações se materializarem

por lesões corporais e mortes, a punição ocorrerá em função destas resultantes e deverá incidir sobre a gravidade dos eventos.

A partir destes dados, é possível inferir que o grupo pesquisado define o bullying como uma violência que se manifesta a partir de diferentes práticas. Estas, situam-se no âmbito das relações entre pares e aparecem associadas a ações circunscritas aos conceitos de agressão verbal, psicológica e física, demarcadas em certa medida, pela frequência e regularidade com que estas são cometidas, bem como pelo desequilíbrio de forças que perpassa as relações de agressores e vítimas.

Os depoimentos apontam para um equilíbrio na frequência com que estes atos foram mencionados pelas entrevistadas. Outros elementos aparecem atrelados ao sentido que estas alunas atribuem ao bullying, destaca-se aqui a definição do fenômeno como crime passível de aplicabilidade penal.