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Como vimos anteriormente, a pesquisadora Elza Berquó do Núcleo de Estudos de População (NEPO), foi pioneira em estudos e pesquisas acerca da saúde reprodutiva da mulher negra no Brasil. Em 1994, Berquó publicou um artigo – baseado nos resultados da pesquisa Saúde Reprodutiva da Mulher Negra patrocinada pelo CEBRAP486 em 1992 - na qual discorre

acerca das possíveis diferenças estatísticas na prática da esterilização cirúrgica entre mulheres brancas e negras durante as décadas de 1980 e 1990 Brasil487. Para embasar seu trabalho, a pesquisadora analisou 1026 mulheres entre 15 e 50 anos, metade negra (pretas + pardas) e metade branca no estado de São Paulo488. Logo de início, Berquó aponta que um fator que agrava de forma significativa a saúde reprodutiva das mulheres é sua condição social, visto que as mulheres mais pobres acabam não usufruindo um serviço de saúde de qualidade489.

Ao final de sua pesquisa, Berquó concluiu não haver, no estado de São Paulo na época, diferenciais entre a prática da esterilização cirúrgica nas mulheres brancas e negras:

(...) Concentramos nossa atenção na esterilização. Neste sentido, é importante notar que não encontramos diferenças significativas entre

negras e brancas, mesmo quando se controla esta prática por nível de

escolaridade e renda mensal per capita. (Berquó, 1994, p.23, grifos meus).

484

Depoimento de Ana Maria Costa, op.cit., fita 2; Congresso Nacional, op.cit., p.122-125.

485 A Lei 9263, de 1996, também estabeleceu uma série de punições àqueles que realizassem a esterilização de

forma irregular, tais como: reclusão, de dois a oito anos, e multa, se a prática não constituísse crime mais grave485.BRASIL. Ministério da Saúde. Lei nº 9263 de 12 de janeiro de 1996, que dispõe acerca da prática da

esterilização cirúrgica no país.

486

Centro Brasileiro de Análise e Planejamento/SP.

487 BERQUÓ, Elza. Esterilização e Raça em São Paulo. Revista brasileira de Estudos Populacionais. Campinas,

v.11, n.1, p. 19-26, 1994.

488 ibid.,p.21. 489

Saliento que esta pesquisa de Berquó, realizada no ano de 1994, reiterou a sua posição na CPMI de esterilização de 1993. Como vimos, naquela ocasião, Berquó não citou em seu depoimento a questão étnica ou racial, demonstrando que, em sua visão, não havia uma maior incidência da esterilização cirúrgica sobre as mulheres negras na época.

O professor da PUC-MG André Caetano Junqueira pesquisou a relação entre a prática da esterilização no Brasil tomando como variável privilegiada a cor da pele. Em contraposição a pesquisadora Elza Berquó, Caetano apresentou diferenciais nas distintas categorias da variável cor/raça sobre o risco da esterilização490. Junqueira analisou, sobretudo, o 4º capítulo da Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde relativo à anticoncepção no Brasil na década de 1990.

O principal fato constatado por Caetano foi que as desvantagens sócio-econômicas das mulheres pretas e pardas refletem-se diretamente na saúde das mesmas. Como a maior parte das mulheres pretas e pardas dependem dos serviços públicos de saúde - onde a oferta de métodos contraceptivos é precária – grande parte dessas mulheres acabam sendo, mesmo que involuntariamente, induzidas a realizar a esterilização cirúrgica durante o parto cesáreo:

(...) A inexistência de um serviço efetivo voltado para a saúde da mulher (...) engendrou fenômenos desordenados e imprevisíveis, tais como a difusão da esterilização (...) essa situação afetou principalmente aquelas mulheres que têm possibilidades pobres de conhecer, optar e obter o método de preferência (...) se é esse o caso, as mulheres negras [pretas e pardas] sempre foram as mais vulneráveis (Caetano, 2004, p.236).

Caetano, assim como Berquó, afirmou que a condição social repercute sobre a saúde das mulheres. Entretanto, diferentemente de Berquó, o autor enfatizou que devido as piores condições sócio-econômicas das mulheres pretas e pardas em relação as brancas, as primeiras eram mais atingidas pelos efeitos negativos da prática desregrada da esterilização cirúrgica no Brasil.

