• Nenhum resultado encontrado

Fazer segurança pública é integrar ações policiais

A ORGANIZAÇÃO POLICIAL MILITAR: DAS PRESCRIÇÕES E NORMAS

2 A ORGANIZAÇÃO POLICIAL MILITAR: DAS PRESCRIÇÕES E NORMAS

2.3 Fazer segurança pública é integrar ações policiais

Nesse contexto de mudanças, em que a polícia passa a ser demandada para garantir não mais ordem pública determinada, mas sim direitos, a democracia exige justamente uma função policial protetora de direitos dos cidadãos em ambiente de conflitos, os resultados das políticas nacionais de segurança pública vão sendo incorporadas paulatinamente nos Estados brasileiros, partindo de vários focos como: qualificação dos agentes; estratégias de planejamento; avaliação de policiamento; valorização profissional; criação de canais de interlocução comunitária.

MJ. Brasília- DF. Disponível em: <www.pea.gov.br/.../realatorio_final_ 1_conferencia_seguranca_ publica.p...>. Acesso em: 15 fev. 2013.

Nessa trajetória histórica, as organizações policiais são impulsionadas a atualizarem seus discursos em conformidade às políticas de segurança pública vigente, alterando seus ordenamentos normativos e doutrinários, porém, as críticas ao despreparo dos policiais nas intervenções junto à sociedade e ao modelo de formação ainda se fazem presentes nos meios midiáticos, na sociedade civil organizada, bem como em grande parte das pesquisas acadêmicas. A pergunta então é: De que forma o discurso da polícia cidadã, que circula nos documentos normativos e doutrinários das instituições policiais, transforma-se em práticas construtivas na formação e no trabalho policial?

Ao consideramos neste capítulo os avanços e recuos protagonizado pelas políticas de segurança pública no Brasil, é importante situarmos como os reflexos dessa agenda propositiva de discussões na concepção de segurança cidadã é incorporada em Minas Gerais, especial na Polícia Militar de Minas Gerais.

Em Minas Gerais, as ações governamentais de investimento na área de segurança pública iniciam-se com a criação da Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS), em meados de 2003, inspirada na noção de Defesa Social10e preconizada pelo artigo 133 da Constituição Estadual11 de 1989. Seu vetor principal seria a gestão das políticas públicas e a coordenação operacional do sistema, para promover a integração operacional das instituições de defesa social com foco nas estratégias e instrumentos eficazes na prevenção e repressão a violência e criminalidade.

Outrossim, a Secretaria de Defesa Social adota como concepção de segurança uma abordagem preventiva do crime, argumentando que o crime e a criminalidade precisam de um tratamento multidisciplinar, com envolvimento de outras agências do governo para além da atuação policial, por meio da implantação de políticas públicas. O que pressupõe uma interlocução da segurança pública com o conjunto de direitos sociais, uma polícia protetora de direitos, ao ter

10 Defesa Social, termo conferido no texto da Constituição Estadual de Minas Gerais de 1989, exercida pelos

poderes constituídos, instituições, órgãos e entidades públicos ou privados, que tenham por fim proteger o cidadão e a sociedade, por intermédio de mecanismos que assegurem a ordem pública.

11

A Constituição Estadual de 1989, no art. 133, traz o conceito e organização de defesa social, com pontos relevantes no texto como: a) a defesa social como dever do estado, mas direito e responsabilidade de todos; b) organização sistêmica com participação de todos os órgãos e entidades relacionadas à matéria; c) a defesa social envolve a segurança pública e a defesa civil, com objetivo da promoção da integração social para atuar na prevenção da violência e criminalidade. Como instituições de Defesa Social entendem-se: Polícia Militar de Minas, Polícia Civil de Minas e Corpo de Bombeiro de Minas Gerais.

a mediação e a negociação como elementos principais na resolução dos problemas demandados pela comunidade e o uso da força como último recurso da ação policial.

