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FHC 2 (1999-2002): CRISE BRASILEIRA, SOLUÇÃO ORTODOXA, CUSTOS SOCIAIS

GRÁFICO 04 – EXPORTAÇÃO BRASILEIRA DOS SETORES INDUSTRIAIS POR INTENSIDADE TECNOLÓGICA TAXA DE PARTICIPAÇÃO (%) 1995-

4. FHC 2 (1999-2002): CRISE BRASILEIRA, SOLUÇÃO ORTODOXA, CUSTOS SOCIAIS

A política de câmbio fixo praticada durante os primeiros anos do Plano Real (1994/95), associada às sucessivas crises ocorridas no período, trouxe grande instabilidade à economia brasileira, conforme explicitado no capítulo anterior. Ao adotar este regime, o Governo abriu mão do controle da política monetária, restando ao Banco Central a tarefa de administrar a compra e venda de divisas para equilibrar a taxa de câmbio estabelecida, sendo a taxa de juros um mero instrumento de ajuste para o restabelecimento de capitais em casos de sua fuga, trazendo como conseqüência um efeito devastador para a atividade econômica, emprego, renda e, sobretudo, para as finanças públicas.

Desta maneira, face à ineficiência da política monetária num regime de câmbio fixo, restaria à equipe econômica do Governo a utilização da política fiscal através da elevação de gastos públicos ou reduções de impostos que impactariam positivamente na demanda agregada, gerando aquecimento na economia, de acordo com o modelo Mundell-Fleming11. Neste sentido, Guerra (2000) apresenta a seguinte proposição:

“[...] num sistema de câmbio fixo, assumindo uma alta mobilidade de capital – suposto plausível num cenário de globalização com desregulamentação financeira -, a política monetária é ineficaz como instrumento estimulador da renda, enquanto a política fiscal seria eficaz. Existe, todavia, dois problemas para que essa eficácia se torne efetiva: o primeiro é que ele pressupõe liberdade para o país adotar uma política fiscal expansiva, algo não condizente com uma economia submetida a um acordo com o FMI, como a brasileira; e o segundo associa-se à situação fiscal do país, ao montante acumulado da dívida pública, e à percepção dos poupadores quanto à capacidade futura do país servir esta dívida.” (GUERRA, 2000. p, 31).

Em Outubro de 1998, o Brasil lançou o já mencionado Programa de Estabilidade Fiscal (1999-2001), contendo diretrizes na condução da política econômica alinhadas com o Consenso de Washington, propondo medidas de cunho fiscal (a exemplo das Reformas

11 O modelo de Mundell-Fleming foi uma construção independente dos artigos de Marcus Fleming em

1962 e Robert Mundell (1963), sendo considerado uma extensão do Modelo IS/LM, supondo uma economia aberta ao comércio internacional com mobilidade de capital entre os países.

Administrativa, Previdenciária, Tributária e Trabalhista) com o objetivo de reduzir os gastos governamentais, o déficit da previdência e de elevar as receitas.

Estas proposições, somadas à Lei de Responsabilidade Fiscal do Governo foram as bases para o acordo com o FMI, firmado frente à impossibilidade do Brasil de honrar seus compromissos em moeda estrangeira. Estes recursos somariam um aporte de US$42 bilhões e teriam como componente importante uma política de superávits primários crescentes (0% em 1998, 2,6% em 1999 e 2,8% e 3% do PIB em 2000 e 2001) (GIAMBIAGGI, 2005).

Contudo, como nos termos deste acordo não estava definida uma mudança na âncora cambial e com a rejeição do Congresso Nacional à cobrança de contribuição previdenciária sobre aposentados inativos - proposta considerada estratégica no projeto do programa fiscal do Governo – ampliou-se um clima de desconfiança quanto ao cumprimento dos chamados “fundamentos macroeconômicos” pela economia brasileira. Assim, diante deste cenário foram iniciados ataques especulativos contra a moeda brasileira com uma intensa fuga de capitais12 que não conseguiu ser contornada com a elevação da taxa de juros pelo Banco Central.

Com o impacto das crescentes taxas de juros na dívida pública, diversos Estados brasileiros decretaram moratória ao Governo Federal, sendo coincidentemente o ex- presidente, e então Governador de Minas Gerais, Itamar Franco, o primeiro a decretar esta medida no dia 6 de janeiro de 1999, frente às dificuldades financeiras enfrentadas pelos Estados brasileiros frente à conjuntura internacional.

Diante deste cenário de impossibilidade da manutenção da âncora cambial, face à crise desencadeada em 18 de janeiro de 1999, o então Ministro da Fazenda, Pedro Malan, enviou um comunicado ao Fundo Monetário Internacional (FMI) informando que a partir daquela data o câmbio seria definido pelas forças de mercado. Ao Banco Central estaria reservado o papel de intervir pontualmente, com o objetivo de evitar desordenamentos nas condições de mercado.