490 CAETANO, A.J. A Relação entre Cor da Pele/Raça e Esterilização no Brasil: análise dos dados da pesquisa

nacional sobre demografia e saúde – 1996. In: MONTEIRO, Simone.; Sansone, Lívio. (orgs.) Etnicidade na América Latina: um debate sobre raça, saúde e direitos reprodutivos. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz. 2004, p. 229- 40. Este estudo de Caetano foi baseado em sua tese de doutorado em sociologia, com ênfase em demografia, intitulada “Sterilization for Votes in the Brazilian Northest: the case of Pernambuco”, apresentada a University of Texas at Austin, UT, Estados Unidos.

Em 1996, o IBGE e a BEMFAM divulgaram a Pesquisa Nacional Sobre Demografia e Saúde491. Os números da PNDS, em especial os relativos aos métodos contraceptivos mais utilizados pelas mulheres no período, não diferiram muito daqueles apresentados pela PNAD de 1986. Os dados em comum eram, sobretudo, os seguintes: mulheres brasileiras unidas ou casadas tinham largo conhecimento e faziam uso dos métodos contraceptivos existentes no Brasil no período; a maior parte das mulheres esterilizadas estavam na faixa dos 35 a 49 anos; as regiões Nordeste e Centro-Oeste apresentavam os maiores índices de esterilização e a esterilização cirúrgica geralmente era praticada no momento do parto cesáreo492. A PNDS, de 1996 demonstrou um relativo aumento, entre os anos de 1986 a 1996, do uso de métodos contraceptivos e da prática da esterilização cirúrgica na região Nordeste:

Ao comparar a prevalência do uso de métodos entre mulheres unidas com os resultados da pesquisa de 86 [PNAD], observa-se que na região Nordeste, a prevalência de uso passou de 53% para 68%, com incremento da esterilização de 25% para 44%. O menor incremento verificou-se em São Paulo, tanto em nível de taxa total de uso de métodos, quanto de uso da esterilização. Embora já tenha sido constatada a tendência nacional de aumento da prática anticoncepcional, a proporção mencionada para o Nordeste revela que este aumento teria sido ocasionado justamente pelas regiões com maior potencial de aumento. (BEMFAM & IBGE, 1996, p.9).

Os dados trazidos pela PNDS de 1996 - desagregados por cor/raça - acerca dos métodos contraceptivos e da prática da esterilização cirúrgica, incentivaram a realização de outras pesquisas acerca das relações entre raça/cor e a saúde reprodutiva feminina. Exemplos desses trabalhos são a própria pesquisa de André Caetano Junqueira “A relação entre cor da pele/raça e esterilização no Brasil: uma análise dos dados da Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde (PNDS)” (1996), o trabalho de Ignez Helena Oliva Perpétuo “Raça e acesso às ações prioritárias na agenda da saúde reprodutiva” (2000)493 e o estudo da socióloga Alessandra

491 BEMFAM & IBGE. Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde – Brasil, 1996. 492

BEMFAM & IBGE, op.cit.,p. 48-60.

493 PERPÉTUO, Ignez H.O. Raça e acesso às ações prioritárias na agenda da saúde reprodutiva. Jornal da Rede

Saúde, nº 22, p.10-16, 2000. Neste trabalho, a autora analisou os diferenciais entre as mulheres brancas e negras acerca do seu risco reprodutivo e seu acesso aos serviços de saúde. Perpétuo ainda investigou os efeitos da discriminação racial nos serviços de saúde.

Sampaio Chacham “A medicalização do corpo feminino e a incidência do parto cesáreo em Belo Horizonte494” (1990)495.

Durante a década de 1990, as ações em prol da saúde reprodutiva da mulher negra se ampliam no país, por meio do aprofundamento no cenário nacional de debates acerca de doenças que incidem diretamente sobre a saúde reprodutiva das mulheres negras, tais como: Aids, aborto, hipertensão arterial, anemia falciforme, miomatoses, etc496.

