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O Caráter Fetichista da Mercadoria

MARKETING* DESENVOLVIMENTO* PESQUISA E

3. A MEDICALIZAÇÃO E A RACIONALIDADE TÉCNICA

3.2 A RACIONALIDADE TÉCNICA

3.2.2 O Caráter Fetichista da Mercadoria

As matérias naturais são modificadas pela força de trabalho humano e transformadas em coisas úteis. A madeira se transforma em mesa. Embora a mesa ainda seja madeira, ao ser transformada em mercadoria, ela se transforma em coisa metafísica40.

A força de trabalho pode ser comparada, objetivamente, por meio dos produtos do trabalho. Os diferentes produtos condensam, ou reduzem, o valor da força de trabalho quando comparados. Assim, os produtos ao serem transformados em mercadorias, em produtos para troca, servem de meio de valoração, comparação, dos diferentes trabalhos.

As mercadorias refletem aos homens as características sociais do seu próprio trabalho. Objetos de uso se tornam mercadorias apenas por serem produtos de trabalho privados, exercidos independente uns dos outros. As características sociais do trabalho só aparecem mediante a troca de mercadoria.

Apenas na troca, os produtos recebem uma objetividade de valor socialmente igual, separada da sua objetividade de uso, fisicamente diferente. A troca toma tal extensão e importância para se produzir coisas úteis, nas quais o caráter do valor já é considerado na produção dos produtos41.

Há um duplo caráter social no trabalho privado:

• satisfazer determinada necessidade social e

• satisfazer a necessidade do produtor ao ser permutável por qualquer outro trabalho.

40Ibidem. p. 70.

Os homens relacionam os produtos de seu trabalho não como envoltórios materiais de seu trabalho humano. Ao comparar os valores de seus produtos, estão comparando seus diferentes trabalhos sem o saber. A determinação dos objetos de uso como valores é o produto social do homem. Como o idioma que falamos. Por ser um produto social vem mascarado como uma forma natural. O valor age com um hieróglifo social.

No mundo de troca dos produtos a questão mais importante é quantos produtos alheios recebe-se em troca de determinado produto.

O caráter de valor dos produtos de trabalho apenas se consolida mediante sua efetivação como grandeza de valor. As grandezas de valor variam sempre independente da vontade, da previsão e da ação dos que trocam.

Os trabalhos privados independentes, mas universalmente interdependentes, têm como lei (naturalizada) reguladora das relações de troca, o tempo de trabalho socialmente necessário.

A reflexão sobre as formas de vida humana e, portanto, sua análise científica, segue, sobretudo, um caminho oposto ao desenvolvimento real, ocorre após esta própria forma de vida. A certificação do produto do trabalho como mercadoria já possui a estabilidade de forma natural da vida social. Não se reconhece o caráter histórico dessas formas sociais considerada como imutável, nem tampouco seu conteúdo. Assim, o fato de somente a expressão monetária fixar o caráter do valor da mercadoria, vela o caráter social dos trabalhos privados42.

COHEN (1978) explica que o termo fetiche deriva do discurso religioso (investir algo com um poder que ele não tem por si mesmo) e que a o fetiche identificado por MARX (1985) na esfera econômica é parcialmente análogo ao fetiche religioso. Enquanto o fetiche religioso resulta de um processo mental, os fetiches econômicos derivam do processo de produção. O fetiche econômico está intrinsecamente associado à sociedade capitalista, pelo seu princípio de trocas, e tem uma característica fundamental: persiste

42Ibidem. p. 73.

mesmo quando desvendado. Entendê-lo não dissipa o modo místico como a economia de mercado é percebida e funciona.

COHEN (1978) entende que isto ocorre porque o fetiche religioso não possui o poder que aparentemente ele o tem. O fetiche econômico sim. A ilusão consiste no fato de que este poder não é inerente ao produto, mas resultado do trabalho acumulado no mesmo. A forma do valor de troca é visível, mas sua fundação na atividade laboral não o é. A forma social de relação oculta o conteúdo material. O valor de troca parece transcender sua base material no trabalho e derivar da própria mercadoria. O valor de troca é uma propriedade de relação social das mercadorias e o fetichismo oculta a base material como fonte desta propriedade.

Assim, para o autor, há duas fases no fetichismo da mercadoria: a separação do valor de troca de sua base material e o acoplamento do valor de troca na substância mercadoria.

Essa idéia de abstração, de fetichismo, de caráter velado, se torna clara, na medida em que acompanhamos outros teóricos marxistas. O dinheiro, por exemplo, possui um caráter velado característico do mecanismo mercantil. ROSDOLKY (2001), relaciona a criação do dinheiro com o fetiche da mercadoria. Em seu entendimento, o dinheiro é “aquela mercadoria particular que pode ser trocada por qualquer mercadoria”. Mais, ele é aquela mercadoria que é equivalente geral para todas as demais, é a substância universal dos valores de troca. Para tanto, esta mercadoria adquire “existência independente das próprias mercadorias”, encarna uma “mercadoria específica”. Nas mercadorias, o valor de troca é a sua expressão quantitativa de troca. No dinheiro o valor de troca é o próprio objeto, mas que adquire uma existência autônoma fora do próprio objeto.

As mercadorias, quando comparadas, são objetos que manifestam o valor, e para isto o valor adota a forma das mercadorias. Cria-se a aparência de que as mercadorias possuem, por natureza, uma forma-valor. Essa propriedade torna-se aparentemente natural da mercadoria, como natural, de fato, são propriedades como seu peso, sua textura, etc. Este é o

fundamento do caráter social do trabalho ser incorporado na relação social entre os produtos do trabalho (troca).

Porém, no caso do dinheiro, essa reificação adquire forma bem definida, pois todas as mercadorias passam a expressar seu valor no mesmo equivalente, na mesma mercadoria-dinheiro. Consolida-se, assim, definitivamente a “falsa aparência”, como se o objeto, que representa a magnitude do valor de outro objeto, possuísse sua forma equivalente independente dessa relação, como uma propriedade social que decorre da sua natureza. O fato de ser o dinheiro uma mercadoria transformada em dinheiro, devido a representação das demais em seu valor, torna-se fantasmagórico, pois aparentemente é o inverso, como se as demais mercadorias representassem seu valor no dinheiro, porque ele é dinheiro.

Essa inversão reside no seguinte fato: como na sociedade capitalista as relações sociais se dão por ocasião das trocas das mercadorias, que por sua vez são objetos de uma produção, o caráter social do trabalho aparece na existência monetária da mercadoria e, por conseguinte, algo situado fora da produção real. O dinheiro está além da produção. Ou seja, as relações sociais são relações reificadas entre as pessoas e relações sociais entre coisas.

Este raciocínio revela o caráter do fetichismo, pois é a “personificação das coisas e reificação das relações de produção” (ROSDOLSKY, 2001).