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O trabalho está também no “entre abordagens”

ÁREAS DE RISCO.

5 A ATIVIDADE DE TRABALHO NO POLICIAMENTO EM ÁREAS DE RISCO.

5.7 O trabalho está também no “entre abordagens”

Ao entrarmos na viatura, os policiais conversam sobre as informações repassadas pelos abordados, trata-se de uma suposta pessoa que teria vendido a droga aos jovens. Ficamos circulando nas proximidades de um campo de futebol, suposto local informado pelos jovens, os policiais observavam as pessoas com as características informadas pelos abordados: camisa de listra preta com branca, short jeans e moreno claro. Segundo os policiais, as informações repassadas, se concretizadas, podem permitir realizar uma prisão ou apreensão maior de drogas. Durante o nosso trajeto, o policial 01 foi nos relatando que os jovens estavam com uma bucha de maconha, neste momento, ele tira a droga do bolso e me entrega para que eu pudesse conferir, dai pergunto a ele: Com essa quantidade de droga você teria que realizar algum procedimento? Ele responde: “o procedimento

correto seria conduzi-lo à delegacia, mas se o fizesse ia gastar tempo e não ia dar em nada porque logo estariam liberados por se tratar de uma quantidade pequena e para uso, sem contar a amolação de depois ter que comparecer ao fórum, normalmente no dia da folga para prestar

depoimento.” (equipe Alfa, Diário de campo, grifos nossos)

Esse evento nos remete ao debate de normas, sempre envolvendo valores que orientam as escolhas que vão imprimindo no curso da ação, de maneira consciente ou inconsciente. O que não significa que esteja em oposição, mas em constante ajustamento. Podemos inferir que a

escolha pela liberação dos jovens também se constitui como regulação da carga de trabalho, o tempo gasto na condução na condução para a delegacia e, posteriormente, a ida ao fórum, bem como o valor da norma antecedente na efetividade da legislação e o seu resultado na ação final do seu trabalho que envolve outros atores da segurança pública.

O Comandante da equipe complementa: “o fato de colaborarem com as

informações já ajuda a não conduzi-los, é preferível gastar energia com o

traficante e não com o usuário.” Circulamos várias vezes no entorno do

provável local indicado pelos abordados, mas não encontramos ninguém com as características repassadas, segundo o Soldado, a informação poderia ser falsa apenas para se livrar da polícia, mas é sempre bom checar. (equipe Alfa, Diário de campo)

Quanto à justificativa de não conduzi-los, infere-se que, quando liberam os abordados, têm uma chance de conseguirem informações de quem forneceu o produto. Consideraram, então, nessas situações do trabalho policial, as estratégias para obterem um resultado, uma relação de troca que poderiam favorecer ganhos na sua atividade. No momento da ação, o policial estabelece uma permanente negociação com o meio, ele não age passivamente diante das normas precedentes, ao contrário, negocia os procedimentos, escolhe a melhor forma de gerir sua atividade, então, o meio tanto coage como recebe intervenções dele.

Nas abordagens, o procedimento da técnica de bloqueio, busca pessoal e a forma de interlocução com os abordados variavam de acordo com o local e a situação apresentada, para se chegar ao produto/resultado, o policial utiliza meios e objetos disponíveis e ajustáveis ao seu modo em referência a um mundo de valores. Como nos ensina a Ergologia, para gerir o trabalho, o ser humano faz escolhas baseadas em intenso debate de valores a partir dos quais as decisões são tomadas.

No policiamento ostensivo, em áreas de risco, o policial seleciona quando abordar, a quem abordar e como abordar, ele o faz orientado por valores. Não se pode perder de vista que a segurança pública é responsável pela decodificação da conduta como criminosa, em seu caráter constitutivo, seletivo e discriminatório do controle social e ocorre nas ações de policiamento ostensivo quando se realizam prisões em flagrante.

Segundo Triquet (2010, p.102) o trabalhador realiza uma adaptação as suas ferramentas, ao seu coletivo de trabalho, ao sistema local, aos imprevistos que se repetem — por isso, conseguem até mesmo antecipá-los, preveni-los e neutralizá-los.

Nesse sentido, os policiais praticam o tempo todo, uma gestão de si como uma questão humana que envolve escolhas, valores, arbitragens. A gestão é da ordem da vida, independe do trabalho.

O trabalho é atravessado de história, porque o homem faz história em toda atividade de trabalho, tratando aquilo que não é antecipável pelo trabalho. Não levar em conta esta verdade na prática das esferas educativas, culturais, nas práticas de gestores, formadores e de organização do trabalho é desconhecer o trabalho, mutilar a atividade de homens e mulheres enquanto

‘fabricantes’ de histórias, que re-questionam os saberes, reproduzindo em

permanência novas tarefas para o conhecimento. (SCHWARTZ, 2003, p. 23).

Para o referido autor, é difícil traduzir essa dimensão do “corpo-si” por ser singular em cada situação de trabalho, marcado por uma historicidade.

Schwartz nos conduz a refletir que qualquer ato de trabalho, por mais simples que possa parecer, é, num primeiro momento, o uso de si, absolutamente singular. O uso de si por si é o uso do corpo, da inteligência, da história, da sensibilidade e dos gestos daquele que opera a atividade. Se trabalhar é aplicar um protocolo, ao mesmo tempo, é aplicá-lo de forma singular.

O conceito de “uso de si” evidência que é impossível a execução mecânica das normas, porque o trabalho é sempre local de problemas, de tensão e possíveis sempre negociações, portanto, não é execução e sim uso. Schwartz (2007) trabalha com a dialética entre o uso de si por si mesmo e o uso de si pelos outros. O uso de si pelos outros são as regras, normas criadas e definidas pelo corpo social, definindo espaços, possibilidades e temas das negociações a serem enfrentadas.

Schwartz (1998, n. 68, p.108) define “a competência industriosa como uma combinatória problemática de ingredientes heterogêneos que não podem ser avaliados nos mesmos moldes, e muito menos ainda quando ela inclui uma dimensão de valor.” Se a atividade é uso de si e

lugar de dramáticas, há sempre uma relação das competências e valores envolvidos na atividade.