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Durante a década de 1990, o movimento feminista brasileiro passa por uma nova transformação caracterizada pela profissionalização do feminismo mediante às ONGs de mulheres. De acordo com Sonia Alvarez, o termo ONG feminista designa determinados grupos com práticas distintas daqueles dos grupos feministas históricos dos anos 1970 e início

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Ibid., p. 9 & Ortiz, op.cit., p.30.

125 COSTA, Ana Maria. Desenvolvimento e Implantação do PAISM no Brasil. IN: GIFFIN, Karen & COSTA,

Sarah H. Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999, p.327.

126 Monteiro & Villela, op.cit., p.21. 127

dos 1980. Essas distinções entre as ONGs e o movimento feminista se fundamentaram, sobretudo, na seguinte questão: enquanto que as feministas não contavam com uma estrutura burocrática e profissional de atuação, as ativistas das ONGs contam com equipes de especialistas, assalariadas e, às vezes, compostas por um grupo limitado de voluntárias que recebem recursos de agências bilaterais e multilaterais, como a OPAS e de fundações privadas como a Fundação Ford . 128

Para a antropóloga Leilah Landim, o termo ONG, que se disseminou pelo país a partir da década de 1980, nasceu como uma categoria socialmente construída e utilizada para definir um conjunto de entidades com características específicas, reconhecidas por seus agentes, pela opinião pública ou pelo senso comum129. Para a autora a formatação atual das ONGs remonta aos anos do regime militar no país:

As ONGs constróem-se e se consolidam na medida em que se constrói e se fortalece um amplo e diversificado campo de associações civis, a partir, sobretudo dos anos 70 – processo que caminha em progressão geométrica pelas décadas de 80 e 90 (...) (Landim, 1993, p.43).

Ainda de acordo com Landim, essas organizações no Brasil nascem próximas às igrejas cristãs e aos movimentos comunitários e de bairros em fins da década de 1960. Porém, no decorrer das décadas de 1970 e 1980, as ONGs se renovam, ganham novos atores, questões e trajetórias. É nesse momento que tais organizações ligam-se a alguns movimentos sociais brasileiros, tais como: ambientalistas, indígenas, homossexuais, negro, feminista, etc. Para Leilah:

Essa pluralidade de atuação indica tendências que se foram afirmando, sobretudo, através da segunda metade dos anos 80, com o crescimento na sociedade brasileira de novos movimentos sociais e sujeitos coletivos. As

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ALVAREZ, S.E. A “Globalização” dos femininos latino-americanos: tendências dos anos 90 e desafios para o novo milênio. IN: ALVAREZ, S.E.; DAGNINO, E.; ESCOBAR, A (Edt). Cultura e Política nos movimentos sociais latino-americanos – novas leituras. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, p.403.

129 LANDIM, Leilah. A Invenção das ONGs - do serviço invisível à profissão sem nome. Tese de Doutorado,

ONGs ao mesmo tempo refletem esse processo e representam um papel, através de sua intervenção, na construção desses movimentos e grupos sociais diversificados (Landim, 1993, p.43).

De acordo com Alvarez, a institucionalização do movimento de mulheres em ONGs ocorreu porque as questões ligadas ao gênero e as mulheres ganharam espaço na esfera pública e política durante a década de 1990 no país, devido essencialmente aos preparativos brasileiros à Quarta Conferência Mundial de Mulheres no ano de 1995 em Beijing. Segundo autora: “Beijing trouxe à luz a absorção relativamente rápida de elementos (os mais digeríveis) dos discursos e agendas feministas pelas instituições culturais dominantes, organizações paralelas da sociedade civil, da sociedade política e do Estado”130. Além desse fator, como o governo

não conseguiu atender a crescente profissionalização e especialização das feministas, as organizações não governamentais surgiram para suprir essa lacuna131. Também em relação a essa questão, Maria da Glória Gohn coloca que: “(...) as ONGs criadas e coordenadas por mulheres multiplicaram-se em todas as classes e camadas sociais e foram tornando-se a forma de representação predominante das mulheres no Brasil”.132

É importante colocar ainda que o contexto internacional do período contribuiu ao surgimento das ONGs no Brasil. Durante a década de 1990, a ONU organizou Conferências Mundiais133, em que se debateram questões como o crescimento populacional, o meio ambiente e ações em defesa das mulheres. Mulheres de diferentes países realizaram reuniões preparatórias e atuaram de maneira significativa nesses eventos. As ONGs feministas tiveram papel de destaque nesse contexto, pois fundamentaram a participação das mulheres brasileiras, principalmente na Conferência Sobre População e Desenvolvimento no Cairo em 1994 e na IV Conferência Mundial Sobre a Mulher em Beijing, 1995134.

130 Alvarez, op.cit., p.384. 131 ibid., p.385.

132 Gohn,op.cit.,p.52. 133

Tais Conferências Mundiais ocorridas na década de 1990 foram: a Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), a Conferência de Direitos Humanos (Viena-93), a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento no Cairo (1994) e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher em Beijing no ano de 1995. Abordarei melhor essas Conferências no terceiro capítulo da dissertação.

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Inúmeras foram as ONGs que se espalharam pelo país na década de 1990. Tais grupos se reuniam em torno das mais variadas identidades. Nesse sentido, existiam ONGs das mulheres rurais, mulheres portadoras de HIV, mulheres parlamentares, lésbicas, prostitutas, entre outros grupos. Inclusive, grupos de mulheres negras se organizaram no formato de Ongs, tais como: Geledés, Criola, Fala Preta! entre outros135. Segundo Alvarez, as Ongs provocaram tensões dentro do movimento feminista, pois essas novas organizações, que recebem financiamentos externos e contam com profissionais especializados, acabaram se tornando líderes do movimento de mulheres136. Mesmo enfrentando resistências por parte de algumas feministas, essas organizações vingaram e, do fim da década de 1990 até o inicio do século XXI, foram a forma privilegiada do movimento feminista se organizar e atuar no cenário nacional.