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uando nos propomos a pesquisar em teoria da educação, compreendemos que segundo Garcia (2010, p.23), as teorias são produtos dos seres humanos, e estes, por serem dinâmicos, têm, na sua essência, a completude e a incompletude. A completude pode ser observada na dinâmica da história e a incompletude cria possibilidade de renovação. Configura-se assim, uma teoria com as práticas que se transformam, interpretam ou se conformam em outras teorias.

Desta forma, entendemos que a felicidade está configurada em um espaço formado por práticas, onde, unidos com as diversas teorias que a interpreta, possibilita um ambiente acadêmico científico de confluência da completude histórica com a incompletude da renovação.

3.1–UMA APROXIMAÇÃO TEÓRICA DA FELICIDADE

Não podemos, por seguinte, sugerir uma definição com a qual concordassem todos os teóricos, leitores e professores. Em vez disso, prosseguimos melhor em nossa análise examinando os vários significados que têm sido dados ao termo e analisando rapidamente os empregos que lhe têm sido atribuídos. Perguntamos aos professores da Escola de Referência em Ensino Médio do Ginásio Pernambuco o que, para eles, é felicidade? Com base em suas respostas, analisamos os elementos que estão presentes em seus discursos conforme os teóricos que debatem a felicidade.

D. Silveira (2007) afirma que, na sociedade atual, vivemos uma época em que as questões étnico-morais, influenciadas pela política, sociedade e religião, fruto de um vazio axiológico, parecem reivindicar uma reflexão sobre os fins dos homens e da humanidade. E como proceder, senão resgatando alguns pensamentos filosóficos que se renovam a cada encontro com os textos produzidos? Assim que se renovam a cada conceito encontrado no discurso dos professores.

Ao longo da história da humanidade, diversos filósofos e pesquisadores procuram definir o conceito de felicidade. Inquirindo sobre os primeiros conceitos de felicidade, pode- se recorrer a Shikida e Rodrigues (2004) que destacam, segundo a filosofia clássica, o conceito de felicidade nascido na Grécia antiga, onde Tales considerava felizes as pessoas que fossem fisicamente fortes e sadias e que também tivessem alma evoluída e de sucesso.

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Segundo Corbi (2006), em seu artigo sobre os determinantes da felicidade em relação aos gregos de 2.400 anos atrás, embora sejamos muito mais saudáveis, tenhamos uma expectativa de vida muito maior, vivamos cercados de muito mais conforto e tecnologia e tenhamos acesso a um conhecimento científico muito superior, não sabemos muito a respeito da felicidade. Esta afirmação pode ser percebida na resposta do professor 18, abaixo, sobre o que entende por felicidade.

“Eu não sei! Acho que não se possa medir, mas eu acho que eu sou uma pessoa feliz”.

(Trecho da entrevista do professor 18)

Aristóteles (384-322 a.C.), em sua obra Ética a Nicômaco (2005), apresenta elementos importantes, classificados como virtudes, a serem seguidos pelos homens a fim de alcançar a felicidade. A felicidade, na abordagem aristotélica, é buscada como um fim em si próprio. Este fim em si próprio só é alcançado e transmitido às pessoas através do processo educativo. A educação é o veículo que conduz à formação de homens virtuosos, e assim, de pessoas felizes.

[...] de todos os bens, somente a felicidade constitui seu próprio fim, enquanto as outras são os meios para adquiri-la. De um ponto de vista pedagógico, é necessário assimilá-la ao bem supremo, pois sem ela a atividade humana seria vã (HOURDAKIS, 2001, p. 56-56).

Aristóteles compreende como virtude um hábito voluntário em uso, ou seja, se trata de algo resultante de uma atividade e de um exercício perseverante que se adquire com a prática. Desta forma, os meios e a vontade dos cidadãos são elementos que vão resultar na felicidade. Constrói-se um cidadão virtuoso, através do hábito, modificando os seus costumes. O veículo utilizado para essa transformação é a educação “que faz dos cidadãos homens de bem e põe as crianças no caminho certo” (HOURDAKIS, 2001, p. 69). Desta forma, a educação é a metodologia de ação de substituição da realidade, fornecendo ao homem a capacidade de moldar o seu mundo. Esta forma que o filósofo interage entre a educação e a felicidade é percebida no enunciado dos professores quando perguntamos o que o deixa mais feliz e esta relação entre a educação e a felicidade acaba ressoando nas falas.

