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Fenótipo de resistência ao MTX, tempo de duplicação celular, efeito do MT

Resistência ao MTX e sua associação com a proliferação celular

As linhagens de LLA foram tratadas com doses crescentes de MTX por 48 ou 96 horas (Figura 3). A sobrevivência foi determinada em relação ao controle negativo. A

Tabela 1 traz os valores encontrados de IC50.

Figura 3. Curvas dose-resposta ao MTX das linhagens de LLA (A) T- e (B) B-derivadas. A

viabilidade celular obtida em cada concentração de MTX foi comparada à do controle negativo, que havia recebido apenas veículo (sobrevivência definida como 100%). Todos os tratamentos com MTX, incluindo os controles negativos, foram feitos em triplicata. Preto: 48 h de tratamento; verde: 96 h. Ensaio de redução do MTT (resultados semelhantes foram obtidos com calceína AM).

Tabela 1. Valores de IC50 do MTX para as linhagens de LLA.

Linhagem IC50 48 h (nmol/L) IC50 96 h (nmol/L) T-derivadas HPB-ALL 85,55* 38,42 Jurkat 10,88 35,95 Molt4 31,26 19,56 CCRF-CEM 33,75 12,80 TALL-1 14,24 12,45 P12-ICHIKAWA 13,75 11,77 ALL-SIL 69,55 5,52 B-derivadas Nalm16 91,78* 32,96 RS4;11 40,56 17,89 697 19,95 17,06 Nalm30 100,80* 14,15 Nalm6 18,37 11,61 REH 14,97 9,16

*estimativas matemáticas que devem ser tomadas com cautela, uma vez que não houve redução (< 50%) da sobrevivência mesmo nas doses mais altas testadas.

É sabido que o MTX causa parada do ciclo celular na fase S (44). É de se esperar, portanto, que células que proliferem mais rapidamente sejam mais sensíveis à ação do MTX do que aquelas com ciclagem mais lenta. As linhagens de LLA deste estudo foram deixadas proliferar livremente de modo a terem determinado o seu tempo de duplicação (Figura 4A). A seguir, verificamos a existência de correlação entre resistência ao MTX e tempo de duplicação. Uma forte correlação positiva foi encontrada entre os valores de IC50 do MTX em 48 h e o tempo de duplicação celular (Figura 4B); já em 96 h, esta correlação foi perdida. Estes resultados indicaram que o tempo de duplicação é um fator determinante do fenótipo de resistência das linhagens leucêmicas ao MTX em tempos curtos de tratamento. Por outro lado, a resistência das linhagens a tempos mais longos de tratamento deve estar associada a outros fatores biológicos que não a velocidade de ciclagem celular. Para excluirmos a possibilidade da resistência ao MTX ser devida a algum traço genético marcante das células leucêmicas, as características genéticas das linhagens foram levantadas (Apêndice

1 – Tabela S1). Nenhum dado genético específico pareceu correlacionar-se com a resistência

Figura 4. (A) Proliferação celular em meio de cultura para determinação do tempo de

duplicação das linhagens de LLA. (B) Correlação entre tempo de duplicação celular e resistência ao MTX (expressa em termos de IC50). A associação positiva em 48 h foi perdida em 96 h. r = coeficiente de correlação (Spearman); p = nível de significância da correlação.

Efeitos do MTX no metaboloma celular

Os dados metabolômicos foram extraídos de Canevarolo (109), de modo que mais informações podem ser encontradas no referido trabalho. Estes dados foram aqui recuperados devido a novas análises estatísticas realizadas: o estudo de 2012 visava encontrar diferenças metabólicas entre linhagens de LLA com diferentes fenótipos de resistência ao MTX, classificadas após 48 h de tratamento com a droga (comparação entre linhagens sensíveis versus resistentes); já o presente trabalho buscou caracterizar o efeito do MTX no metaboloma celular (comparação entre células tratadas versus não tratadas).