12 Entre 4 e 8 de janeiro, segundo Filgueiras (2006, p. 186), saíram do país o total em divisas de US$883

Outra medida adotada frente ao clima de tensão foi a mudança na equipe econômica do Banco Central, com a indicação de Armínio Fraga13 para sua Presidência, associado ao discurso de “recuperar” a credibilidade do mercado.

Estes acontecimentos marcaram não só a mudança na condução da política cambial, mas a evidente impossibilidade de continuidade do modelo adotado no primeiro Governo Fernando Henrique (1995-98) baseado no incentivo ao consumo e combate à inflação via estímulo às importações, através da manutenção da taxa de câmbio fixo. Segundo PAULA e ALVES JR (1999, p. 73):

“[...] um grande déficit em transações correntes só seria sustentável caso pudesse contar com um nível equivalente de financiamento externo de longo prazo que estivesse associado a investimentos capazes de gerar um fluxo futuro de receitas cambiais para pagar a dívida contraída. A natureza dos fluxos de capitais externos é fundamental, pois um dos grandes perigos dos planos de estabilização com âncora cambial é de uma reversão no fluxo de capitais.”

Após o anúncio da flutuação cambial, a taxa de câmbio, que tinha finalizado dezembro de 1998 com cotação média de R$1,20, passou à média de R$1,50 em janeiro de 1999, oscilando para R$1,91 em fevereiro do mesmo ano14, conforme demonstra o gráfico 07.

GRÁFICO 07 – TAXA DE CÂMBIO R$/US$ COMERCIAL-COMPRA-MÉDIA (1999-02)

FONTE: IPEADATA

13 Armínio Fraga era um figura conhecida do mercado financeiro devido à atuação no Soros Fund

Management LLC, em Nova Iorque, de propriedade do mega especulador George Soros, o qual Fraga exerceu o cargo de diretor-gerente por 6 anos.

14 Esta grande oscilação, que marcou os primeiros meses da nova política cambial acabou se firmando

como grande característica da taxa de câmbio no segundo Governo FHC, onde a taxa média era de R$1,50 em janeiro de 1999, passando a R$3,62 em dezembro de 2002 (Gráfico 07).

A partir destas oscilações, a taxa média mensal de inflação do IPCA que era de 0,13% em 1998, cresceu para 0,95% no primeiro trimestre de 1999, sendo que, somente em Março, este índice alcançou o resultado de 1,1% (maior desde janeiro de 1997).

Assim, diante das incertezas e dos riscos de uma crescente elevação nos preços devido à desvalorização do Real, o Banco Central iniciou, em Março daquele ano, a implementação do Regime de Metas de Inflação com as seguintes características: (i) conhecimento público de metas de médio-prazo para a inflação; ii) comprometimento institucional com a estabilidade de preços como objetivo primordial da política monetária; iii) estratégia de atuação pautada pela transparência para comunicar claramente ao público sobre os planos, objetivos e razões que justificam as decisões de política monetária; e iv) mecanismos para tornar as autoridades monetárias responsáveis pelo cumprimento das metas para a inflação (BANCO CENTRAL, 2007).

Desta maneira, com regime de câmbio flutuante (onde, segundo o Modelo de Mundell- Fleming a política monetária é eficiente) e adoção, em julho de 1999, do regime de metas inflacionárias, foi assegurado ao Banco Central o papel de condutor dos rumos da economia brasileira através da determinação dos ajustes na taxa de juros necessários para alcançar o objetivo central da economia brasileira: a meta de inflação.

Outro fator relevante foi a revisão do acordo com o FMI. Diante dos impactos da nova política cambial, foram publicadas, em 08 de Março de 1999, novas metas para a economia. Neste sentido, foram estabelecidos superávits primários de 3,1%, 3,25% e 3,35% do PIB, entre 1999 e 2001, respectivamente, e as relações dívida/PIB a serem alcançadas passaram a 49,3%, 47,4% e 44,4% para o mesmo período. (FILGUEIRAS, 2006. p, 197).

A mudança da política cambial repercutiu de imediato nas contas do Balanço de Pagamentos de 1999 (conforme evidencia a tabela 08) que teve seu déficit em transações correntes reduzido em R$ 8 bilhões, motivado pela contribuição de US$ 5 bilhões (62,5%) oriundos da redução do déficit da balança comercial.

