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1 FLUXO MIGRATÓRIO

3.2 Medidas Adotáveis para Solucionar o Iminente Colapso do Estado de

3.2.1 Fechamento da fronteira Brasil-Venezuela

É sabido que o fechamento da fronteira Brasil-Venezuela é uma medida juridicamente inviável no Brasil, porquanto já indeferida pela Ministra Relatora do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, mas ainda assim faz-se imprescindível a análise dessa medida requerida pelo Estado de Roraima, trazendo um panorama de como a ação foi adotada em outros países.

Em primeiro lugar, ressalta-se que não há pontos positivos ou negativos nessa medida, uma vez que as partes envolvidas, sejam os estrangeiros que querem ingressar em novo país, sejam os cidadãos do país receptor, sempre vão sofrer algum tipo de consequência, principalmente no que diz respeito à restrição dos direitos humanos básicos.

Agora, por uma perspectiva estritamente jurídica, conforme aduz o Professor da Universidade Federal de Roraima, Fernando C. C. Xavier, em um artigo para o

site Consultor Jurídico – CONJUR52, o fechamento da fronteira seria legal, sob a égide do Protocolo Adicional ao Tratado Constitutivo da Unasul sobre Compromisso com a Democracia, de 2010, o qual dispõe:

O Conselho de Chefes de Estado e de Governo ou, na falta deste, o Conselho de Ministros das Relações Exteriores poderá estabelecer, em caso de ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática, entre outras, as medidas detalhadas abaixo, destinadas a restabelecer o processo político institucional democrático. Tais medidas entrarão em vigor na data de adoção da respectiva decisão.[...]

b. - Fechamento parcial ou total das fronteiras terrestres, incluindo a suspensão ou limitação do comércio, transporte aéreo e marítimo, comunicações, fornecimento de energia, serviços e suprimentos.

Em lado diametralmente oposto, o fechamento da fronteira afronta inúmeras normas nacionais, como a Lei 13.445/2017 (BRASIL, 2017):

Art. 3o A política migratória brasileira rege-se pelos seguintes princípios e diretrizes:

I - universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos; II - repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação; [...]

IV - não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional;

V - promoção de entrada regular e de regularização documental; VI - acolhida humanitária; [...]

XIV - fortalecimento da integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, mediante constituição de espaços de cidadania e de livre circulação de pessoas;

XV - cooperação internacional com Estados de origem, de trânsito e de destino de movimentos migratórios, a fim de garantir efetiva proteção aos direitos humanos do migrante;

XVI - integração e desenvolvimento das regiões de fronteira e articulação de políticas públicas regionais capazes de garantir efetividade aos direitos do residente fronteiriço; [...]

XVIII - observância ao disposto em tratado. [...]

Art. 45. Poderá ser impedida de ingressar no País, após entrevista individual e mediante ato fundamentado, a pessoa: [...]

Parágrafo único. Ninguém será impedido de ingressar no País por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertinência a grupo social ou opinião política. Assim como o que estabelece a Constituição Federal de 1988, que, além de primar a dignidade da pessoa humana, como fundamento da República (art. 1º, III, CF), prevê que o Brasil guiar-se-á, nas relações internacionais, pelos princípios da prevalência dos direitos humanos e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (art. 4º, CF). O parágrafo único deste artigo dispõe, ainda, que o país “buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da

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XAVIER, Fernando César Costa. Sobre as (im)possibilidades jurídicas do fechamento da fronteira. Consultor Jurídico, 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-ago- 22/fernando-xavier-questoes-juridicas-fechamento-fronteira>. Acesso em 25 de out. de 2018.

América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.” (BRASIL, 1988).

Nesse sentido, e ao contrário da alegação do Estado de Roraima de que a eclosão de epidemias também enseja o fechamento da fronteira, está o Decreto nº 59, de 1991, o qual promulgou o Acordo sobre Cooperação Sanitária Fronteiriça entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República da Venezuela (BRASIL, 1991). Este preconiza:

ARTIGO XVIII

Os Governos do Brasil e da Venezuela comprometem-se a não adotar medidas de profilaxia internacional que impliquem o fechamento total de suas respectivas fronteiras e limitarão as medidas, quando for indispensável, á zona afetada. As medidas em tela só poderão ser dispostas pelas autoridades sanitárias nacionais de acordo com o Regulamento Sanitário Internacional, e serão notificadas imediatamente à Organização Pan-Americana da Saúde.

Quanto aos tratados internacionais que serão descumpridos, destaca-se, de modo geral, a Convenção dos Refugiados da ONU, de 1951, a Declaração de Cartagena sobre Refugiados, de 1984, e a Declaração de San Jose Sobre Refugiados e Pessoas Deslocadas, de 1994, os quais têm como precípuo escopo a cooperação internacional na acolhida de imigrantes e a proibição da devolução de refugiados.

Impende destacar, como expôs Fernando C. C. Xavier, que, segundo o Parecer Consultivo sobre Aplicação Extraterritorial das Obrigações de Non- Refoulement sob a Convenção, da ACNUR, de 2007, o fechamento da fronteira seria um tipo de devolução. Depreende-se que apesar de esse documento não ser cogente, é o mais condizente com a atual situação fronteira, mormente sob a perspectiva dos direitos humanos.

Ademais Maria Laura Canineu, em entrevista ao Jornal Estadão53, ressalta a necessidade que o Brasil mantenha “uma política humanitária em relação aos venezuelanos de forma coerente com suas obrigações internacionais” e também nacionais, principalmente devido à situação vulnerável em que os imigrantes se encontram.