Resumidamente, 78 espectros de ressonância magnética nuclear de prótons (1H- RMN) foram estudados, sendo identificados e quantificados 72 metabólitos. A Figura 5 traz um espectro representativo. Alguns sinais do espectro não foram identificados pela biblioteca de compostos do software Chenomx; a eles foi atribuída a sigla ―CB‖ (de compound builder,

A

nome da seção do software que permite o desenho ―customizado‖ de sinais para os quais não há correspondência com metabólitos) e enumerados sequencialmente (isto é, CB-1, CB-2, etc.). Os 12 sinais ―CB‖ – é possível que dois ou mais sinais ―CB‖ sejam a assinatura de um mesmo metabólito, por isso, aqui usaremos ―sinais‖ ao invés de ―compostos‖ para nos referirmos a eles – puderam ser quantificados de modo relativo entre os espectros e, desta forma, foram considerados na análise estatística.

Figura 5. (A) Espectro representativo de 1H-RMN. (B) e (C) são ampliações das respectivas regiões do espectro destacadas em (A). Extraído e traduzido de Canevarolo e cols. (109) com permissão dos autores.

Foi realizado um teste t não paramétrico pareado (teste de Wilcoxon, considerando o par tratado/ não tratado de uma mesma linhagem) para todos os metabólitos, objetivando encontrar os compostos que foram modulados pelo tratamento com MTX. Vinte e oito metabólitos (38,9% do total) e 3 (dentre 12) sinais ―CB‖ foram modulados pela droga (Tabela 2). Dos 28 compostos alterados, 13 tiveram suas concentrações aumentadas e 15 reduzidas pelo quimioterápico. Os metabólitos e sinais mais alterados pelo tratamento estão na Figura 6.

Apenas a título de curiosidade, as concentrações relativas de CB-MTX, CB- MTX2 e CB-21 foram correlacionadas entre si (Apêndice 1 – Figura S1). A forte correlação entre CB-MTX2 e CB-21 sugere tratarem-se de dois sinais espectrais de um mesmo metabólito não identificado; já o CB-MTX parece ser um segundo metabólito independente dos demais. Ao contrário dos outros sinais ―CB‖ que foram encontrados indistintamente em todos os espectros, os sinais CB-MTX e CB-MTX2 receberam esta identificação por serem praticamente exclusivos dos espectros de amostras tratadas com a droga. Inicialmente, isto nos fez pensar tratar-se de alguma versão metabolizada da droga, ainda que experimentos sejam necessários para comprovar esta hipótese; entretanto, a ausência de correlação entre as concentrações relativas destes sinais com o IC50 do MTX parece contradizer esta hipótese (Figura S2). Além disso, segundo a opinião de espectroscopistas de RMN (personal communication), a região espectral na qual os sinais CB-MTX e CB-MTX2 foram encontrados não parece condizente com a assinatura espectral do MTX ou de seus metabólitos diretos: DAMPA (ácido 2,4-diamino-N10-metilpteroico, uma versão inativa de MTX hidrolisado pela enzima carboxipeptidase G2 (132)) e 7-hidroximetotrexato (7-OH MTX, (133,134)).

Tabela 2. Nível de significância (valor de p, teste de Wilcoxon) e taxa de falsa

descoberta (FDR) dos metabólitos e sinais modulados por tratamento das células com MTX.