TABELA 08 – Balanço de Pagamentos (1999-02) – em mi US$

1995-98* 1999 2000 2001 2002 1999-02

TRANSAÇÕES CORRENTES -26439 -25335 -24225 -23215 -7637 -80412

Balança comercial (FOB) -5598 -1199 -698 2650 13121 13874

Exportação de bens 49597 48011 55086 58223 60362 221682

Importação de bens -55195 -49210 -55783 -55572 -47240 -207805

Serviços e Rendas -23178 -25825 -25048 -27503 -23148 -101524

Serviços -9230 -6977 -7162 -7759 -4957 -26855

Rendas -13948 -18848 -17886 -19743 -18191 -74668

Transferências unil. correntes 2337 1689 1521 1638 2390 7238

CONTA CAPITAL E FINANC. 29641 17319 19326 27052 8004 71701

Conta capital 380 338 273 -36 433 1008

Conta financeira 29262 16981 19053 27088 7571 70693

Investimento estrangeiro direto 15762 26888 30498 24715 14108 96209 Investimento em Carteira (líquido) 15394 3802 6955 77 -5119 5715 Outros Investimentos (líquido) -561 -13620 -18202 2767 -1062 -30117

FMI 1159 4059 -6876 6757 11480 15420

* Média de 1995-98

Fonte: Banco Central do Brasil

Já a redução no déficit na balança comercial foi influenciada pelo decréscimo nas importações (-14,73%) ter superado a queda das exportações (-6,12%).

Os efeitos da crise brasileira de 1999 foram mais evidentes na conta capital e financeira que teve seu saldo reduzido em 42%, devido ao decréscimo nos investimentos em carteira que passaram de R$18,1 bilhões para R$3,8 bilhões (redução de 79%), diante da fuga de capitais ocorrida naquele ano.

Em 2000, numa conjuntura internacional favorável, os indicadores do balanço de pagamentos reagiram, reforçando os efeitos da mudança da política cambial sobre as transações com o exterior. As exportações obtiveram um crescimento expressivo (14,7%), alcançando o montante de US$55 bi, bem como as importações (que cresceram 13,3%), chegaram a US$55,7 bilhões. Estes resultados marcaram o primeiro momento, em 6 anos de governo Fernando Henrique, que a taxa de crescimento das exportações foi superior à das importações.

Outro aspecto positivo no ano de 2000 foi a reversão das quedas nos investimentos estrangeiros diretos e em carteira. Os IED´s apresentaram um crescimento de 13,4%, enquanto os investimentos em carteira cresceram 83%, atraídos pelo retorno da estabilidade e pelas elevadas taxas de juros adotadas no período.

Vale observar que este crescimento, ainda que expressivo, representa uma recuperação tímida face aos patamares obtidos nos 4 primeiros anos do Governo Fernando Henrique, quando a média dos investimentos em carteira foi de R$15,4 bilhões, conforme explicitado na tabela 08.

No ano de 2000, em contraposição às sucessivas quedas nas taxas de crescimento do PIB apresentadas na primeira gestão FHC (que passaram de 4,2% em 1995, a 0,8%, em 1999), o país cresceu 4%, conforme demonstra a tabela 09. Este resultado foi motivado, principalmente, pelo cenário internacional favorável, com elevada contribuição das importações (11,6%) e exportações (10,6%).

TABELA 09 – PIB: Taxa de Crescimento Real (1999-02) – %

Variável 1995-98* 1999 2000 2001 2002 1999-02* Consumo do governo 1,8 2,4 1,3 1,0 1,4 1,5 Consumo variável 3,6 -0,4 3,8 0,5 -0,4 0,9 FBCF 4,3 -7,2 4,5 1,1 -4,2 -1,6 Exportações 3,3 9,3 10,6 11,2 7,9 9,7 Importações 12,8 -15,5 11,6 1,2 -12,3 -3,8 PIB 2,6 0,8 4,4 1,3 1,9 2,1 * Média no período Fonte: IBGE

Diante dos bons resultados de 2000, os analistas apontavam uma forte tendência de manutenção deste nível de crescimento em 2001. Contudo, três fatores influenciaram para frustrar estas perspectivas: a crise energética, a crise da Argentina e os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos.

Devido à expectativa de privatização do sistema de usinas hidroelétricas, o Governo Federal não realizou novos investimentos na ampliação do sistema. Assim, com o crescimento do consumo associado às inovações tecnológicas (como a expansão da telemática) houve uma restrição na oferta de energia.

Esta restrição, ocorrida frente à impossibilidade de expansão da oferta de energia no curto prazo, levou o Governo a adotar, em junho de 2001, ajustes na demanda para evitar o chamado “apagão”. Sendo assim, empresas e cidadãos se viram obrigados a reduzir em 20% seu consumo de energia devido às regras estabelecidas pelo Governo, que previam penalizações para aqueles que descumprissem as metas adotadas, o que influenciou diretamente a oferta de bens e serviços.

Em 11 de setembro de 2001, os atentados nos Estados Unidos redefiniram a geopolítica internacional, sobretudo no que concerne à política externa norte americana, o que repercutiu nas relações com todos os países. Vale observar que sendo os Estados Unidos o principal parceiro comercial do Brasil, qualquer mudança tende a afetar os intercâmbios entre os países.