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é saber que eu pude contribuir na vida de alguém! É ter não um reconhecimento, mas de vez em quando você escuta. Eu tenho muito alunos meus que ainda deixam depoimento pra mim: ‘aí, professora, eu ainda lembrei daquela coisa que a senhora ensinou na sala’. é você saber que alguma migalhinha você colocou na vida de alguém, seja na parte pedagógica, seja na parte emocional. E aí: ‘oh professora, estou tão bem, mais feliz’. Então você vê que, de alguma forma, você contribui para aquela pessoa, de alguma forma” (Trecho da entrevista do professor 08).

O filósofo também se coloca afirmando que o termo grego que provém da palavra educação está estreitamente ligado ao movimento de transportar, conduzir. Portanto, a educação, enquanto movimento, estabelece os regimes por meio da razão e dos hábitos. Esta função é utilizada para que os sujeitos possam ser educados e apresentem comportamentos distintos.

Aproximando do nosso campo empírico, travessamos o discurso dos professores e enxergamos um aluno virtuoso como aquele que apresenta sonhos e metas galgadas e em algumas situações alcançadas, através do processo educativo que vivenciaram. Participar deste processo de realização dos estudantes, para os professores, ressoa com satisfação, pois se sentem felizes, como ilustram os trechos anteriores e o abaixo.

“Eu posso dizer que eu gosto e me sinto feliz quando encontro alunos e que já está formando, já esta trabalhando, que já está bem encaminhado. Então, isso deixa a gente feliz, porque eu participei um pouco da formação da vida deles né?!” (Trecho da entrevista do professor 15).

Para Epicuro (2002), praticar ações que afastem as pessoas do medo e da dor, buscando o prazer que falta, constrói a felicidade do ser humano. Ressalta-se que, para o autor, prazer é “a ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma” (2002, p.43). Isso não desmerece que uma pessoa escolha a dor, tendo em vista as consequências o que prazer pode resultar futuramente. Ou seja, é possível que um indivíduo opte por sofrer em uma determinada situação agora, mas consciente que o prazer provocado pela dor mais à frente, seria maior. “Convém, portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios e dos danos” (2002, p.39).

Durante as entrevistas não verificamos nenhuma expressão dos professores referindo- se a dor consciente, na certeza que o prazer que venha posteriormente seja maior. Quando os

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Foi acrescentado a expressão “o que me deixa mais feliz” no depoimento do professor, para melhor compreensão do leitor.

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entrevistados se referem à dor, nos relatam como consequência de uma jornada de trabalho extensa ou sequelas causadas por acidente físico, mental ou emocional. As dores não são vistas pelos docentes como temporário, tampouco que vão trazer resultados mais prazerosos futuramente.

“Felicidade é ter paz em Cristo, só! Porque, embora eu possa estar passando por um vendaval, uma turbulência na vida, um pega-pra-capar violento, mas eu sei que eu tenho uma certeza, que eu vou chegar num lugar mais tranquilo, seguro com um conforto maior, que é Deus na minha vida”. (Trecho da entrevista do professor 23).

“Eu sou feliz porque eu tenho a convicção que a minha vida esta pautada na vontade de Deus”. (Trecho da entrevista do professor 03).

A convicção da felicidade na existência espiritual dos professores citados nos trechos acima, nos remete ao período da Idade Medieval, quando Santo Agostinho entende a busca da felicidade como a tarefa maior do homem. Fundador da filosofia cristã, neste período, vai exercer grande influência reinventando a relação do homem com a natureza, com Deus e com os demais seres humanos.

Embora suas teorias filosóficas se misturassem com as teológicas, a atitude investigadora de Santo Agostinho defendia a felicidade como o problema da motivação do pensar filosófico. Em seu livro A vida feliz (1998), afirma que o homem não tem razão para filosofar, o que procura é atingir a felicidade.

Em sua obra “Confissões” (1996), Santo Agostinho descreve como procurou alcançar a felicidade plena, pois se tratava não apenas de pensamentos filosóficos, mas de uma história de vida.