Metabólito Valor de p -log10 (p) FDR Efeito MTX

Glicina 2,5466e-11 10,5940 2,1391e-9 Aumento

CB-MTX 8,0572e-8 7,0938 3,3840e-6 Aumento

CB-MTX2 4,8466e-7 6,3146 1,3120e-5 Aumento

O-fosfocolina 6,2474e-7 6,2043 1,3120e-5 Redução

CB-21 7,8802e-7 6,1035 1,3239e-5 Aumento

Sn-glicero-3-fosfocolina 4,8699e-6 5,3125 6,8178e-5 Redução

Alanina 3,7842e-5 4,4220 4,5410e-4 Aumento

AMP 0,0002 3,6874 0,0022 Redução Valina 0,0003 3,5801 0,0024 Aumento UDP-glicuronato 0,0003 3,5158 0,0026 Redução ATP 0,0006 3,2129 0,0047 Redução Fenilalanina 0,0008 3,0806 0,0058 Aumento Dimetilglicina 0,0010 2,9941 0,0063 Redução Treonina 0,0010 2,9800 0,0063 Aumento Arginina 0,0013 2,8871 0,0069 Aumento UDP-glicose 0,0013 2,8765 0,0069 Redução 4-Aminobutirato 0,0014 2,8568 0,0069 Redução NAD+ 0,0021 2,6799 0,0098 Redução Colato 0,0022 2,6530 0,0098 Redução dCTP 0,0028 2,5594 0,0116 Aumento Glicocolato 0,0038 2,4191 0,0152 Redução ADP 0,0043 2,3676 0,0164 Redução Formato 0,0059 2,2331 0,0209 Aumento Leucina 0,0060 2,2237 0,0209 Aumento Tirosina 0,0065 2,1844 0,0213 Aumento Histidina 0,0068 2,1686 0,0213 Aumento Isoleucina 0,0068 2,1647 0,0213 Aumento Uridina 0,0076 2,1184 0,0227 Aumento Mio-inositol 0,0078 2,1060 0,0227 Redução Succinato 0,0137 1,8631 0,0384 Redução Hipoxantina 0,0260 1,5847 0,0705 Redução

Figura 6. Concentração dos metabólitos e sinais (aferidos por 1H-RMN) que sofreram maior alteração de concentração após o tratamento das células com MTX. A determinação do conteúdo metabólico das LLA foi feita em triplicata para cada linhagem, de modo que cada ponto da figura representa uma triplicata. Segmentos de reta unem os experimentos pareados, ou seja, amostras que receberam somente veículo (controle negativo, 24 h) e seu respectivo par tratado com MTX (25 nM, 24 h).

Associação entre concentração metabólica e resistência ao MTX

Além das perturbações no metaboloma celular provocadas pelo MTX, procuramos por metabólitos cujas concentrações estivessem associadas à resistência das linhagens ao quimioterápico. As concentrações de cada um dos 84 metabólitos e sinais, medidos em células tratadas ou não com o quimioterápico, foram correlacionadas com os valores de IC50 (para 96 h) do MTX.

Primeiramente, esta correlação foi buscada nas linhagens separadas por subtipos, isto é, B- ou T-derivadas. Nenhum metabólito mostrou-se correlacionado com a resistência das linhagens B-derivadas (dados não mostrados). Em linhagens T-derivadas, 3 metabólitos mostraram-se positivamente correlacionados com a resistência ao MTX em células não tratadas (4-hidroxifenilacetato, glutationa e histidina); após o tratamento, asparagina e glutationa apresentaram correlação positiva, enquanto que a concentração da uridina mostrou- se inversamente associada à resistência das linhagens ao MTX (Figura 7A).

Na análise conjunta, que reuniu as linhagens B- e T-derivadas, asparagina, glutationa e guanosina correlacionaram-se positivamente com a resistência das células ao MTX, independentemente destas estarem ou não sob tratamento com o quimioterápico. Dentre estes 3 metabólitos, destacou-se a glutationa, que apresentou um coeficiente de correlação (Spearman) igual a 0,78 (com p = 0,0017) nas células tratadas com MTX. Já a concentração de citrato mostrou-se positivamente associada com o IC50 das linhagens ao MTX somente após o distúrbio metabólico provocado pela droga (Figura 7B). A Tabela S2 traz os coeficientes de correlação para todos os metabólitos.

Chamou especial atenção a correlação positiva entre a resistência das linhagens ao MTX e os níveis intracelulares de asparagina (Asn), glutationa (GSH) e guanosina, significativa tanto em células tratadas quanto não tratadas com a droga. O fato de esta associação permanecer significativa independentemente do tratamento com o antifolato indica que estas diferenças são intrínsecas às células e particularmente estáveis ao distúrbio metabólico provocado pelo MTX.

Visando uma melhor compreensão das causas genéticas que poderiam auxiliar a explicar estes achados, foram acessados os níveis de expressão dos genes participantes do metabolismo da guanosina, Asn ou GSH. Oito genes do metabolismo da glutationa mostraram-se correlacionados com a concentração intracelular deste metabólito (Figura 8A), dos quais metade também se correlacionou com a resistência das linhagens ao MTX (Figura

8B). Por outro lado, nenhum gene do metabolismo da guanosina ou da asparagina se

correlacionou com as concentrações de seus respectivos metabólitos (Figura S3).

