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Patrimônio da Penha (escambos, vendas etc.)

Nesse sentido, alguns conceitos tratados por Maturana tocaram e reforçaram o entendimento intrínseco entre a produção da pesquisa, da Ciência e o viver. E, mais que tudo, o emocionar-se, num processo de autopoiese. É essa emoção, associada à linguagem, que distingue o ser humano dos outros seres.

É notório que a pesquisa e o conhecimento estabelecem uma relação muito próxima, em que a pesquisa é fundamental à produção do conhecimento e isso ocorre em qualquer vivência cotidiana. O conhecimento é vivo: os seres humanos vivem no conhecimento e se conhecem no viver. Assim, a vida é um processo de conhecimento, os seres vivos constroem esses conhecimentos, não a partir de uma atitude passiva, e sim pela interação, conforme Maturana argumenta em suas teorias (da Biologia do Conhecimento, do Amor e, atualmente, a Cultural).

No Caparaó, esse movimento interativo do “ambiental” nas relações é muito presente. Logo, o conhecimento é percebido como algo que nos faz viver e ver para conhecer. A pesquisa é um instrumento precioso no decorrer da vida para alcançarmos esse conhecimento, ocorrendo como resultado da interação com o outro, como resultado da produção da linguagem. Segundo Maturana (1998, p.18- 19):

O peculiar do humano não está na manipulação, mas na linguagem e no seu entrelaçamento com o emocionar […]. O humano se constitui no entrelaçamento do emocional com o racional. O racional se constitui nas coerências operacionais dos sistemas argumentativos que construímos na linguagem, para defender ou justificar nossas ações. Normalmente, vivemos nossos argumentos racionais sem fazer referência às emoções em que se fundam, porque não sabemos que eles e todas as nossas ações têm um fundamento emocional, e acreditamos que tal condição seria uma limitação ao nosso ser racional. Mas o fundamento emocional do racional é uma limitação? Não! Ao contrário, é sua condição de possibilidade [...].

Pelas vivências com os sujeitos praticantes em contextos diversos, compreendemos, que “[...] todo ato de conhecer faz surgir um mundo [...] e todo fazer é um conhecer e todo conhecer é um fazer” (MATURANA, 2001, p. 32). Então, por que não arriscar? É nesse cenário, e diante dos desafios e implicações teórico-metodológicas, que

trouxemos a cartografia a fim de justificar a perspectiva da teórica da sensibilidade na emoção/ação na pesquisa.

Portanto, ao propor uma imersão na biorregião do Caparaó, a partir dos usos e consumos dos textos culturais em Educação Ambiental, voltamos nosso olhar e escuta sensível às subjetividades dos sujeitos praticantes.

Logo, com a compreensão de que o objeto de investigação existe e é na interação sujeito pesquisado e pesquisador que ele vai se constituindo, percebemos que isso ocorre por meio das particularidades, das características de relação, numa espécie de simbiose, de modo que fica sempre difícil a determinação dos limites, ou seja, saber até onde é um, até onde é outro.

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1.2.1 Entre fios e ““““nós”: a trama de uma pesquisanós”: a trama de uma pesquisanós”: a trama de uma pesquisanós”: a trama de uma pesquisa

Durante a pesquisa na biorregião do Caparaó, compreendemos, com a ajuda de Hart (2005, p. 39) que: “[...] nós, pesquisadores [...] devemos reconhecer a possibilidade de outras (múltiplas) interpretações, baseadas em outras realidades (culturais e paradigmáticas)", e Azevedo (2002, p. 57) acrescenta que esse processo investigativo é como um exercício, em que “[...] vamos puxando os fios que originaram aquele significado, aquele nó, aquela explicação, aquela concepção”.35

O movimento de pesquisar se constrói a partir do momento em que estamos inquietos, curiosos ou insatisfeitos com uma determinada situação. Logo, caminhamos pela estrada da descoberta, em direção à problemática, puxando os fios, trançando-os e dando os devidos nós num movimento de tear.