[...] Então, como Vos hei de procurar, Senhor? Quando Vos procuro, meu Deus, busco a vida Feliz. Procurar-Vos-ei, para que a minha alma viva. O meu corpo vive da minha alma e esta vive de Vós. Como procurar então a vida feliz? Não a alcançarei enquanto não exclamar. Basta, ei-la. Mas onde porei estas palavras? Como procurar essa felicidade? Como? Pela lembrança, como se a tivesse esquecido, e como se agora me recordasse de que me esqueci? (AGOSTINHO, 1996, p.279).

Assim, a felicidade, para Agostinho, consiste em um encontro pessoal com Deus, guiada pela trilha da razão. Através da sua experiência particular de beatitude, atinge uma teoria universal sobre felicidade: “A vida feliz em nos alegrarmos em Vós, de Vós e por Vós.

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Eis a vida feliz, e não há outra. Os que julgam que existe outra apegam-se a uma alegria que não é verdadeira. Contudo, a sua vontade jamais se afastará de alguma imagem de alegria” (AGOSTINHO, 1996, p.282). Essa posição perpassa os períodos da história da humanidade tornando Agostinho uma referência no período medieval, aproximando-nos dos discursos dos professores quando nos referimos a conceitos de felicidade.

Kant (2001), em sua obra “A crítica da razão pura”, afirma que a felicidade não passa de um ideal impossível de ser estabelecido, pois se baseia em sensações dependentes de desejos subjetivos, determinados por prazer e pela dor. Esse pensamento do filósofo conecta diretamente com algumas respostas dos professores à pergunta “pra você, o que é felicidade?”. Na filosofia Kantiana, a felicidade está ligada ao bem-estar, mais precisamente ao sentimento de prazer do sujeito, subjetivamente considerado. Encontramos discursos que se aproximam do pensamento de Kant e endossam a conexão do nosso objeto de estudo com a prática dos professores.

“Felicidade engloba muita coisa assim, aspecto físico, você estar bem fisicamente, bem de saúde, bem mentalmente, as condições sociais também, favorecendo tudo isso. Então é um conjunto, felicidade é um conjunto de realizações, de coisas que lhe tragam prazer” (Trecho

da entrevista do professor 05).

“Acredito que a felicidade ela tem uma relação direta com o bem-estar. Ser feliz é se sentir satisfeito é se sentir realizado né?! Eu me sinto também nesse sentido. Acho que felicidade é isso é estar bem consigo próprio” (Trecho da entrevista do professor 14).

Nessa perspectiva, a felicidade é impossível de ser estabelecida universalmente, tendo em vista os desejos subjetivos de cada ser humano, e ainda levando em consideração as sensações, dependentes dos desejos. A partir da sensibilidade, o homem só toma interesse por aquilo que lhe proporciona prazer. Este sentimento de prazer é perceptível no homem (é prático) e o conduz a buscar novas sensações prazerosas, que serão saciadas pelo objeto do desejo, servindo como árbitro das atitudes. Este efeito, para o filósofo, é meramente subjetivo e está restrito ao sujeito afetado.

Segue-se, pois, que a busca pela felicidade é inerente ao ser humano, já que tudo que se refere à felicidade conduz a uma inclinação que requer satisfação. Quando uma inclinação é satisfeita, temporariamente, se obtém uma espécie de contentamento, mas não a felicidade em sua completude. Tendo em vista que, para o homem sempre existirão infinidades de

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inclinações, ter a felicidade como meta na vida, será um projeto impossível de se realizar, pois a felicidade consiste na satisfação de todas as inclinações humanas.

Desta forma, segundo Kant (2001), os docentes da Escola de Referência do Ensino Médio Ginásio Pernambucano não encontram a felicidade plena. Mesmo 62% dos entrevistados afirmando que se sentem felizes, 38% se consideram felizes em parte, visando à satisfação de algumas inclinações que, até o momento da entrevista, não foram alcançadas. Esse sentimento de prazer, que segundo Kant é prático, nos remete a alguns trechos das entrevistas que ilustram essas inclinações dos professores. Selecionamos um que caracteriza com clareza a nossa referência.