Figura 7. Correlação entre concentração dos metabólitos e resistência das linhagens ao MTX.

(A) Somente linhagens T-derivadas; (B) Linhagens B- e T-derivadas. r = coeficiente de correlação (Spearman); p = nível de significância da correlação.

Figura 8. (A) Correlação entre concentração de GSH e níveis de expressão de genes

participantes do seu metabolismo. (B) Quatro genes também apresentaram correlação com a resistência das linhagens ao MTX. r = coeficiente de correlação (Spearman); p = nível de significância da correlação.

O papel do metabolismo da glutationa na resistência ao MTX

A correlação entre níveis de GSH e resistência ao MTX, somada à associação entre concentração intracelular de GSH e expressão de genes pertencentes ao seu metabolismo forneceu pistas para uma investigação mais detalhada acerca do papel do estado redox celular na resistência das células ao antifolato. Inicialmente, as linhagens leucêmicas foram tratadas com MTX na presença de um promotor (N-acetilcisteína, NAC) ou de um inibidor (fenetil isotilcianato, PEITC) da síntese de GSH.

O NAC é uma pró-droga que é convertida intracelularmente em L-cisteína (Cys), que é ligada a glutamato pela enzima glutamato-cisteína ligase (GCL, previamente chamada de gama-glutamilcisteína sintetase, composta pelas subunidades GCLC e GCLM), sendo o produto desta reação unido a uma glicina pela glutationa sintetase (GSS), dando origem à GSH. Deste modo, a administração de NAC faz aumentar a concentração intracelular de GSH

(135). A adição de NAC ao meio de cultura tornou as linhagens de leucemia mais resistentes à ação do MTX (Figura 9). Foi utilizada uma dose de 10 mM por esta ser usual em trabalhos com suplementação deste composto (103,136–138). A sobrevivência das células suplementadas com NAC (na ausência de MTX) em relação ao controle após 48 h de suplementação está na Tabela 3.

O PEITC é um composto que atua depletando GSH e aumentando a produção de espécies reativas de oxigênio (ROS) (139–141). As linhagens foram tratadas com doses crescentes de PEITC por 96 h de modo a terem os valores de IC50 determinados (Figura 10) (Tabela 3). Não foi encontrada correlação entre o IC50 de PEITC com o conteúdo celular de GSH ou com a resistência ao MTX (dados não mostrados).

As linhagens de LLA foram então tratadas com MTX na presença de duas doses fixas de PEITC (3 e 6 µmol/L), que flanqueavam a mediana (4,82 µmol/L) dos valores de IC50 obtidos. A intenção deste experimento foi averiguar a existência de um eventual efeito sinérgico entre o MTX e o PEITC (o que não foi confirmado), bem como determinar a sobrevivência das células nestas concentrações de PEITC. Os gráficos destes cotratamentos estão na Figura S4 e as porcentagens de sobrevivência, na Tabela 3.

A seguir, averiguamos se a sobrevivência celular ao NAC (10 mmol/L) se correlacionava negativamente com a sobrevivência ao PEITC (3 e 6 µmol/L) – o que foi confirmado (Figura 11). Por outro lado, a sobrevivência das linhagens ao NAC ou ao PEITC não se correlacionou com a concentração de GSH ou a resistência ao MTX, seja na análise conjunta (linhagens B + T-derivadas), seja na separada por subtipos (dados não mostrados).

Figura 9. Curvas dose-resposta das linhagens de LLA (A) T- e (B) B-derivadas ao MTX em

meio de cultura suplementado (esferas brancas) ou não (esferas pretas) com NAC 10 mmol/L, por 48 h. A porcentagem de sobrevivência a NAC (Tabela 5) foi calculada como a razão entre a esfera branca e a preta sobre a inscrição ―sem MTX‖ – uma forma de mensurar a proliferação celular estimulada apenas por NAC. Ensaio feito com calceína AM.

Figura 10. Curvas dose-resposta das linhagens de LLA a doses crescentes de PEITC por 96 h.

Tabela 3. Valores de IC50 (PEITC) e porcentagem de sobrevivência (em relação ao controle) das linhagens sob tratamento com NAC (10 mM) ou PEITC (3 ou 6 μM).

