• Nenhum resultado encontrado

Para entender melhor o desenvolvimento do “feminismo negro” no Brasil, cabe identificar as lideranças negras, de onde vieram, onde atuam, quais são seus objetivos, etc. O perfil das “feministas negras” é constituído por mulheres, em geral na faixa dos 50 anos, a maioria com nível superior na área das Ciências humanas e com Pós-Graduação em nível de mestrado e doutorado. Em relação à origem social, fazem parte de uma classe média emergente. A grande maioria é proveniente de famílias pobres, porém ascenderam socialmente principalmente devido à formação escolar aliada a experiência profissional237.

Elas conseguiram ao longo de sua mobilização política transitar por diferentes esferas nacionais e internacionais, aprenderam – devido a participação em reuniões, eventos e congressos - a se articular a nível local e global e a negociar políticas e ações com pessoas, instituições e agências dos mais variados graus. O militante negro, Ivair dos Santos – que em 2001 atuava no Ministério da Justiça e era membro do Comitê Executivo Brasileiro responsável pela organização do Brasil à III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas Mundial (Durban, África do Sul)-, ressaltou o importante papel que as ativistas negras desempenham no país. Santos afirmou que estas mulheres no decorrer de sua militância política alcançaram um amplo poder de circulação e atuação, ora participando de eventos nacionais e internacionais, ora exercendo cargos nas esferas governamentais e nas agências internacionais, espaços em que os militantes negros, inclusive ele, não transitaram tão facilmente238.

Dentre as “feministas negras”, destacarei os principais aspectos da trajetória política e profissional de lideranças atuantes, entre os anos de 1975 a 1996, tais como: Lélia Gonzáles, Fátima Oliveira, Edna Roland, Sueli Carneiro, Luiza Bairros, Jurema Werneck, Matilde Ribeiro, Wânia Sant’Anna e Fernanda Lopes. Estas mulheres protagonizaram as ações que

237 Lemos, op.cit.,p. 25; Moreira, op.cit.,p.17; Contins, op.cit.,p.7-10. 238

HTUN, Mala. From “Racial democracy” to affirmative action. Changing State Policy on Race in Brazil. Latin American Research Review, vol. 39, nº 1,2004, p.79; SANTOS, Márcio de O. A Persistência Política dos Movimentos Negros: processo de mobilização para a 3 conferência mundial contra o racismo. 2005. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), 2005.

conformaram o “feminismo negro” e conseguiram, mediante seu ativismo, dar visibilidade, tanto a nível nacional quanto internacional, às temáticas e particularidades que cercam as mulheres negras no Brasil.

Lélia Gonzáles (1935-1994), foi uma das precursoras do “feminismo negro” no país. Graduada em História e Filosofia, lecionou entre as décadas de 1970 a 1990 em universidades brasileiras, tais como a Puc-Rio, e organizou um dos primeiros grupos de mulheres negras no país: o Nzinga-Coletivo de Mulheres Negras. Participou da fundação do Movimento Negro Unificado e do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN). Ela foi uma das editoras do jornal “Mulherio” (1981-1989), introduzindo no periódico questões relativas às mulheres negras .239. Em seus artigos preocupou-se, por um lado, em analisar a situação da mulher negra no mercado de trabalho e, por outro em valorizar a cultura e a tradição da população negra no país240.

A maranhense Fátima Oliveira graduou-se em medicina e foi diretora da Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos. Iniciou sua militância política, na década de 1970, no movimento de mulheres no Brasil. Foi integrante ainda da Comissão de Cidadania e Reprodução e da União Brasileira de Mulheres; conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher; integrante efetiva do Comitê de Especialistas em Bioética e Biodireito da Universidade de Alfenas (MG) e coordenadora da Rede de Informação sobre Bioética: bioética & teoria. É autora de vários livros, entre os quais: “Saúde da População Negra no Brasil”, patrocinado pela OPAS em 2001241.

A psicóloga Edna Roland é presidente da ONG paulista Fala Preta! Organização de Mulheres Negras, além disso, foi fundadora do Bloco Afro Alafiá, do Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo e do Geledés-Instituto da Mulher Negra. Em 1993, foi

239 Informações extraídas do site http://www.leliagonzalez.org.br/ Acesso em 11/12/2008; BARRETO, Raquel de

A. B. Enegrecendo o feminismo ou feminizando a raça: narrativas de libertação em Angela Davis e Lélia Gonzáles. 2005, 128 f. Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura). PUC/RIO, Rio de Janeiro, 2005, p.25-30.

240 Os artigos escritos por Gonzáles no “Mulherio” foram: Democracia racial? Nada disso, nº 4,

novembro/dezembro de 1981, p. 3; Pesquisa realizada por Lélia Gonzáles que mostra a situação desigual das mulheres negras no mercado de trabalho, nº 3, setembro/outubro de 1981, p.9; De Palmares às escolas de samba, tamos aí, nº 5, jan/fev de 1982, p.3; Beleza negra ou: ora- yê-yê, nº 6, abril de 1982, p.3; E a trabalhadora negra cumé que fica?, nº 7, maio/junho de 1982, p.9.