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GIRARDI, Giovana. Fechar fronteira é grave violação ao direito internacional, dizem juristas. Estadão, 2018. Disponível em: <https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,fechar-fronteira-e-grave- violacao-ao-direito-internacional-dizem-juristas,70002466054>. Acesso em 25 de out. de 2018.

Fato este que restou comprovado após os números trazidos pela Polícia Federal54. Consta que até agosto de 2018, dos 56.740 (cinquenta e seis mil setecentos e quarenta) venezuelanos que buscaram regularizar sua estada no país, 35.540 (trinta e cinco mil quinhentos e quarenta) requereram refúgio.

Em contraponto à assistência internacional preconizada naqueles dispositivos, há a necessidade de resguardar os direitos dos nacionais. Para tanto, cabe colacionar o entendimento do Procurador do Estado de Roraima e professor da Universidade Federal de Roraima, Edival Braga, em entrevista à BBC News Brasil55: Essa política do governo federal de fronteiras abertas, sem ter uma política pública efetiva que possibilite aos imigrantes ou refugiados viver de forma digna, termina sendo aquele tipo de coisa que o Brasil acena no cenário internacional estar cumprindo os direitos humanos quando na verdade ele está descumprindo os direitos humanos.

De fato a situação no estado de Roraima é crítica, onde os serviços públicos básicos não estão sendo oferecidos de maneira adequada e suficiente nem para a população local, nem estrangeira, sendo tolhidos os direitos de todos a uma vida digna, mormente ante a falta de atendimento hospitalar, vagas em escola e aumento da insegurança.

Conquanto, como bem aduz a Ministra Rosa Weber, quando do indeferimento da tutela antecipada acerca do fechamento da fronteira Brasil- Venezuela (2018, p. 33)56, “não se justifica, em razão das dificuldades que o acolhimento de refugiados naturalmente traz, partir para a solução mais fácil de „fechar as portas‟, equivalente, na hipótese, a „fechar os olhos‟ e „cruzar os braços‟”.

Além disso, a medida restritiva em apreço só aumentaria do tráfico de pessoas e a imigração irregular seria expressiva, uma vez que a fronteira em questão é extensa, com mais de 2.000 km (dois mil quilômetros), e inteiramente terrestre, através da floresta amazônica. Outrossim, seu fechamento não impediria o fluxo de imigrantes, apenas dificultaria o controle pelo Estado Brasileiro do número de pessoas que entram no país e, consequentemente, obstaria o oferecimento de suporte nacional na proporção necessária.

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SCHREIBER, Mariana. Grave crise em Roraima justifica fechamento da fronteira? Entenda os argumentos contra e a favor. BBC News Brasil, 22 de ago. de 2018. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-45266973>. Acesso em: 03 de nov. de 2018.

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BRASIL. _______. Supremo Tribunal Federal. Tutela Provisória Na Ação Cível Originária 3.121 Roraima. Diário da Justiça, 06 ago. 2018. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=314948662&ext=.pdf> Acesso em: 25 out. de 2018.

Urge destacar, ainda, que o fechamento da fronteira incentiva o sentimento de xenofobia, que só cresce no estado de Roraima, mormente após a agressão a um comerciante em Pacaraima-RR, a qual resultou na destruição do acampamento dos venezuelanos por brasileiro, e a expulsão de mais de mil estrangeiros. Após, em retaliação, aproximadamente trinta brasileiros foram agredidos na Venezuela, enquanto faziam compra na fronteira, conforme a Delegada Geral da Polícia Civil de Roraima, Giuliana Castro57.

Dessa maneira, pertinente a colocação de Beto Vasconcelos, ex- presidente do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), também em entrevista a BBC News brasileira58:

Chegamos a um ponto em que está faltando razão a todos. Há dois mitos contra os imigrantes que alimentam o medo, a de que são violentos e que roubam os empregos dos nacionais. Os imigrantes são, por natureza, empreendedores e, na sua maioria, vítimas de violências.

O aumento da xenofobia e da migração clandestina já restaram provados se tomarmos como exemplo a crise migratória europeia e o fechamento da Rota dos Balcãs, em 2016, quando a Hungria cerrou totalmente suas fronteiras, já Croácia e Eslovênia restringiram o acesso apenas nas fronteiras onde o fluxo migratório era maior. Com consequência, o número de refugiados aumentou em determinados pontos, submetendo-os a condições degradantes em acampamentos improvisados, motivos pelo quais muitos optam pela imigração ilegal.

Nesse diapasão, depreende-se ser ineficaz o fechamento da fronteira Brasil- Venezuela, além de exporem os já desamparados imigrantes à miséria e à violência. Desta feita, imprescindível a adoção de outras medidas, como a interiorização, a qual, além de condizente com a forma que o país vem recebendo imigrantes até então, tido como exemplo de acolhida humanitária, e, ainda, está de acordo com os preceitos legais e internacionais condizentes com os direitos humanos.

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BRANDÃO, Inaê; OLIVEIRA, Valéria; VIDIGAL, Lucas. Crise na fronteira entre Brasil e Venezuela envolve colapso econômico e queda de braço judicial. G1, 18 de ago. de 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2018/08/18/crise-na-fronteira-entre-brasil-e- venezuela-envolve-colapso-economico-e-queda-de-braco-judicial-entenda.ghtml> Acesso em 25 de out. de 2018.

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SCHREIBER, Mariana. Grave crise em Roraima justifica fechamento da fronteira? Entenda os argumentos contra e a favor. BBC News Brasil, 22 de ago. de 2018. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-45266973>. Acesso em: 03 de nov. de 2018.

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