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4. RECONFIGURAÇÃO FAMILIAR APÓS SEPARAÇÃO: “EU NUNCA DEIXEI DE

4.1 Feminismo e sua contribuição para a autonomia das mulheres

A Maluca canta alto! Liberdade é o que se quer!!!

No Comuna samba homem com homem Também mulher com mulher

Sou santa, sou puta, sou filha da luta Machismo é porrada e piada sutil

Lugar de mulher é... é onde ela quiser! E no Comuna Que Pariu!38

O movimento feminista foi um dos mais importantes do século XX, travando lutas por direitos igualitários no mercado de trabalho, na educação e na participação na política. No Brasil o movimento feminista vem crescendo e tendo conquistas nessas esferas. Mas, isso é apenas o início das lutas das mulheres contra as diversas formas de opressão e dominação.

Bandeira e Melo (2010, p. 8 apud Gregori, 2017, p. 48):

O movimento feminista nasceu das lutas coletivas das mulheres contra o sexismo, contra as condições de aversão e inferiorização do feminino, transformadas em práticas rotineiras de subordinação. A partir do feminismo, se constituiu como uma poderosa estratégia para desconstrução da estrutura patriarcal e de desigualdades que foram historicamente estabelecidas na sociedade.

Esse movimento cresce, pois juntas as mulheres perceberam que tem mais força para lutar por direitos que historicamente lhes foram negados. Nos anos 1980, o movimento engloba na sua luta as questões relativas ao corpo, ao desejo, à sexualidade e à saúde. O movimento feminista um dos mais fortes do Brasil, bem organizado desde os pequenos encontros nas diversas comunidades rurais e na zona urbana, até os grandes eventos onde reivindicam por direito. Como exemplos disso temos a Marcha das Margaridas39 (2000, 2003, 2007, 2011 e 2015), os vários acampamentos e mobilizações do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), das mulheres do MST e tantos outros. A esse propósito Rago (2003), escreve:

As feministas passavam a feminizar-se valorizando a linguagem feminina, os atributos e os temas femininos, o que significava mais do que um simples

38

Trecho da música “Lugar de mulher é... é onde ela quiser!!!” Cantora: Nina Rosa. 2015. Disponível em: https://soundcloud.com/comunaquepariu/comuna-que-pariu-2015-lugar-de-mulher-e-e-onde-ela-quiser

39 A Marcha das Margaridas é uma ação estratégica das mulheres do campo e da floresta que integra a agenda

permanente do Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR) e de movimentos feministas e de mulheres. Realizada a partir de 2000, tem revelado grande capacidade de mobilização e organização. Pelo caráter formativo, de denúncia e pressão, mas também de proposição, diálogo e negociação política com o governo federal, tornou-se amplamente reconhecida como a maior e mais efetiva ação das mulheres da América Latina. Disponível em: http://fetase.org.br/mobilizacoes/marcha-das-margaridas/. Acessado em 13 de junho de 2019. Em 2000, sob o lema “2000 Razões Para Marchar: Contra a Fome, a Pobreza e a Violência Sexista”, éramos 20 mil mulheres. Em 2003, éramos 40 mil mulheres dizendo “2003 Razões Para Marchar Contra a Fome, a Pobreza e a Violência Sexista”. “2007 Razões Para Marchar Contra a Fome, a Pobreza e a Violência Sexista” foi cantado por 70 mil mulheres em 2007. E, em 2011, já eram 100 mil mulheres com “2011 Razões Para Marchar por Desenvolvimento Sustentável com Justiça, Autonomia, Igualdade e

Lliberdade”. Disponível em:

http://www.contag.org.br/imagens/f24537_contag_livreto_marcha_2015_210x297_final-1.pdf. Acessado e 30 de junho de 2019. Em 2015 segue o lema “Margaridas seguem em Marcha por Desenvolvimento Sustentável com Democracia, Justiça, Autonomia, Igualdade e Liberdade”. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Marcha_das_Margaridas. Acessado em Acessado e 30 de junho de 2019.

retorno aos seus valores próprios, um alargamento do campo conceitual, através do qual teciam suas críticas à sociedade patriarcal capitalista, revelando suas armadilhas e limitações. Mais do que nunca, passaram a pensar em si mesmas sob uma ótica própria, dando visibilidade ao que antes fora escondido e recusado, o que inevitavelmente levou a uma radicalização da potencialidade transformadora da cultura feminista em contato com o mundo masculino. Tratava-se, então, não mais de recusar o universo feminino, mas de incorporá-lo renovadamente na esfera pública, o que se traduziu ainda por forçar um alargamento e uma democratização desse mesmo espaço.

A autora alega que depois que as mulheres passaram a se conhecer e a se valorizar como mulheres, elas deixaram de rejeitar o mundo feminino e passou a aderir fortalecendo ainda mais esse movimento. Em Daflon (2019), vamos encontrar o seguinte esclarecimento: “A ideia que predomina é que o feminismo deve se ocupar das diversas opressões existentes na sociedade, pois não existe uma experiência única capaz de organizar a luta política”.