241 OLIVEIRA, F. Saúde da População Negra. Brasil: Ano 2001. Brasília: Opas, 2003. 344 p. CARNEIRO,

Aparecida Sueli. Fátima Oliveira (capítulo 7). IN: “A construção do outro como não-ser como fundamento do ser”. Tese apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação na USP. São Paulo, 2005.

responsável pela realização do Seminário Políticas e Direitos Reprodutivos das Mulheres Negras em Itapecerica da Serra (SP). Roland participou ativamente de todo o processo de organização nacional das mulheres negras brasileiras: Encontro Estadual de Mulheres Negras (1984), I (1988), II (1991) e III (2001) Encontros Nacionais, Seminários Nacionais de Atibaia (1993) e Salvador (1994), Reuniões Nacionais de Campinas (1997) e Belo Horizonte (1997), sendo uma das intelectuais mais atuantes do movimento. Na Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata em 2001, Durban (África do Sul), Edna foi escolhida Relatora Geral242.

Aparecida Sueli Carneiro é formada em Filosofia e, foi uma das fundadoras da ONG Geledés-Instituto da Mulher Negra, a qual coordena até os dias de hoje. No Geledés criou um programa de saúde voltado para atender as especificidades que cercam a saúde das mulheres negras. É autora de textos que discorrem principalmente acerca da mulher negra, relações raciais no país e saúde da mulher negra. Participou do Conselho Editorial da Revista Estudos Feministas e foi membro do Conselho Consultivo do CFEMEA (Centro Feminista de Estudos e Assessoria)243.

A socióloga Luiza Bairros é ativista do movimento negro. É ex-coordenadora do Movimento Negro Unificado da Bahia e ex-coordenadora do Programa de combate ao racismo institucional do PNUD. Atualmente coordena a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do estado da Bahia.244

Jurema Werneck formou-se em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (RJ) e desde 1993 dirige a ONG carioca Criola. Foi co-autora do livro: “A Saúde das Mulheres Negras: nossos passos vêm de longe”. Coordenou projetos de saúde da mulher negra, tais como: a Campanha Nacional Contra Esterilização em Massa das Mulheres no início da década de 1990. Além disso, foi integrante do grupo consultor do Workshop Saúde da População Negra, organizado por OPAS/ PNUD (2001), do Comitê Consultivo sobre Saúde da População

242 Informações extraídos do site http://www.mundonegro.com.br/ Portal de notícias da comunidade “afro-

brasileira”. Acesso em 11/12/2008.

243 Informações extraídas do currículo Lattes de Sueli Carneiro. Acesso em 11/12/2008.

http://lattes.cnpq.br/7678739683880251

244 Informações extraídas do site www.universia.com.br . Site de informações e serviços universitários. Acesso

Negra do DFID (2002-2006) e do Comitê Técnico de Saúde da População Negra do Ministério da Saúde (2004 até o momento)245.

A assistente social e psicóloga Matilde Ribeiro, desde fins da década de 1970 é militante do movimento negro, de mulheres e feminista. Esteve entre os fundadores do SOWETO Organização Negra, em São Paulo. Atuou no Fórum de Mulheres Paulistas e Brasileiras e no Movimento Nacional de Mulheres Negras. Filiada ao PT, foi integrante da primeira gestão da Secretaria Nacional de Combate ao Racismo do Partido dos Trabalhadores. Foi nomeada Ministra Chefe da SEPPIR - Secretaria Especial para Políticas de Promoção da Igualdade Racial pelo Presidente Lula, cargo que ocupou entre os anos de 2003 e 2008.246

A historiadora Wânia Sant’Anna atuou nas décadas de 1970 e 1980 tanto no movimento feminista, quanto no movimento negro. Wânia pesquisa acerca das questões raciais no Brasil e é professora de Relações Internacionais da Universidade Estácio de Sá (RJ). Foi conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (1999-2003) e ex-secretária de Estado de Direitos Humanos e Penitenciário do Rio de Janeiro247.

Fernanda Lopes tem mestrado e doutorado em Saúde Pública pela USP. Foi coordenadora das ações de saúde do Programa de Combate ao Racismo Institucional do Sistema das Nações Unidas no Brasil (PNUD). Foi Conselheira Nacional de Saúde. É pesquisadora do Núcleo de Estudos para a Prevenção de Aids da Universidade de São Paulo, atuando principalmente nos seguintes temas: vulnerabilidade, HIV/AIDS, combate ao racismo, raça/etnia e saúde, direitos humanos, mulheres, iniquidades em saúde, políticas publicas de saúde. Atualmente é ainda membro do Comitê Técnico de Saúde da População Negra do Ministério da Saúde e Oficial de Programa em Saúde Reprodutiva e Direitos do Fundo de População das nações Unidas - UNFPA Brasil248.

A breve trajetória das militantes descrita acima revela que representantes de grupos de mulheres negras ocuparam secretarias de governo; elaboraram programas governamentais voltados à população negra; lecionaram em universidades públicas e privadas; presidiram

245 Informações extraídas do currículo Lattes de Jurema Pinto Werneck. Acesso em 11/12/2008.

http://lattes.cnpq.br/7035304554882361

246

Informações extraídas do Portal Afro http:// www.portalafro.com.br/entidades/falapreta6/matilderibeiro.htm Acesso em 11/12/2008.

247 Brazil & Schumaher, op.cit.,p.352.

248 Informações extraídas do currículo lattes de Fernanda Lopes. Acesso em 29/05/2009.

entidades como a Fundação Cultural Palmares e conselhos, como o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher; assumiram coordenadorias em organismos internacionais, no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Brasil (PNUD); conseguiram financiamento de agências internacionais às suas ações; representaram o país em conferências internacionais, a exemplo da III Conferência Mundial contra o Racismo na África do Sul e foram nomeadas para importantes funções públicas como no caso do cargo de ministra-chefe da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil.249 Enfim, essas ativistas negras, vinculadas tanto ao movimento negro quanto ao feminista, desde o início da década de 1980 até meados da década de 1990, galgaram importantes posições no espaço político nacional.