“Porque assim, a felicidade, ela ocorre... pra cada um existe um tipo de felicidade, o que vai te fazer feliz, certo? o que pra mim, para o outro não é felicidade. Então, felicidade são momentos. É a gente refletir sobre o cotidiano, as pequenas coisas nos trás felicidade. Então, a felicidade de quando eu vejo um aluno, que muitas vezes não tinha o empenho tão bom, e ele se esforça, e ele procura mostrar o seu máximo, e isso me arrepia. E eles fazem: ‘arrepiou professora?’ Porque eu sou muito sensível e quando eles mostram aquela busca, daquela da criatividade, de fazer algo assim eu vejo o meu aluno crescendo, isso é felicidade. Na minha família ver todo mundo com saúde, isso também é felicidade, entendeu? Então sair para trabalhar é felicidade. Então, estar doente para eu pensar, refletir um pouquinho, não vou dizer que sou masoquista, mas vejo as adversidades como a busca da gente tornar essa felicidade maior, porque não ter caos, vira bonança. Então pra gente seguir aquela plenitude, né?! A gente precisa passar por dificuldades... minha felicidade tá no meu cotidiano mesmo. Não vejo assim “ahhhh aquela” não, o meu cotidiano é cheio de felicidade”. (Trecho da

entrevista do professor 29).

Essa reflexão Kantiana, de procurar satisfazer as sensações, dependentes dos desejos subjetivos converge com a reflexão do filósofo Comte-Sponville (2004), que, no livro A mais

bela historia da felicidade, define que a felicidade é algo particular. Para uns pode ser

encontrada na natureza, nos pequenos atos, o que pode não se encaixar na felicidade de outra pessoa. A felicidade é um ‘ideal’ que não pode ser prescrito como um remédio. Hoje, para grande maioria da população, a felicidade está ligada a conquistas ou experiências particulares.

“A felicidade, não tem felicidade completa. Existem momentos felizes. Mas esses momentos felizes a gente tem que aproveitar muito. E também tem que trabalhar, construir sempre pra poder conseguir a felicidade. E também não se ligar se conseguiu, se não conseguiu, deixa para trás e começa tudo de novo”. (Trecho da entrevista do professor 13).

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Discutir a felicidade como objeto de estudo, levanta uma série de questionamentos quanto à veracidade deste tema, tratado cientificamente. Portanto, nos remetemos a Layard (2008), que discute a felicidade como uma nova ciência em estudo, apresentando conceitos e pesquisas desenvolvidas recentemente. Para o autor, a felicidade é um sentimento que ocorre durante toda a vida desperta e pode ser sintetizado em se sentir bem. Em contraposto, a infelicidade é identificada na sensação de se sentir mal.

Pesquisas neurológicas, divulgadas no livro de Layard (2008), revelam que as boas sensações estimulam a parte frontal esquerda do cérebro e as más sensações, a parte frontal direita do cérebro, permitindo, desta forma, planificar uma medida natural da felicidade através da diferenciação dos lados direito e esquerdo. Com base nestes resultados o autor afirma que “quando falo em felicidade, refiro-me a se sentir bem – aproveitar a vida e desejar que essa sensação se mantenha. Quando falo em infelicidade, refiro-me a se sentir mal e desejar que as coisas fossem diferentes” (LAYARD, 2008, p.28). Esta forma de tratar a felicidade pode ser ilustrada no trecho abaixo, onde o bem-estar se aproxima do que realmente é a felicidade, mas situações podem acontecer que se afastem do estar bem e se aproximem da infelicidade.

“Felicidade é o bem-estar, você estar em paz com você mesmo. Não existe nada que, quando você se deite, diga: ’poxa vida estou com isso, com aquilo, me falta isso...’ É o meu estar bem. Eu acho que felicidade mesmo, você pode dizer eu estou feliz agora e mais tarde, alguma coisa lhe abater e ‘pou’, eu estou infeliz, né?! Eu acho que a felicidade é momentânea, vai de acordo com momento com o que está passando. Vamos supor eu recebi uma notícia, Deus me livre, que perdi meu pai, vou me achar a pessoa mais infeliz do mundo, né?! Mas é um conjunto”. (Trecho da entrevista do professor 10).

Quando perguntamos ou falamos se estamos felizes, corresponde à média tirada de uma série de momentos, do conjunto relatado pelo professor no trecho anterior. Essa média, para Layard (2008) se refere a uma ponderação da quantidade de momentos bons e momentos ruins da vida. Neste sentido, esclarecemos que, para o autor, não existe a possibilidade de uma pessoa se declarar feliz e infeliz ao mesmo tempo, os sentimentos positivos diminuem e os negativos aumentam como uma balança, ou vice-versa. Pois, “a felicidade começa onde a infelicidade termina”.