Nosso país é formado por vários povos e com ele sua cultura. Então, segundo a autora, o feminismo procura alcançar todos esses espaços da sociedade, pois o que o movimento busca é mostrar as mulheres sua valorização e que juntas são mais fortes para buscar por direitos, alguns comuns, e outros com suas especificidades. Com isso o movimento consegue se organizar de forma objetiva, alcançando o máximo de mulheres possível.

Do mesmo modo, Rago (2003) acrescenta:

O distanciamento do discurso marxista-masculino, por sua vez, facilitou a incorporação de temas tabus como os referentes às emoções, ou à moda e, por conseguinte, a procura de novos conceitos capazes de enunciá-los e interpretá-los. Estes foram buscados, sobretudo, no campo conceitual que vinha sendo proposto pelas correntes do pensamento pós-moderno, a exemplo do conceito de “desconstrução” de Derrida, ou das noções de “poder disciplinar” e de “subjetivação”, trabalhadas por Foucault.

Não podemos negar que o movimento feminista quebrou muitos tabus que antes eram intocados, que aos poucos foram sendo incorporados em seus critérios de lutas, sendo uma delas a questão de gênero. Como afirma Matos (1998): “Sem dúvida, a categoria gênero reivindica para si um território específico, em face da insuficiência dos corpos teóricos existentes para explicar a persistência da desigualdade entre mulheres e homens”.

A luta por igualdade de gênero prioriza em sua luta o reconhecimento e a valorização da mulher, onde percebemos a persistências, nas narrativas, das desigualdades entre as mulheres e os homens em vários espaços. Por essa razão que constantemente é necessário que se estabeleça um espaço teórico forte que denuncie essa desigualdade. Como afirma Rago

(1998): “As mulheres reivindicam a construção de uma nova linguagem, que revele a marca específica do olhar e da experiência cultural e historicamente constituída de si mesmas”.

Certamente as mulheres buscam uma nova forma de linguagem, pois não basta debater sobre a dominação masculina, mas é preciso buscar nos aprofundar nos debates que fortaleçam a importância das nossas práticas do passado e nossa luta no presente, para assim valorizar a experiência cultural de cada mulher.

Para Rago (1998. p. 93), “A superação da lógica binária contida na proposta da análise relacional do gênero, nessa direção, é fundamental para que se construa um novo olhar aberto às diferenças”. A autora nos aponta a importância da superação dessa lógica binária e o quanto a categoria gênero contribuiu para que essa lógica seja repensada, reconhecendo que somos diferentes e que temos o direito de escolhas e que essas escolhas sejam respeitadas.

Nossas colaboradoras nos contam um pouco de sua trajetória no movimento feminista:

Eu faço parte do grupo de mulher da Marcha Mundial. Aí eu vou quando tem encontro, assim, de dois dias. A gente também tem as viagens pra Brasília, São Paulo, que a gente vai e passa de semana. Já fomo [fomos] uma vez passamos vinte dias, em 2010, na Marcha Mundial das mulheres. (Margarida, 2018).

É um diferencial a participação das mulheres nesses eventos em prol da lutar por direitos negados, não só no Brasil com a Marcha das Margaridas, mas também a nível mundial com a Marcha Mundial das Mulheres, buscando igualdade de gênero, igualdade econômica e social entre os povos. Percebemos durante nosso trabalho o quanto participar de um movimento assim tem sido importante. Santos (2012) afirma: “Hoje elas têm direitos a benefícios de previdência social, incluindo licença maternidade, mas ainda existe muito a conquistar quando nos referimos aos direitos reprodutivos e o fim da violência contra a mulher”. Todos esses conseguidos através de lutas, porém, perdidos após o governo de Michel Temer (2016- 2018) e Bolsonaro (2019)40

Bromélia (2019) fala de sua experiência:

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Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia, o ultraliberal Paulo Guedes, apresentam uma reforma da Previdência que é ainda pior, para a classe trabalhadora, do que aquela que foi defendida pelo governo Michel Temer. As discussões continuam no Senado e na Câmara Federal, este que no dia 07 de agosto de 2019 rejeitou oito destaques apresentados ao Texto Base. Entre tantas coisas, a nova proposta irá dificultar o recebimento de aposentadoria pelos brasileiros menos qualificados, possui um tempo ainda mais curto de transição, prejudica e muito as mulheres e corta benefícios para idosos de baixa renda. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/07/politica/1565185118_005147.html; https://g1.globo.com/politica/ao- vivo/reforma-da-previdencia-votacao-do-2-turno-na-camara.ghtml Acessado em: 07 de Agosto de 2019.