Linhagem Sobrevivência em NAC 10 mM PEITC IC50 (μM) Sobrevivência em PEITC 3 μM Sobrevivência em PEITC 6 μM T-derivadas HPB-ALL 104,9% 4,68 82,7% 73,2% Jurkat 116,7% 9,82 86,3% 20,0% Molt4 126,9% 4,84 70,4% 25,5% CCRF-CEM 115,9% 4,30 79,4% 66,4% TALL-1 80,2% 5,90 102,5% 65,3% P12-ICHIKAWA 170,4% 4,78 72,1% 37,7% ALL-SIL 135,8% 1,62 26,5% 7,4% B-derivadas Nalm16 126,1% 2,97 64,1% 26,1% RS4;11 139,1% 4,43 90,5% 34,7% 697 153,3% 4,23 52,9% 4,7% Nalm30 143,0% 4,96 69,0% 40,5% Nalm6 108,2% 5,51 81,2% 55,0% REH 124,9% 4,49 72,9% 12,3%

Figura 11. Correlação negativa entre porcentagens de sobrevivência sob NAC (10 mM) e

PEITC (3 ou 6 µM). Mesmo com a retirada da amostra à esquerda (ALL-SIL) no gráfico de PEITC 3 µM, a correlação permanece significativa r = coeficiente de correlação (Spearman); p = nível de significância da correlação.

Esta relação inversa atestou que as células que mais proliferaram após a suplementação do meio de cultura com NAC foram as mais impactadas com o tratamento com PEITC. Estas células são justamente as que possuem menor quantidade de GSH, intracelular, mostrando-se mais sensíveis à adição (NAC) ou subtração (PEITC) deste metabólito. Com fenótipo oposto, as células menos beneficiadas pela suplementação do meio de cultura com NAC também se mostraram mais resistentes ao efeito citotóxico do PEITC. Neste caso, a maior concentração de GSH parece servir como um reservatório que ―tampona‖ o sequestro de GSH pelo PEITC e torna a célula indiferente à suplementação com NAC, uma vez que os estoques intracelulares de GSH já estão repletos.

Para averiguar se a resistência ao MTX mediada por GSH era devido às suas propriedades antioxidantes, as linhagens leucêmicas foram tratadas com o quimioterápico na presença de compostos geradores de ROS: a piperlongumina (PL) (142) e o peróxido de hidrogênio (H2O2), um ROS em si mesmo. Os valores de IC50 encontrados para as linhagens de LLA após 48 h de tratamento estão na Tabela S3. A Figura 12 traz as situações nas quais alguma interação aditiva ou sinérgica foi encontrada; o painel completo, incluindo os demais gráficos de cotratamento no qual não foi observada nenhuma interação entre as drogas, estão na Figura S5. Apesar de MTX e PL ou H2O2 não apresentarem resultados marcantes de interação sinérgica, ao menos algum indício de potencialização foi observado em mais da metade das linhagens estudadas.

Uma correlação positiva entre a resistência à piperlongumina ou ao peróxido de hidrogênio e a resistência ao MTX (em 96 h, mas não em 48 h) foi encontrada, mas não entre

estes compostos (PL e H2O2) e a concentração intracelular de glutationa (Figura 13). Estes resultados indicaram que o conteúdo intracelular de GSH não é o fator preponderante na resistência/sensibilidade das células a compostos que agem provocando estresse oxidativo, apesar de a concentração de GSH estar associada à resistência ao MTX. No entanto, a relevância do desequilíbrio oxidativo enquanto mecanismo de ação do MTX parece variar célula a célula, o que é confirmado pela variação do efeito sinérgico/aditivo entre MTX e PL/H2O2 dentre as linhagens. Outra razão para a observação dos efeitos brandos obtidos pode ser devido ao fato de o pool de GSH intracelular ser um dos mais altos de todo o metaboloma, frequentemente na casa dos milimolares (143). Estas altas concentrações de GSH poderiam ter sido suficientes para atenuar boa parte do estresse oxidativo provocado pelas drogas testadas. Outra explicação para o efeito brando observado poderia ser atribuído à ação das tiorredoxinas e tiorredoxinas redutases (mais detalhes na Discussão).