Vimos que a CPMI de 1993 proporcionou visibilidade às questões ligadas a saúde reprodutiva das mulheres negras. É importante também lembrar que no processo preparatório das “feministas negras” brasileiras à Conferência Internacional de População no Cairo (1994), a questão da saúde e liberdade reprodutiva das mulheres negras ocupou posição central.497

Na Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e pela vida, realizada em Brasília no ano de 1995, lideranças do movimento negro – entre as quais “feministas negras” - entregaram ao então presidente, Fernando Henrique Cardoso, o documento “Por uma política nacional de combate ao racismo e à desigualdade racial”. Neste documento reivindicou-se a implementação do PAISM e o desenvolvimento de um programa de saúde reprodutiva voltado à população negra no Brasil498.

No segundo Semestre de 1996 ocorreu em Brasília a “Mesa-Redonda Sobre a Saúde da População Negra”.499 A agenda política defendida pelos militantes negros nesse evento estava centrada em questões como: desenvolvimento de mecanismos que permitissem a identificação de doenças mais prevalentes na população negra, combate ao racismo nos serviços de saúde,

494 CHACHAM, Alessandra. Cesárea e esterilização: condicionantes socioeconômicos, etários e raciais. Jornal

da Rede Saúde, nº 23, março de 2001. Nesta pesquisa, a socióloga analisou dados sobre as relações entre cesárea, esterilização, faixa etária e raça.

495 Oliveira, op.cit.,p.171.

496 Roland, op.cit.,p.109; Oliveira, op.cit.,p.220-221.

497 Vimos neste capítulo que as ativistas negras do Geledés realizaram o “Seminário Nacional Políticas e Direitos

Reprodutivos das mulheres negras”, com o intuito de se preparar para a Conferência de Cairo em 1994. Geledés, op.cit. Declaração de Itapecerica da Serra das mulheres Negras Brasileiras.

498 Por uma Política Nacional de Combate ao Racismo e à Desigualdade Racial. Documento da Marcha Zumbi

dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida, Brasília: 20 de novembro de 1995 apud Oliveira, op.cit.,p.220.

499

BRASIL. Relatório Final da Mesa Redonda sobre Saúde da População Negra no Brasil. 1996. A “Mesa Redonda sobre Saúde da População Negra no Brasil” gerou o seguinte documento: PNUD; OPAS. Política Nacional de Saúde da População Negra: uma questão de equidade. Brasília, Pnud, Opas, DFID, 2001. MAIO, Marcos Chor & MONTEIRO, Simone. Tempos de racialização: o caso da ‘saúde da população negra’ no Brasil. Rev. História, Ciência, Saúde- Manguinhos. Vol.12, n.2, p.425-427, 2005.

produção de conhecimento científico acerca da saúde da população negra no país, capacitação de profissionais nos serviços de saúde visando a melhoria da qualidade das fontes de informação que incluem o quesito cor, implementação no SUS de ações de combate à mortalidade materna, desenvolvimento de políticas em prol da saúde da mulher negra e a inclusão plena do quesito cor em todos os documentos relativos aos serviços de saúde públicos do país500.

Vemos que itens levantados nesse evento de 1996 iam ao encontro de questões presentes na pauta de ações de grupos de mulheres negras, como Criola e Geledés, na medida em que a agenda dessas duas organizações estava direcionada a ações como: promoção da saúde da mulher negra, combate à mortalidade materna e capacitação de profissionais visando combater possíveis práticas racistas nos serviços de saúde.501 Além disso, a introdução da variável cor

nos sistemas de saúde, antes mesmo de 1996, já era uma questão levantada pelas “feministas negras”, como vimos, através dos depoimentos das ativistas negras Jurema Werneck, Edna Roland e Luiza Bairros, na CPMI de esterilização cirúrgica.502 Isso demonstra como o ativismo acumulado pelas militantes negras, desde a década de 1980, sobretudo, em torno da questão da saúde reprodutiva, refletiu no âmbito da saúde pública nacional no ano de 1996.

500 Pnud & Opas, op.cit.,p.8-12.

501 A organização nacional das mulheres negras e as perspectivas políticas. Cadernos Geledés, nº 4, p.23-29,

1993; http://www.criola.org.br/projetos_difusao.htm; http://www.geledes.org.br/ Acesso em 07/07/2009.

502 Atendendo a reivindicação do movimento negro, o Ministério da Saúde colocou, em março de 1996, que o

quesito cor seria incluído na Declaração de Nascidos Vivos e Declaração de óbitos. Tal medida foi implementada no país no ano seguinte. Pnud & Opas, op.cit.,p.7.