Nessa trama, tecemos alguns fios durante o estudo, pelos quais a caminhada de uma pesquisadora-formadora se constitui na trilha pelo eu pensante e sensível que se convoca na sua construção de cunho pessoal e que também acontece na sua

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Onde os fios podem ser entendidos como conhecimento e os nós são interpretados como os significados, conexões que vamos atribuindo aos fios trançados.

relação com os outros, no coletivo, ajudando-os a se mobilizarem para o processo formativo.

Isso é notório, pois vem acontecendo desde nossa chegada ao campo de pesquisa até os dias atuais, haja vista que hoje nos reconhecemos pertencentes à biorregião, atuando com os sujeitos-objetos da pesquisa pelos caminhos que foram “conhecidos” e “reconhecidos” nesses anos de estudo e que nos são familiares agora.

A constituição do “ser-educadora-pesquisadora-ambiental” no/do Caparaó possibilitou refletir sobre o papel da pesquisadora dentro desse campo epistemológico, que é a Educação Ambiental. Hart (2005, p. 36) diz que “[...] um campo como a Educação Ambiental [...] encoraja a solução de problemas, o ativismo social e a participação em problemas sociais e ambientais [...]”. Também vemos dessa forma e acreditamos na pesquisa não como um fim em si mesma, intercambiada somente na academia, mas, sim, como um caminho para o entendimento da complexidade dos cotidianos de um dado contexto.

Tristão (2012, p. 2) acrescenta que “[...] a pesquisa em Educação Ambiental tem uma relação profunda entre o fato e o valor, tornando o/a pesquisador/a eticamente responsável no enfrentamento das relações meio ambiente e desenvolvimento”.

Dessa forma, articulando com o biorregionalismo, entendemos uma aproximação com o contexto estudado, conhecendo as escolas [e outros contextos formativos] mais de perto, por meio da grande escala, na dinâmica das relações e interações que constituem o seu dia a dia, apreendendo as forças que as impulsionam ou que as retêm, identificando as estruturas de poder e os modos de organização do trabalho escolar.

A compreensão do papel de cada sujeito nesse complexo interacional, em que ações, relações e conteúdos são constituídos, negados, reconstruídos e

modificados, também nos ajudou no movimento de grande escala para entendimentos dos contextos da pesquisa.

Nas comunidades da biorregião, os sujeitos das localidades puderam relembrar fatos passados e descrever suas experiências de vida por meio de suas narrativas.

Além disso, esses sujeitos encontraram caminhos alternativos para a resolução de determinados problemas locais e aprenderam como se relacionar de forma sustentável com o ambiente no qual estão inseridos. Isso pode ser notado na narrativa de uma professora da EMEF “Alan Kardec”, em Patrimônio da Penha, quando ela menciona o projeto desenvolvido pela/na escolacomunidade:

Queremos que o projeto de ‘A a Z. Ecoando a raiz folclórica é Você’, sensibilize a escola envolvendo a comunidade na importância do reconhecimento da sua identidade, de forma que eles possam valorizar as características naturais da região e resgatar ou fortalecer os movimentos culturais. Para isso, no desenvolvimento do projeto, nós procuramos realizamos um trabalho de sensibilização junto aos professores e agricultores sobre a importância do resgate cultural em nosso município mais especificamente na Vila Patrimônio da Penha. Então, nós encontramos com a comunidade local para conversarmos em relação à importância do resgate da sua identidade cultural. Uma coisa bem interessante que aconteceu foi que conseguimos promover aqui em Patrimônio, o Arraia, onde resgatamos a quadrilha jeca, a apresentação do boi-pintadinho e pudemos trocar e ouvir muitas histórias locais. A realização da parceria com a escola Alan Kardec, comunidade local, prefeitura e secretarias de educação, saúde e ação social nesse projeto teve como principal intuito de mostrar a cultura local para a comunidade, para que a mesma reconheça as suas potencialidades (PROFESSORA TINA).