Sempre eu participei, desde quando morava no sítio Retiro que eu gostava de participar, e quando cheguei aqui também fui logo entrando no grupo. (...) Ajuda, ajuda e muito, porque tem coisa que a gente nem imagina e nem conhecia, né? E com as palestras que a gente vai, já vai se entrosando mais, e se conhecendo e vai tendo experiências, porque às vezes pensamos que só quem passa por dificuldade é a gente. E nesses encontros a gente percebe que não somos e nem estamos sozinhas. É nesse momento que percebemos cada um com seus problemas, mas juntas procuramos soluções. (Bromélia, 2019)

Pertencer a um grupo e se sentir acolhida é um desejo de algumas mulheres, que em muitos casos não se sentem em seus lares. Esses espaços possibilitam as mulheres a informação e a reflexão de pautas vivenciadas por elas; o acolhimento do movimento feminista é muito importante para essas mulheres, é um momento de troca onde buscam ser ouvidas, onde aprendem que juntas podem superar qualquer dificuldade, e em alguns casos renova a autoestima perdida por muitas.

No P. A. Nova Vida as mulheres estão organizadas em grupo desde 2006, com a necessidade de organização das mesmas na comunidade iniciando com três mulheres que participaram de alguns encontros em Mossoró através da associação dos trabalhadores/as rurais e do sindicato dos trabalhadores/as rurais do município. Depois desses encontros formaram um grupo pequeno, pois muitas mulheres não desejavam participar.41 Aos poucos, com incentivo de projetos e programas de créditos, como o Pronaf mulher que necessitava da organização de um grupo de mulheres articulado, o grupo denominado inicialmente como Margarida Alves, começou a aumentar o número de suas integrantes. Depois, com assessoria do Centro Feminista 8 de Março,42 Mudou de nome para Unidas Venceremos. A partir disso, o grupo se fortaleceu e se tornou participante assíduo da Marcha das Margaridas e da Marcha Mundial das Mulheres.

Em outro depoimento sobre a importância do movimento feminista, Orquídea (2019) relata:

Minha autodefesa veio do movimento social sim, das reuniões que eu participava. Quando eu passei a entender o que era o feminismo, que o feminismo não era querer ser dona nem dar ordens a ninguém, tem que ser

41

Ao mesmo tempo em que vivemos um momento histórico de debates e reivindicações, percebe-se uma verdadeira aversão ao feminismo, para muitos/as E as feministas, por sua vez, acabaram associadas a uma imagem agressiva e briguenta, de quem faz “mimimi para tudo”. Isso dificulta as mulheres se reconhecerem como feministas.

42

O Centro Feminista 8 de Março (CF8) é uma Organização Não-Governamental que surgiu em março de 1993 a partir de ações voltadas à reivindicação da instalação da Delegacia Especializada em Defesa da Mulher (DEAM), em Mossoró/RN. Essa intersecção visava sensibilizar a sociedade ante a problemática da violência contra a mulher, principalmente, no sentido de garantir às mulheres a incorporação, no seu cotidiano, de elementos de identificação, denúncia e combate à violência sexista. Disponível em: https://centrofeminista.com/. Acessado em: 01 de agosto de 2019.

igual, ter os mesmos direitos, não é querer ser melhor ou pior, é ser igual, né? E aí a questão da economia solidária, isso também me trouxe, muita, uma certa autonomia maior, porque eu tinha uma imensidão de coisas no meu quintal que eu não aproveitava e hoje eu aproveito do (sic) hortelã a manga. Eu aprendi a fazer doces, eu aprendi a fazer muita coisa, eu sempre fui muito curiosa.

Identificando-se como curiosa, Orquídea destaca que sem sua participação no movimento social, a essa curiosidade não levaria a conhecer seus direitos e perceber o potencial do seu quintal, a autonomia e a força que poderia desempenhar. Após ingressar nos movimentos feministas muitas mulheres conhecem seus direitos, e não só seus deveres; descobrem um novo horizonte onde não estão sozinhas. Além disso, com diversas formações e encontro de intercâmbios proporcionados pelo movimento feminista, as mulheres aprendem a lidar e a valorizar os produtos cultivados no seu quintal, na sua casa.

Segundo Maronhas, Schottz e Cardoso (1014):

Ao refletir sobre suas experiências, muitas mulheres perceberam que há uma enorme desvalorização do seu trabalho por parte dos maridos e também da própria comunidade, que enxergam as suas iniciativas de organizar-se em grupos produtivos como “perda de tempo” ou “invenção de moda” de quem “não tem nada pra fazer”.

Na comunidade pesquisada, o grupo de mulheres ainda é visto como “perda de tempo” pela maiorias dos esposos e de algumas mulheres que não consegem ainda romper, com a educação sexista que receberam. Observamos que a partir dessa organização percebem-se mais fortes para lutar por sua liberdade e seus direitos. E que quando estão enfrentando juntas alguns problemas, as soluções ficam mais possíveis.

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