Esta dissertação procurou demonstrar que a conformação e o desenvolvimento do “feminismo negro” no país esteve ligado às discussões e ações que envolveram a questão da saúde reprodutiva, entre os anos de 1975 e 1996. O ativismo das “feministas negras” foi caracterizado, a partir da atuação das militantes em dois movimentos sociais brasileiros: o feminista e o negro. Ao analisar estas relações observei que as discussões promovidas no interior deles acerca de uma série de temas (violência, mercado de trabalho, política, opressão de gênero, combate ao racismo, saúde e direito à liberdade reprodutiva e sexual) produziram a identidade das “feministas negras” no país.

No trabalho investiguei as fases que caracterizaram a história do movimento feminista no Brasil. Neste sentido, evidenciei que a “primeira onda” do feminismo foi marcada, sobretudo, pela atuação de mulheres em prol da conquista do voto feminino e de melhores condições trabalhistas. Enquanto que na “segunda onda feminista” o movimento se ampliou a partir da atuação de grupos de mulheres em torno de questões como anistia política, saúde, carestia e violência doméstica.

Vimos que ambos movimentos, a partir da década de 1980, enfrentaram críticas por parte das ativistas negras, pois estas consideraram que suas especificidades, calcadas nas inter- relações entre raça e gênero, não eram contempladas. Demonstrei, por sua vez, que tais críticas contribuíram para que elas se articulassem num grupo próprio: o “feminismo negro”.

A partir da década de 1990, o movimento feminista brasileiro se reconfigurou ao ser representado a partir de ONGs feministas. Expus que na agenda de ONGs como Criola, Geledés e Fala Preta, a saúde da mulher negra ocupou um lugar privilegiado.

Lideranças do “feminismo negro”, ao lecionarem em universidades, ocuparem cargos políticos, dirigirem órgãos públicos e atuarem em agências internacionais, conquistaram um sólido espaço na esfera política nacional para implementar ações a favor da mulher negra. Os encontros e seminários de mulheres negras, realizados nas décadas de 1980 e 1990 no país, foram importantes espaços de atuação das “feministas negras” na medida em que as lideranças do movimento debatiam os principais temas de suas ações, a exemplo do combate ao racismo, ascensão educacional e profissional, luta contra a violência e promoção de ações de saúde em prol das mulheres negras. Demonstrei ainda que na trajetória das ativistas negras surgiram cisões, em virtude principalmente das posições distintas acerca dos meios pelos quais o movimento de mulheres negras deveria pautar suas ações.

A temática da saúde reprodutiva - que ocupou papel preponderante na agenda das ativistas negras, como constatamos nesta dissertação – esteve relacionada a outros conceitos como direitos reprodutivos e direitos sexuais. Vimos que as Conferências Internacionais da década de 1990, em especial a do Cairo (1994) e a de Beijing (1995) contribuíram na legitimação desses direitos ligados à vida contraceptiva e sexual das mulheres.

A análise sobre as relações entre as ações das “feministas negras” e a questão da saúde reprodutiva, exigiu uma apreciação quanto às políticas de planejamento familiar empreendidas em nível nacional. O cenário que caracterizou as intervenções voltadas ao planejamento familiar foi permeado por debates entre grupos “pró-natalistas” e “antinatalistas”; influência de agências controlistas norte-americanas e políticas implementadas por agências da sociedade civil, como a BEMFAM. A primeira política bem-sucedida do governo brasileiro em relação

ao planejamento familiar surge em 1983, através da criação do Programa de Atenção Integral da Saúde da Mulher (PAISM).

Partindo de pesquisas documentais, investiguei o contexto que caracterizou as denúncias de que a população negra estaria sendo alvo de políticas controlistas, com viés racista, durante a década de 1980. O documento “O censo de 1980 no Brasil e no estado de São Paulo e suas curiosidades e preocupações”, idealizado pelo economista Benedito Pio da Silva, durante o governo Maluf em 1982, embasou as denúncias das militantes negras. Anos mais tarde, em 1986, as campanhas do médico baiano Elsimar Coutinho, que conferia um caráter negativo à reprodução dos negros, trouxeram mais subsídios às suspeitas levantadas pelas militantes.