Em dezembro de 2001, a Argentina, segundo parceiro comercial mais importante do Brasil entrou em crise. Após 10 anos de ancoragem cambial com o dólar (currency

board), instaurada pela lei de conversibilidade em 1991 para combater o problema

inflacionário, o Governo argentino se deparou com a impossibilidade de manutenção deste modelo frente às sucessivas crises internacionais e conseqüências desastrosas destas sobre as finanças públicas (particularmente sobre a dívida externa).

Esta circunstância - agravada pelo respaldo jurídico aos contratos em moeda estrangeira - levou o Ministro da Economia, Domingos Cavallo, a anunciar o confisco argentino com restrições de saque para evitar o colapso do sistema financeiro argentino, (popularmente conhecido como “corralito”).

A crise econômica levou rapidamente a uma grande crise política quando, em dezembro de 2001, a Argentina contou com quatro presidentes. Após a renúncia, em 20 de dezembro daquele ano, o então Presidente Fernando de La Rúa foi sucedido por Adolfo Rodríguez de Saá, Eduardo Camaño e Eduardo Alberto Duhalde, o qual permaneceu na presidência até o final 2003.

O crash argentino trouxe graves conseqüências para as exportações brasileiras. Em 2000, o Brasil exportava R$6,2 bilhões para o vizinho austral. Diante da conjuntura desfavorável, as exportações brasileiras passaram a R$ 5 bilhões em 2001 (queda de 19,7%), sendo que em 2002 (auge dos impactos da crise) este valor somou R$ 2,3 bilhões (queda de 53,1%).

BATISTA JR (2002), alertava que a crise argentina teria conseqüências mais amplas nas definições econômicas e geoestratégicas da economia brasileira, em decorrência da elevada interconexão deste país com o Brasil bilateralmente ou em bloco, especialmente no âmbito do MERCOSUL.

Apesar desta conjuntura, em 2001, os impactos da crise argentina no último trimestre do ano não impediram o primeiro superávit da balança comercial brasileira sob a gestão FHC (R$2,6 bi), confirmando a tendência positiva ocorrida desde 1999 pelo impacto da nova política cambial que trouxe uma mudança estrutural no comércio exterior.

O maior impacto ocorrido no balanço de pagamentos, em 2001, foi na conta financeira. O clima de instabilidade diante das sucessivas crises internacionais fez com que os investimentos em carteira fossem drasticamente reduzidos em, aproximadamente, 99%, decrescendo de R$6,9 bilhões para R$77 milhões. Além disso, os Investimentos Diretos Estrangeiros também foram reduzidos (queda de 19%).

Estes resultados apenas foram compensados por recursos do Fundo Monetário Internacional, na ordem de R$6,7 bilhões e de Outros Investimentos que somaram 2,67 bilhões (primeiro resultado positivo desde 1996).

Em 2002, com a desconfiança do mercado devido à crise energética e da conjuntura internacional desfavorável, e com o crescimento nas pesquisas do candidato Luis Inácio Lula da Silva (ampliado por uma ampla coligação da esquerda), foi iniciada uma ampla fuga de capitais do país com fortes impactos no balanço de pagamentos e, conseqüentemente, na taxa de câmbio.

Assim, a taxa de câmbio que iniciou 2002 numa média de R$2,37 em janeiro, terminou dezembro num patamar de R$3,62 (incremento de 53%) - conforme evidenciado no gráfico 07 – apesar das intervenções do Banco Central que elevou a taxa SELIC de 18% para 25%, entre Outubro e Dezembro de 2002.

Os efeitos da fuga de capitais na conta de capital do balanço de pagamentos foram catastróficos: redução de 98,89% dos investimentos em carteira, 19% dos investimentos estrangeiros diretos e 84,8% de outros investimentos. Estes recursos tiveram que ser compensados

Estes resultados negativos foram compensados por duas circunstâncias: (i) um aporte financeiro de R$11,5 bilhões do FMI; (ii) o saldo comercial de R$13 bilhões de reais

em 2002 (crescimento de 395%), oriundo dos impactos positivos do câmbio na redução das importações (-15%).

Contudo, o maior impacto da nova política cambial ocorreu na dívida do setor público, apresentando entre 2001 e 2002 um crescimento de 4%. Vale ressaltar que a dívida do setor público não foi impactada apenas pela conjuntura de 2002. Durante todo o período desde a implementação do Plano Real, as taxas deste indicador tem crescido de maneira expressiva, passando de 30,6% do PIB para 56,6%.

GRÁFICO 08 – DÍVIDA LÍQUIDA DO SETOR PÚBLICO 1995-2002 (% DO PIB)

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