A partir dessa narrativa, refletimos que as pessoas lembram o que aconteceu, colocam a experiência em sua sequência, encontram possíveis explicações para isso e jogam com a cadeia de acontecimentos que constroem a vida individual e social.

Para Ricoeur (1994) e Benjamin (1985), a narrativa tem uma estreita relação com a experiência e com os narradores, que bebem dessa fonte a fim de narrar histórias, ação entendida como uma arte, para Benjamin. No entanto, o nó que liga o ato de narrar e as experiências encontra-se fragilizado pelo fato de que a “[...] difusão da

informação” (BENJAMIN, 1985, p. 203), fortalecida pela era da informação dentro da nossa sociedade contemporânea, tornou-se uma ameaça à narrativa, por trazer consigo, junto com a explicação, os fatos informados.

Ao articular a narrativa da professora com a arte de contar uma história, o interessante é justamente interpretar essa história, dando o sentido que quiser. Benjamin (1985, p. 198) nos alerta que:

É como se estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências. Uma das causas desse fenômeno é óbvia: as ações da experiência estão em baixa [...] a experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorrem todos os narradores.

Como nosso objeto de estudo são os usos e consumos das produções culturais em Educação Ambiental, concordamos com Tristão (2012), quando nos diz que a pesquisa narrativa em Educação Ambiental tem o poder de revelar histórias da vida social e transformá-la junto com os praticantes no processo, ao serem coautores de suas invenções cotidianas.

Para a valorização das identidades existentes nessas comunidades biorregionais, é indispensável conhecer as particularidades, as características que diferenciam essas comunidades entre si. Essas particularidades estão presentes nos cotidianos, reconhecidas nas narrativas dos sujeitos praticantes, num processo de trocas diárias de informações sobre culturas, hábitos e saberes relativos ao ambiente em que se inserem. Conhecer essas particularidades pode contribuir para possíveis projetos de conservação da região, os quais tenham a participação desses sujeitos na sua elaboração.

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ECOLOGIA DA AÇÃO E DE SABERESECOLOGIA DA AÇÃO E DE SABERESECOLOGIA DA AÇÃO E DE SABERESECOLOGIA DA AÇÃO E DE SABERES

Primeiramente, esclarecemos que utilizamos as noções Ecologia de Saberes e Ecologia da Ação, pois permitem a compreensão dos saberes produzidos nos contextos estudados.

Boaventura de Sousa Santos (2004) compartilha o entendimento de Ecologia de Saberes como sendo a existência de conhecimentos plurais, a importância do diálogo entre o saber científico e humanístico, entre o saber acadêmico e o saber popular. Dessa forma, precisamos de um pensamento complexo ecologizante, capaz de religar os diferentes saberes, bem como as diferentes dimensões da vida. No Caparaó, isso é muito recorrente, principalmente, nas produções culturais das/nas comunidades.

Já sobre a Ecologia da Ação, Edgar Morin (2005)

esclarece que toda ação implica efeitos nem sempre controláveis e que, mesmo uma ação realizada com o melhor dos propósitos, pode fugir ao controle e se voltar contra o objetivo inicial e tornar-se questionável.

Dessa maneira,

Desde o momento em que um indivíduo empreende uma ação, qualquer que seja ela, esta começa a escapar de suas intenções. Ela entra num universo de interações e finalmente o meio ambiente apossa-se dela num sentido que pode se tornar contrário ao da intenção inicial (MORIN, 2005, p. 80-81).

As relações que estabelecemos reforçam que as ações relativas às produções culturais, mesmo quando tratadas pelos movimentos “instituídos”, escapam muitas vezes de sua primeira intencionalidade, tendo em vista que muitos usos, interpretações e consumos são feitos pelos sujeitos praticantes.