Figura 12. Interação aditiva ou sinérgica entre MTX e piperlongumina (PL) ou peróxido de

hidrogênio (H2O2) observada em algumas linhagens de LLA. Vermelho: MTX, verde: PL ou H2O2 (indicado no eixo inferior de cada gráfico), azul: adição das duas drogas (MTX + PL ou H2O2). Ensaio de 48 h feito com calceína AM.

Figura 13. Correlação entre resistência ao MTX (96 h) e resistência à piperlongumina (PL)

ou peróxido de hidrogênio (H2O2). O conteúdo intracelular de glutationa não se mostrou associado à resistência a PL ou H2O2 (p > 0,05). r = coeficiente de correlação (Spearman); p = nível de significância da correlação.

Dando prosseguimento à investigação sobre a relação entre metabolismo da glutationa e a resistência ao MTX, utilizamos outro inibidor farmacológico da via: a butionina sulfoximina (BSO). Este composto sintético se liga à enzima glutamato-cisteína ligase de maneira irreversível, bloqueando a síntese de GSH (144). Curiosamente, houve uma grande variação entre as linhagens quanto à sensibilidade a este composto: o IC50 para Molt4, por exemplo, foi > 10 mmol/L, enquanto que para RS4;11 foi de 4,5 μmol/L (Tabela S4). Estes valores foram cruzados com os valores de resistência ao MTX, sobrevivência sob NAC (10 mmol/L) ou PEITC (3 ou 6 μmol/L), ou concentração intracelular de GSH, mas nenhuma correlação significativa foi encontrada (Figura S6).

Um teste de sinergismo entre BSO e MTX foi feito para algumas linhagens. Foram usadas doses fixas de BSO, escolhidas como uma concentração entre o IC10 e o IC50, específica para cada linhagem. Dentre oito linhagens testadas (quatro B- e quatro T- derivadas), seis não demonstraram qualquer indício de aumento de sensibilidade ao MTX

(Figura S7). Um resultado surpreendente, entretanto, foi obtido para as linhagens HPB-ALL e Jurkat (precisamente as duas linhagens mais resistentes ao MTX): na primeira, altas concentrações de MTX anularam o efeito citotóxico de BSO (mas não o contrário); na segunda, MTX e BSO interagiram de modo sinérgico (Figura 14). Estes resultados discrepantes foram confirmados após a repetição dos experimentos. Uma hipótese seria que, em HPB-ALL, o MTX teria a capacidade de ativar vias gênicas que protegeriam a célula da agressão causada pelo BSO – um mecanismo desencadeado pelo MTX que é compensatório da inibição de GCLC. Este fenômeno ocorreria a partir de um limiar de concentração do MTX: em concentrações reduzidas não citotóxicas, o MTX não provocaria este efeito e a célula ficaria totalmente à mercê do efeito citotóxico do BSO; o aumento do MTX até concentrações pré-citotóxicas desencadearia a resposta transcricional, de modo que a proteção contra o BSO é máxima. Com o aumento da concentração do MTX, o mecanismo de proteção ao BSO ficaria mascarado pelo efeito citotóxico do antifolato. Por outro lado, em Jurkat, o MTX não desencadearia uma resposta transcricional pró-GSH, de modo que a redução da síntese de GSH pelo BSO apenas potencializaria o efeito do MTX.

Figura 14. Curvas dose-resposta ao MTX na presença ou ausência de BSO (HPB-ALL: 50

μmol/L; Jurkat: 600 μmol/L) por 96 h. Ensaio de redução do MTT.

Para as demais linhagens, nas quais não foi observada interação entre MTX e BSO, duas hipóteses foram levantadas, uma relacionada à síntese e a outra à demanda por GSH: i) como o pool intracelular de GSH é elevado, há linhagens que conseguem sobreviver (por algum período) apenas com a reciclagem da glutationa oxidada (GSSG) à forma reduzida (GSH), de modo que a interrupção da síntese de novo de GSH é praticamente irrelevante; ii) a variação entre os valores de IC50 para o BSO podem também indicar uma diferença na demanda celular de GSH, de modo que o BSO não potencializou o efeito do MTX em células que, eventualmente, já tinham baixa demanda de GSH.

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