Os estudos de Layard (2008) trazem uma relevância para a nossa pesquisa, pois constatamos que sempre que os professores fazem referência à felicidade, se remetem a boas sensações, a satisfações de desejos, sonhos e realizações. Quando Epicuro (2002) debateu a

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dor momentânea, pensando no prazer maior, mais à frente, e relatamos que não encontramos nenhuma referência do nosso campo empírico a esta abordagem, concluímos que a dor, para os docentes, não se aproxima da felicidade, seja ela no momento ou em longo prazo. A dor, por sua vez, se aproxima da infelicidade e, desta forma, os estudos de Layard (2008) quantificam esta percepção.

Destarte, nos distanciamos do autor quando se trata da subjetivação da felicidade. Compreendemos que não é possível tratar de felicidade quantificando-a. Os desejos, anseios e sensações são sentimentos que ao nosso entender não podem ser mensurados. Sem embargo, acreditamos ser relevante para a discussão o ponto de vista da felicidade como ciência.

3.2–CAPITAL E CONSUMO

Na mira de averiguar os nossos pressupostos, tendo já trabalhado a felicidade segundo o discurso dos professores da instituição pesquisada, nos remetemos a alguns trechos das entrevistas que levantam a discussão a cerca dos salários dos docentes das Escolas Integrais.

Manacordas (1991), analisando a pedagogia moderna, afirma que o capital tende a transformar o trabalho para além das suas necessidades naturais, criando elementos que estimulem o seu consumo e a sua produção. Com os produtos apresentados sedutoramente, o indivíduo principia enxergá-los como fundamentais para sua vida, mesmo que o produto não seja utilizado para suprir suas carências primárias para sobrevivência, desaparecendo sua necessidade natural em sua forma imediata. Pois, no lugar da necessidade natural colocou-se uma necessidade historicamente desenvolvida.

O surgimento de novas necessidades é característico do capitalismo atual. Neste sentido, o capitalismo é definido por Lipovetsky (2007) em um sistema baseado na mudança dos métodos de produção, na descoberta de novos objetos de consumo e de novos mercados. Essa mutação do capitalismo se apresenta através das estratégias do marketing, que procuram novos produtos e mercados, transformando-os, sedutoramente. Esta realidade capitalista pode ser ilustrada com o trecho abaixo, onde o professor fala da importância do dinheiro para a manutenção do seu padrão de vida, que foi colocado no período do Centro Experimental, e, hoje, necessita obter outras fontes para manter o padrão estabelecido.

75 | “Mas como você precisa ter mais, um algo mais, para suprir aquele padrão de vida que você colocou, então há cinco anos, seis anos, o que eu tinha como padrão de vida, com aquele dinheiro e foi reduzindo, reduzindo... Hoje eu tenho que trabalhar mais e ter mais, mais... mais trabalho pra ter uma renda que não chega nem a ser metade do que eu ganhava há cinco anos”. (Trecho da entrevista do professor 20).

Não se trata, desta forma, de uma necessidade básica de sobrevivência, mas da manutenção de desejar e obter produtos do mercado que compõem o padrão de vida estabelecido, como afirma o professor. Corroborando com a discussão, Bauman (2001) afirma que, antes, o capitalismo estava solidificado com suas bases bem definidas e fixadas em mercadorias. Hoje, o capital viaja leve, demora em um lugar o tempo necessário para durar a satisfação e tende a ser obcecado por valores. Quanto maior a satisfação no produto, maior o desejo de consumir, independente do valor da mercadoria.

Destarte, a história do consumismo é a história da quebra de sucessivos obstáculos sólidos, substituídos pelos desejos, mais fluído e expansível. Assim sendo, o código da política de vida deriva do comprar, ir além de lugares, fora das lojas, dentro de casa, nos lazeres, nos sonhos, buscando novas receitas de vida, condicionando a nossa felicidade ao que somos, ou ao que deveríamos ser, se nos esforçássemos mais.

Nesta discussão junto com Bauman (2001), questionamos os professores sobre qual o seu maior sonho e, diante das respostas, analisamos um elevado número de professores que

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