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Fatores que Influenciam os Critérios para o Uso Correto dos Medicamentos

1. O DEBATE SOBRE O USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS (URM)

1.2 PRINCIPAIS QUESTÕES SOBRE O USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS

1.2.2 Uso Correto dos Medicamentos

1.2.2.3 Fatores que Influenciam os Critérios para o Uso Correto dos Medicamentos

Devido ao contexto de modelo econômico no qual o uso de medicamentos está inserido, os quatro critérios técnicos descritos são fortemente influenciados por uma série de fatores, dentre os quais a grande quantidade de lançamentos de novos produtos e a forte propaganda médica movida pela indústria farmacêutica.

A busca pela competição coloca novos medicamentos no mercado que, de acordo com as informações abordadas nesse trabalho, nem sempre possuem relevantes vantagens se comparados aos já existentes: eficácia clínica superior, vantagem na forma de uso (maior efetividade), melhor relação custo/benefício (maior eficiência) ou ainda maior segurança.

Na esteira da competitividade, estes novos produtos, embora muitas vezes não apresentem vantagem, são fortemente propagados pela indústria como inovadores.

Dessa forma, as duas próximas subseções foram destacadas para estes assuntos: a primeira para discutir os lançamentos dos novos produtos, incluindo o que pode ser considerado “novo” e a segunda sobre a propaganda médica.

1.2.2.3.1 Lançamento de Novos Produtos Pela Indústria Farmacêutica

e a Grande Quantidade de “Diferentes Medicamentos” no Mercado

Como dito no início deste capítulo, com o advento da indústria farmacêutica, nos anos 40, a partir das décadas de 50 e 60, a curva de registros de patentes passa a ser logarítmica. Essa avalanche de novos produtos trouxe consigo, necessariamente, um grande número de informações técnicas no âmbito da farmácia e da medicina e também a necessidade da indústria farmacêutica concorrer, de forma mais aguda, com seus produtos no mercado.

Diversos estudos demonstram que os lançamentos no mercado dos ditos “novos produtos” não apresentam efetivos ganhos terapêuticos e normalmente trazem alterações superficiais.

O primeiro aspecto a se considerar é a complexidade da definição de “produto novo” nessa indústria. MACHADO-DOS-SANTOS (2001) explica um pouco sobre esta complexidade:

A definição exata do que seja um produto novo nessa indústria é complexa, existindo várias possibilidades, que variam desde um produto químico-terapêutico novo até meras modificações nas suas formas de apresentação ou dosagem. Mais ainda, quando se fala de inovações como uma questão estratégica de competição, faz-se necessário considerar a dinâmica desse processo. Deve-se ter em conta o fato de que muitas drogas apresentadas como novas representavam e/ou representam, na verdade,

mera continuidade de produtos anteriormente existentes, que passaram por modificações secundárias.

O segundo aspecto é que, face à realidade demonstrada em alguns estudos, os lançamentos, de fato, não têm sido produtos efetivamente novos ou com inovação terapêutica.

ANGELL (2004) explica que a agência reguladora de alimentos e medicamentos nos Estados Unidos, Food and Drug Administration (FDA) possui duas formas de classificar os fármacos. A primeira é sob a perspectiva da molécula, chamada de “tipo químico”. Nessa classificação é verificada se a molécula já existe no mercado sob alguma forma; neste caso o FDA a classifica como derivado químico, nova formulação ou como combinação de molécula conhecida. Se, no entanto, a molécula for considerada realmente nova, o FDA a classifica como “nova entidade molecular” (NME, em inglês). A segunda forma de classificar a molécula é de acordo com o benefício sobre os fármacos existentes no mercado para um tratamento nas mesmas condições. Se o benefício for maior, o FDA a classifica como “prioritária”, utilizando-se a letra P (de priority); se for menor, é classificada como “padrão”, utilizando-se a letra S (de standard). Dizer que um fármaco é necessariamente novo, deve ser baseado na conjunção dessas duas classificações. Uma nova entidade molecular não traz, necessariamente, um benefício sobre os tratamentos já existentes. Assim como também moléculas que sofreram pequenas modificações podem ou não representar benefícios sobre esses mesmos tratamentos.

Com base nesses critérios, ANGELL (2004) fez um levantamento, entre 1998 a 2002, com os dados dos novos medicamentos aprovados pelo FDA. Desses 415 novos medicamentos (média de 83 por ano), 133 (32%) eram novas entidades moleculares (NME). Destas 133 NME´s, apenas 58 (12 por ano) foram consideradas como fármacos “P”, ou seja, que traziam maiores benefícios que os já existentes no mercado. Ou seja, 14% daquilo que foi registrado como medicamento novo no FDA era, de fato, uma inovação.

De acordo com BERMUDEZ (1992) “nas décadas de 50 e 60 foram colocados no mercado uma média de 444 novos produtos a cada ano, dos quais 10% foram considerados verdadeiramente novas substâncias”.

Outro estudo, realizado na França, sobre 508 novos produtos farmacêuticos lançados no mercado entre 1975 a 1984, verificou em 70% a ausência de vantagens terapêuticas12. Uma avaliação pela Food and Drug Administration (FDA), realizada em 348 novos medicamentos das 25 maiores empresas farmacêuticas estadunidenses, comercializados no período de 1981-1988, considerou que apenas 3% (12 medicamentos) representavam importantes contribuições relativas aos tratamentos já existentes (SOBRAVIME, 2001).

A começar pela confusão gerada pelo entendimento sobre “novo produto” no mercado, passando pelo crescente número desses “novos produtos” e culminando nos estudos que indicam sua “irracionalidade” do ponto de vista sanitário, podemos inferir que o lançamento de “novos produtos” atende prioritariamente a critérios comerciais a despeito das necessidades sanitárias da população. Não obstante a esta constatação, que por si já nos parece bastante preocupante, a introdução de um número cada vez maior de produtos no mercado gera forte concorrência entre marcas de produtos (muitas vezes idênticos) que irá desembocar na questão da propaganda de medicamentos, tema abordado na próxima subseção.

1.2.2.3.2 Propaganda de Medicamentos

A promoção de medicamentos é um processo complexo, envolvendo o convencimento de prescritores, dispensadores e pacientes sobre as vantagens do produto através da divulgação de resultados dos estudos relacionados ao seu desenvolvimento, objetivando sua conseqüente

12 Vantagens terapêuticas entendidas como vantagens de um determinado medicamento

em relação aos critérios de eficácia, eficiência, efetividade e segurança descritas na seção anterior.

comercialização. Conforme a própria definição, a publicidade influencia o julgamento de usuários e prescritores sobre os medicamentos. Vários estudos demonstram o emprego da propaganda como fonte de informação pelos prescritores, sendo considerada determinante na prescrição (BRASIL, 2005).

Segundo BERMUDEZ (1995), o desenvolvimento de novos produtos levou as décadas de 50 e 60 a se destacarem pelas mudanças nas estratégias de marketing das empresas transnacionais, com o objetivo de influenciar nas prescrições médicas.

Para se ter uma idéia da dimensão representada pelo investimento em marketing, observe os dados abaixo publicados no site Center for Public Integrity (2005). Mais de um terço dos recursos da indústria farmacêutica é dirigido para o setor de marketing e estima-se que em torno de US$ 60 bilhões de dólares são gastos anualmente com o marketing farmacêutico. Esses números são mais significativos quando comparados aos gastos despendidos com pesquisa e desenvolvimento.

Tabela 2 – Comparativo entre os gastos com marketing e pesquisa e

desenvolvimento das 11 maiores indústrias farmacêuticas, 2005.