No mesmo período, os dados fornecidos pela PNAD de 1986, a respeito dos métodos contraceptivos utilizados pelas mulheres brasileiras nos anos de 1980, ampliaram as discussões acerca da prática da esterilização cirúrgica no país. O documento do IBGE que tornou oficial o alto índice de esterilizações cirúrgicas realizadas em regiões pobres do país como o Nordeste, onde a maior parte da população é parda e preta, segundo dados e categorias do IBGE, foi visto pelas “feministas negras” como mais um indicador das suas acusações.

A denúncia levada a cabo pela militância de que havia uma maior incidência da esterilização nas mulheres negras se transformou na principal bandeira de luta das ativistas durante a década de 1990. A esterilização cirúrgica fundamentou a realização da Campanha Nacional Contra a Esterilização de Mulheres Negras (1990-1992). Nesta mobilização, militantes, afirmaram que mulheres negras eram mais esterilizadas como parte de um plano controlista direcionado a exterminar o povo negro. Contudo, pelos dados apurados na PNAD de 1986, acerca da esterilização cirúrgica, não foi possível constatar que as esterilizações estavam sendo aplicadas como forma de genocídio desse grupo populacional.

Destaquei que a Ong de mulheres negras Geledés desempenhou um papel de destaque nas lutas em prol da saúde reprodutiva das mulheres negras nesse período. A entidade organizou o “Seminário Nacional Políticas e Direitos Reprodutivos das Mulheres Negras”

(1993/SP), onde lideranças do movimento debateram as questões que envolviam a saúde e os direitos reprodutivos das mulheres negras no Brasil.

O ativismo das “feministas negras” em defesa de sua saúde reprodutiva repercutiu no âmbito político nacional em 1993, por ocasião da realização da Comissão Parlamentar Mista

de Inquérito no Congresso Nacional. A CPMI de 1993 investigou a incidência da esterilização cirúrgica em massa nas mulheres brasileiras, a partir de um rico material constituído de relatórios, documentos, artigos de jornais e depoimentos. Expus que os responsáveis pela Comissão Parlamentar ouviram representantes dos mais variados segmentos da sociedade brasileira envolvidos no tema, tais como: feministas, médicos, políticos, pesquisadores, demógrafos e mulheres que sofreram algum caso de esterilização abusiva ou à revelia. Verifiquei que os principais pontos em comum apresentados pelos depoentes giravam em torno da influência de agências controlistas na prática da esterilização cirúrgica, da desinformação da população acerca da prática e das conseqüências da esterilização no Brasil, da falta de oferta na rede pública de variados métodos contraceptivos, da crítica ao fato do governo não ter implantado integralmente o PAISM no plano nacional, e da necessidade de criação de uma lei específica com o objetivo da regularização da esterilização no país.

Apresentei que ativistas negras também foram ouvidas pela CPMI, nesse sentido colocaram em seus depoimentos questões que levantavam desde a década de 1980: falta de sólidos dados estatísticos acerca da população negra, carência de ações de saúde voltadas a combater doenças que afetavam a saúde reprodutiva das mulheres negras, implicações do racismo na sociedade e denúncias de que mulheres negras eram as mais esterilizadas como parte de políticas racialistas direcionadas a reduzir o crescimento da população negra no Brasil.

Vimos que após as investigações da CPMI de 1993, não se constatou a existência de políticas oficiais voltadas a controlar a natalidade da população negra no país. Todavia, a CPMI representou um momento importante para definir a identidade das “femininas negras” na medida em que ela abriu espaço, na esfera governamental, para investigar as denúncias, suscitadas pelas “feministas negras”, desde o início da militância delas.

Ao fim do meu trabalho, concluo que a luta em prol da saúde reprodutiva da mulher negra foi o fator que impulsionou à conformação da identidade das “feministas negras” no Brasil. A experiência acumulada pelas ativistas em torno dessa questão refletiu no âmbito da saúde pública em 1996, por ocasião da “Mesa- Redonda sobre a Saúde da População Negra”. Desta forma, questões reivindicadas pelas mulheres negras em toda a sua trajetória política, tais como combate a mortalidade materna, inclusão do quesito racial nos documentos e

serviços de saúde e promoção da saúde da mulher nega ganham visibilidade política ao serem incluídas na pauta de ações desse evento em 1996.

As ações empreendidas pelas ativistas negras no campo da saúde reprodutiva foram