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Valores e atitudes perante temas socialmente sensíveis

Quais são as principais preocupações sociais dos jovens nas sociedades ibero- -americanas e que posicionamentos assumem perante temas socialmente sen- síveis? A literatura sobre estas questões tem sugerido que a forma como as pes- soas se posicionam perante os vários aspetos da sua vida social reflete os seus valores pessoais porque estes representam forças motrizes capazes de organizar as atitudes e os interesses das pessoas e dos grupos sociais (Schwartz 1992). A centralidade que os valores assumem na organização da vida social é atribuída ao facto de os princípios axiológicos atuarem como fatores estruturantes não apenas da vida das pessoas, mas também da organização da sociedade (Hitlin e Piliavin 2004; Rohan 2000).

Os valores são normalmente definidos como crenças e modos de se posicionar no mundo, isto é, formas de pensar e agir desejáveis e socialmente partilhadas. Por exemplo, Kluckhohn (1968) refere que um valor age na vida das pessoas como se fosse uma conceção de vida sobre «o desejável» enquanto imperativo transcendente às várias esferas da vida social. Posteriormente, Rokeach (1973) simplificou esta ideia e traduziu-a no conceito de crença duradoura sobre com- portamentos (e. g., obedecer às leis) ou princípios-fim (e. g., a liberdade) que uma pessoa acredita que a sociedade prefere que sejam postos em prática. Re- centemente, Schwartz e colaboradores (Schwartz et al. 2012) apresentaram uma teoria sobre a natureza e organização dos valores humanos em que articulam a ideia de Rokeach (1973) sobre valores como uma crença sobre comportamentos e princípios-fim com a proposta de Kluckhohn (1951) de analisar um valor como uma conceção sobre o que é desejável. Desde cedo Schwartz (1992) concebe os valores como motivações individuais que transcendem situações específicas, acreditando que a força motivacional dos valores se expressa nas atitudes e com- portamentos dos indivíduos, o que vem a colocar em relevo o aspeto funcional dos valores já assinalado por Parsons e colaboradores na teoria geral da ação (Par- sons e Shias 1951).

Uma visão menos funcionalista e individualizante dos valores foi proposta por Pereira e colegas (Estramiana et al. 2013; Pereira, Camino e Costa 2005). De acordo com esta perspetiva, os valores atuam como princípios socialmente compartilhados sobre a forma como a sociedade deve ser organizada. Além de terem força motivacional suficiente para guiar a ação social, os valores tam- bém expressam conceções ideológicas que representam as identificações sociais decorrentes da inserção concreta das pessoas em grupos e contextos cultuais aos quais passam ao longo da vida. Esta conceção de valores remete-nos à ideia de que, além de representarem princípios fundamentais que orientam a ação individual, os valores também representam as prioridades que as sociedades atribuem aos diferentes objetivos e metas a serem atingidos. Assim, para além de os valores poderem ser analisados como crenças duradouras que guiam a vida das pessoas, podem também representar princípios-guias de uma socie- dade, definindo assim a nossa conceção de valores culturais (Pereira e Ramos 2013).

Um exemplo desta forma de analisar os valores foi apresentada por Ronald Inglehart na sua obra A Revolução Silenciosa. Inglehart (1977) propôs que as di- ferenças culturais refletem uma interação complexa entre o desenvolvimento socioeconómico e a prioridade que cada sociedade atribui a dois conjuntos de valores, designados por valores materialistas e pós-materialistas. A ideia central na teoria de Inglehart é a de que o desenvolvimento económico gera mudanças no sistema de valores culturais que, por sua vez, produzem um efeito de feedback, alterando os sistemas económicos e políticos das sociedades. Depois de alcan- çada a estabilidade económica e a segurança da população, a sociedade passaria por uma revolução silenciosa ao nível dos valores culturais, revolução que seria caracterizada pela atribuição de maior relevância a objetivos e metas «pós-ma- terialistas», representados pela prioridade que uma sociedade dá à realização das aspirações individuais dos seus cidadãos, à garantia da liberdade de expres- são irrestrita, à valorização de aspetos estéticos, à participação política e à pro- teção do ambiente (Halman e Morr 1994; Inglehart e Baker 2000).

A ideia fundamental no estudo dos valores culturais é a possibilidade de os valores afetarem a visão do mundo das pessoas em cada contexto social e assim influenciarem as suas preocupações e atitudes em relação aos temas mais im- portantes das suas vidas (Inglehart e Baker 2000; Pereira et al. 2005; Schwartz 1992). Diante desta possibilidade, o foco da análise centra-se em saber em que medida os valores se relacionam com as atitudes e os comportamentos das pes- soas. A investigação empírica a esse respeito tem mostrado o papel central de- sempenhado pelos valores nas avaliações subjetivas que as pessoas fazem sobre aspetos socialmente significativos das suas vidas. Por exemplo, Almeida e cole- gas (2006) mostraram que a classe dirigente está mais próxima do que as res- Os Jovens Portugueses no Contexto da Ibero-América

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Valores e atitudes perante temas socialmente sensíveis tantes dos valores da realização pessoal. Vala e colegas verificaram uma relação sistemática entre a adesão aos valores de igualdade e atitudes de maior abertura à imigração, bem como entre os valores de conservação e a oposição à imigração (Ramos 2006; Vala, Pereira e Ramos 2006). No domínio das atitudes políticas, Freire e Kivistik (2012) mostraram a centralidade dos valores na definição dessas atitudes e Almeida (2003) mostrou a relação dos valores de conformidade e abertura à mudança com as atitudes dos portugueses face à socialização das crianças num contexto familiar. Esses estudos mostram que os valores podem ser, de facto, princípios organizadores das atitudes das pessoas face aos mais va- riados aspetos da vida social.

Assumindo a centralidade dos valores na organização da vida social, interessa- -nos saber se esses valores desempenham algum papel na vida dos jovens ibero- -americanos e se contribuem para a perceção que têm dos principais problemas nos seus países e para a definição das suas atitudes face a temas socialmente sen- síveis, como o aborto, a legalização da maconha, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a abertura à imigração, mas também em relação à pena de morte e à prática do suborno, aspetos relevantes na vida quotidiana desses jovens.

Neste sentido, o objetivo deste capítulo é analisar a hierarquia das preo - cupações e atitudes dos jovens portugueses em relação a vários domínios da sua vida social, comparando estas preocupações com as de outros jovens ibero- -americanos. Além disso, procuramos identificar se os valores culturais atuam como princípios organizadores dessas preocupações e atitudes. Para o efeito, analisamos dados obtidos no 1.º Inquérito às Juventudes Ibero-Americanas realizado pela Organização Ibero-americana da Juventude durante o 1.º trimestre de 2013. O primeiro conjunto de dados que analisamos é indicador das principais preo- cupações dos jovens nos países em que vivem. O segundo conjunto de dados é indicador de atitudes dos jovens face a seis temas: aborto, legalização da ma- conha, casamento entre pessoas do mesmo sexo, imigração, pena de morte e suborno. A nossa estratégia analítica foi descrever o posicionamento dos jovens, procurando situá-los no contexto das ideias e atitudes dos jovens dos outros países, designadamente os da Espanha, do Brasil e do México, além de posi- cioná-los em relação aos jovens de dois grupos de países: América Central (Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá e República Dominicana) e América do Sul (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela).

Valores e principais preocupações sociais dos jovens