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Fatores explicativos das preocupações sociais dos jovens

A questão que nos colocamos agora é a de saber qual o significado das duas dimensões organizadoras das preocupações dos jovens. A particularidade dos jovens portugueses levanta-nos a hipótese de os fatores meramente económicos terem motivado esses jovens a situarem as necessidades socioeconómicas como centrais nas suas preocupações, o que seria coerente com o facto de Portugal estar a atravessar uma já prolongada crise económico-financeira com impacto profundo em vários aspetos da vida social. Neste sentido, indicadores de crise e instabilidade financeira poderiam atuar como princípio organizador das duas dimensões que acima descrevemos.

No entanto, embora o papel de fatores económico-financeiros possa reve- lar-se central para a interpretação do significado das dimensões obtidas, esses fatores poderão não ser os únicos. Uma hipótese complementar poderá ser le- vantada e baseia-se na possibilidade de as diferenças culturais atuarem como princípios organizadores das dimensões obtidas, diferenças que poderão ser representadas no posicionamento dos países ibero-americanos no continuum materialismo/pós-materialismo (Inglehart 1977; Pereira et al. 2005). De acordo com a nossa perspetiva, combinar fatores económico-financeiros com explica- ções socioculturais apresenta-se como bastante pertinente para chegarmos a uma interpretação mais acurada sobre o significado das dimensões organiza- doras das preocupações dos jovens aqui analisados. Tendo em mente esta pos- sibilidade, analisamos o papel de fatores explicativos que envolvem variáveis de dois níveis de análises. Como fatores explicativos a nível individual, usamos o sexo, a idade, o local de residência (se numa capital ou noutro centro urbano), a escolarização e o facto de os jovens estarem ou não desempregados. O uso destes indicadores justifica-se tanto por nos permitir ter uma visão geral sobre o que caracteriza cada dimensão a ser interpretada, como também nos possibi- lita ter uma ideia do impacto que a privação económica individual, aferida aqui pelo desemprego, tem como princípio organizador das preocupações dos jo- vens. Como fatores explicativos a nível contextual, usamos indicadores econó- micos e culturais. Como indicadores económicos, recorremos ao PIB per capita e à taxa de crescimento deste PIB entre 2008 (ano de deflagração da atual crise Os Jovens Portugueses no Contexto da Ibero-América

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Valores e atitudes perante temas socialmente sensíveis

económico-financeira) e 2012 (ano anterior ao da aplicação do inquérito).2

O indicador de natureza cultural analisado é o posicionamento dos países na dimensão materialismo/pós-materialismo, o qual obtivemos a partir de duas bases de dados internacionais: o World Value Survey (quinta vaga, 2007) e o Eu-

ropean Value Study (quarta vaga, 2008).3O apêndice detalha os indicadores usa- dos nas análises que a seguir apresentamos.

Para avaliar o papel destes indicadores nas dimensões organizadoras das preo- cupações dos jovens procedemos à estimativa de dois modelos de regressão multinível (Hox 2010) para cada dimensão (quadro 1.2). No primeiro modelo estimamos apenas o efeito das variáveis de nível individual, enquanto o segundo modelo acrescenta os fatores explicativos de nível contextual. Como podemos verificar, quer para a dimensão 1 (que contrapõe a segurança à importância dada ao bem-estar social e económico), quer para a dimensão 2 (que contrapõe o bem-estar social ao bem-estar económico), o modelo que tem em conta ape- nas as variáveis de nível individual pouco explica o posicionamento dos jovens nestas dimensões. São sobretudo fatores explicativos que representam as dife- renças entre os países que melhor contribuem para compreendermos o signifi- cado desse posicionamento, como fica evidenciado nos resultados do modelo 2 em ambas as dimensões.

Analisando o papel desempenhado por cada tipo de fator explicativo, veri- ficamos que a idade, a escolarização e o desemprego são, de entre as variáveis de nível individual, as que mais contribuem para a definição das duas dimen- sões, enquanto o local de residência se mostra relevante apenas para o posicio- namento dos jovens na dimensão 2. Olhando apenas para a dimensão 1, cons- tatamos que, quando maior é a idade, a escolaridade e o facto de os jovens estarem em situação de desemprego, mais próximo eles posicionam as suas preocupações no polo do bem-estar económico e social, revelando-se menos preocupados com os aspetos que definem o polo da segurança (violência e uso de drogas). De maior importância, o posicionamento dos jovens nesta dimen-

2Os indicadores do produto interno bruto (PIB) per capita foram obtidos nos relatórios do

Banco Mundial aqui consultados: http://data.worldbank.org/indicator/NY. GDP.PCAP.CD.