Ao ter em vista o foco na redução dos indicadores de criminalidade, o Estado desenvolveu em parceria com a UFMG, por intermédio do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP), uma metodologia de gestão operacional integrada, denominada Integração da Gestão de Segurança Pública (IGESP), metodologia inspirada nas experiências de Nova Iorque e Bogotá, baseada no método de resolução de problemas, com integração policial no planejamento operacional e participação de outros órgãos do sistema criminal, como: ministério público, judiciário, sistema prisional, prefeituras. Essa metodologia propõe importantes ações de aproximação com as forças de segurança adotando projetos de prevenção social da criminalidade como o Fica Vivo; mediação de conflitos; Acompanhamento de Penas Alternativas — numa combinação de estratégias repressivas e preventivas no controle da criminalidade, com adoção de definição de metas, cobrança de resultados e premiação aos melhores resultados.

Outro aspecto da agenda governamental, referenciada pela política nacional do Sistema Único de Segurança Pública, diz respeito à articulação de ações para promover a integração das polícias (militar e civil), resguardando as estruturas internas dessas organizações sem demandar mudanças no texto constitucional, com propostas para implantação de projetos como: Sistema Integrado de Defesa Social (SIDS) responsável pelas informações e padronização dos registros de ocorrências gerados pelas organizações policiais: Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP) com a delimitação geográfica de atuação da segurança pública, criando unidades prediais para abrigar o efetivo das duas polícias, denominadas de Região Integrada de Segurança Pública (RISP), inicialmente instaladas na capital e, posteriormente, estendida ao interior do estado, para promover a integração das corregedorias em mesmo espaço físico; aproximação das atividades pela participação em encontros através do colegiado de corregedoria; ações voltadas para a integração do ensino, com a realização de cursos integrados entre policiais militares e civis.

A despeito disso, Sapori (2008; 2010; 2011; 2013) enfatiza Minas Gerais como um dos poucos estados brasileiros que caminhou no sentido de estabelecer uma política de integração. Para o autor, o que o diferenciou dos demais que aderiram ao modelo da integração foi a forma gerencial adotada pelo princípio da governança. Sapori nos explica que:

[...] governança diz respeito ao gerenciamento de redes, relações estabelecidas entre organizações, compartilhando propósitos e negociando recursos entre si, de modo que o direcionamento e o ritmo da política pública não dependem apenas da decisão política governante. (2010, p. 299).

Dessa forma, a SEDES não impôs um modelo de integração a priori, essa foi se construindo de forma coletiva com a participação direta e intensiva das polícias, desde a formulação até sua implantação.

A literatura aponta que, apesar dos bons resultados alcançados nas políticas de integração dessas organizações policias nos aspectos de operacionalização do policiamento e formalização de procedimentos, existem pontos nevrálgicos que não foram superados, evidenciados por interesses corporativos e desconfiança na relação entre as respectivas organizações ( SAPORI; ANDRADE, 2008, 2010).

Na visão de Sapori, a política de integração das polícias precisa ser compreendida por aspectos diversos, porque seus projetos não apresentaram o mesmo ritmo e abrangência.

[...] O pequeno avanço de integração na área de ensino é revelador de como o processo é percebido enquanto ameaça à identidade das respectivas organizações policiais.

[...]

A integração das polícias em Minas Gerais não está sedimentada e não há garantia de que arranjos institucionais criados sejam capazes de minimizar os confrontos corporativos. (2013, p. 126-128).

Enfim, o autor adverte que os projetos de informação, planejamento operacional e corregedorias avançaram muito bem, mas não se pode dizer o mesmo sobre os projetos para integração na formação, pois foi perceptível a resistência das academias à interferência de atores externos no desenvolvimento de suas atividades, motivada pelo zelo que as organizações guardam quanto à sua identidade. “Nas academias de polícia se encontram o embrião das organizações, o que a instituição se tornará no futuro.” (SAPORI, 2013, p.111). O posicionamento do autor é emblemático para revisitar a interface educação e trabalho, por um lado, como locus de construção da identidade do policial e das lógicas que operam e se confrontam na formação, ao identificar uma abordagem curricular heterônoma, com controle e regulação externa ao sujeito. E, por outro, as exigências do trabalho real que convoca o

trabalhador ao exercício da criatividade, reflexibilidade para agir frente a situações complexas.