3Ambos os inquéritos usam quatro dos doze indicadores da escala original de Inglehart (1977)

para medir o posicionamento de cada país na dimensão materialismo/pós-materialismo. Dois dos indicadores são de materialismo («manter a ordem no país» e «combater o aumento dos pre- ços») e os outros dois são de pós-materialismo («dar aos cidadãos maior capacidade de participação nas decisões importantes do governo» e «defender a liberdade de expressão»). A comparação das respostas dos inquiridos a estes quatro indicadores permite posicionar os países num continuum que vai do materialismo ao pós-materialismo. Este continuum varia de –2 a 2, onde –2 significa que o país está situado no extremo do materialismo, enquanto 2 indica que o país se situa no ex- tremo do pós-materialismo (v. Pereira e Ramos 2013 para uma descrição detalhada deste indica- dor).

são é melhor explicado pela posição que os países ocupam no continuum mate- rialismo/pós-materialismo. Quanto mais um país se distancia do polo materia- lista do continuum, menos importância os jovens que lá vivem atribuem aos problemas relacionados com o bem-estar económico e social e, em contrapar- tida, mais preocupação mostram com a segurança. Por um lado, este efeito cor- robora a tese de Inglehart, segundo a qual as sociedades materialistas valorizam mais a preocupação com os aspetos económicos da vida social, mas, ao mesmo tempo, infirma esta tese, uma vez que também previa que a preocupação com a segurança compõe o conjunto de necessidades sociais básicas, pelo que era de esperar que os valores materialistas contribuíssem para um maior posiciona- mento dos jovens no polo destas preocupações.

No caso da dimensão 2, que contrapõe o bem-estar social ao bem-estar eco- nómico, os jovens com idade mais elevada, a residirem numa capital e em si- tuação de desemprego são aqueles que mostram uma menor preocupação com Os Jovens Portugueses no Contexto da Ibero-América

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Quadro 1.2 – Coeficientes de regressão multinível que representam os pesos

dos fatores explicativos nas dimensões organizadoras das preocupações dos jovens ibero-americanos

Dimensão 1 Dimensão 2 (segurança vs. bem-estar social (bem-estar económico e económico) vs. social)

Modelo 1 Modelo 2 Modelo 1 Modelo 2

Interceto –1,31*** –1,49*** –0,38*** –0,47*** Nível individual Sexo 0,03 0,03 0,01 0,01 Idade 0,07*** 0,07*** –0,04*** –0,04*** Local de residência –0,01 –0,01 –0,06*** –0,06*** Escolaridade 0,03*** 0,03*** 0,01 0,01 Desemprego 0,19*** 0,19*** –0,16*** –0,16*** Nível contextual Materialismo/pós-materialismo –1,19* 0,35 PIB per capita 0,00 0,00 Crescimento económico 0,00 0,01*

Explicação da variância

Nível individual (R2) 0,03 0,03 0,03 0,06

Nível contextual (R2) 0,23 0,20

Nota. Correlação intraclasse: dimensão 1 = 0,09; dimensão 2 = 0,11. As variáveis foram assim codificadas:

sexo (0 = raparigas; 1 = rapazes); idade = ordenação dos escalões etários (0 = 15 a 19 anos; 1 = 20 a 24 anos; 2 = 25 a 29 anos); local de residência (0 = urbano não capital; 1 = capital); escolaridade (variável ordenada de 0 = nenhuma a 9 = universitária completa); desemprego (0 = não desempregado; 1 = desempregado); o materialismo/pós-materialismo é um indicador que teoricamente pode variar de –2 (países mais materialistas) a 2 (países mais pós-materialistas). O PIB per capita é um indicador medido em dólares EUA. O crescimento económico é a percentagem de variação no PIB per capita dos países entre 2008 e 2012.

* p < 0,05; ** p < 0,01; *** p < 0,001.

Valores e atitudes perante temas socialmente sensíveis os aspetos que definem o bem-estar social (acesso à educação, saúde e justiça) e uma maior preocupação com o bem-estar económico (emprego e economia). Ao analisar o contributo dos indicadores de nível contextual, verificamos que o princípio organizador da dimensão 2 é de natureza económico-financeira, uma vez que o crescimento económico é o único facto contextual que contribui para explicar o posicionamento dos jovens nesta dimensão. De facto, quanto maior foi o crescimento económico do país entre 2008 e 2012, maior é a preo- cupação dos jovens com o bem-estar social do que com os aspetos meramente económicos. Finalmente, lembremos que Portugal e Espanha foram os países que apresentaram depressão económica neste período (v. novamente o apên- dice), o que, ao menos no caso português, contribui para explicar o posiciona- mento extremado dos jovens no polo do bem-estar económico.