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2.2 A entrevista compreensiva

2.2.3 Fichas de interpretação e planos evolutivos

O momento de construção das fichas seguiu-se à escuta das falas dos alunos na entrevista gravada, ―[...] As fichas são tanto um instrumento de fabricação da teoria quanto um instrumento de coleta de dados‖ (KAUFMANN, 2013, p. 127). Um momento complexo, pois o desejo reverberava sobre a transcrição integral. Muitas indagações e dúvidas envolveram essa etapa do trabalho, pois, para mim, não é uma tarefa fácil e, por vezes, nos encontrávamos no dilema sobre o que destacar, já que tudo o que ouvia era para mim, carregado de sentidos.

Iniciamos o trabalho de construção das fichas, tomando-as, primeiramente, mais como instrumento de coleta de dados. Fui recortando, a partir das audições, o que nos chamava à atenção e nos remetia mais diretamente ao objeto de estudo com seus desdobramentos. Começamos a construir as fichas por alunos, destacando a partir do roteiro de entrevistas as respostas que, a nosso ver, sintetizavam os temas. Só mais tarde é que vim a organizar o material, considerando os eixos da pesquisa, até porque os eixos situam os primeiros passos da interpretação na pesquisa.

A riqueza de significados expressas nas falas de cada aluno, dão conta de discursos elaborados, que por vezes encaminham para um trabalho de sua unidade como diz Kaufmann (2013). É como se esses se concentrassem em opiniões próprias e comportamentos buscando dali extrair sua coerência, na composição de um autorretrato, porém, as contradições os desestabilizam. Por outras, é possível também perceber como as falas tendem a buscar uma resposta certa para cada pergunta, como se esses estivessem sendo avaliados, adotando, então a postura de bom aluno.

Esse movimento me fez refletir sobre a escuta sensível enquanto um modo de tomar consciência e de interferir próprio do pesquisador, e mesmo não adotando o conceito na amplitude da sua acepção Barbierniana, essa me ajuda no processo de construção das fichas. Os recortes que faço das falas são resultado de uma interferência pessoal no dizer do outro, o aluno, no intuito de uma abordagem transversal (BARBIER, 1998).

Confesso que as repetidas escutas me incomodaram um pouco, principalmente, por não ter o hábito de usar fones de ouvido. Por isso, ouvia e, ainda ouço, na maioria das vezes, na função viva voz do gravador mesmo, o que me faz compreender quão

imigrante digital somos, mas vamos procurando nos adaptar dentro dessa realidade no trato com nativos digitais e buscando aprender cada dia mais nas relações com esses.

Seguindo a orientação de Kaufmann fui organizando as fichas por alunos, a partir dos temas, dividindo-as em partes para já ir fazendo comentários dos excertos de frases anotados, a partir da escuta. No início, a impressão de que tudo o que foi anotado nas fichas seria utilizado cria a resistência ao ter que descartar algo, por perceber que não faz mais tanto sentido quanto quando foi anotada. Assim, entre angústias e dilemas,

o amadurecimento da questão de partida vai sendo processado. Encontro-me nesse exercício, a cada nova leitura das fichas, que ainda me conduzem em alguns casos, a novas escutas.

Os comentários e interpretações em intenso processo de reflexão sobre o material em mãos fazem emergir questões e hipóteses que ao serem problematizadas (re) estruturam o plano evolutivo. São as hipóteses e as questões que orientam a produção/elaboração dos planos evolutivos, um momento nesse processo de amadurecimento intelectual, que embora tenha sua primeira versão no início do trabalho, ainda na fase exploratória, se entrecruza em diferentes momentos da construção com os outros instrumentos.

O plano evolutivo é o fio em torno do qual a narração argumentativa se desenvolve e corporifica a escritura final. O sumário da tese tem seu nascedouro nas reflexões produzidas e problematizadas no processo de evolução dos pressupostos que vão desvelando o objeto de estudo.

A existência de um fio desde a fase exploratória do trabalho é fundamental. O plano é um guia sempre em mãos, funcionando com um suporte escrito dos progressos dos pressupostos e questões. As tentativas na construção dos planos me ensinaram na compreensão de que a evolução ocorre por meio de sucessivas correções e retornos, não são meras cópias, mas exercícios de reflexões na interpretação dos sentidos, buscando as chaves de leitura nas falas dos alunos onde encontramos núcleos de significados. A totalidade dos planos construídos até o momento comporão os apêndices no final do trabalho.

Segue abaixo um modelo de ficha de interpretação e dois planos evolutivos, o primeiro e o último.

Quadro 4 – Modelo de Ficha de Interpretação (ANTONIO, CEEGTR)

Eixo: A tecnologia na história de vida dos alunos TEMA: Relação tecnologias na escola/sala de aula

FALA DO (A) COLABORADOR (A) MOTIVAÇÃO (porque considerei importante)

[01] facilita até, por exemplo num trabalho em grupo, como por exemplo, o trabalho de português como eu lhe falei, que.. eu tou fazendo, é... a gente se comunica, a gente troca ideias através de mensagens, vê o que cada um vai, pode fazer, para no dia tá tudo ok, a gente juntar as ideias, debater e e apresentar um trabalho [...]

[02] é a questão de... trabalho da escola, dever da escola, a gente se comunica com professor, tira dúvida antes da prova, a gente consegue se comunicar com o professor, no caso o WhatsApp

[03] ... oferece um recurso que são os grupos, ou seja, várias pessoas conversando ao mesmo tempo, então a gente tem um grupo da nossa sala, onde a gente pode conversar com o professor, onde a gente coloca os professores que tem também esse recurso que possa responder a gente, [03] é a mesma coisa, celulares que nos permite fazer pesquisas assim na hora, o que no caso a questão do celular, e como a... o colégio né, oferece a internet, wi a rede wi-fi, então facilita pra gente ir, pesquisar em sites da internet, pra fazer o trabalho assim na hora e até dar uma agilidade. [04] Porque tipo, o livro, o livro é uma fonte de conhecimento, mais se você for perceber, a questão dos dados da internet que te oferece, é uma questão muito maior, ou seja, a mobilidade que você tem de achar o conhecimento pela internet, pela tecnologia é muito mais rápido é muito mais fácil, então...é a questão da agilidade ne, então a produção do conhecimento é muito maior as vezes, porque a questão da extensão de conhecimento, ou seja, a quantidade de coisas que ele oferece pra você estudar, pra ler, pra você baixar um livro, pra você fazer o download de um livro, pra ler, é muito mais rápido, ou seja, vamos fazer a

A tecnologia móvel assessorando a comunicação entre os alunos nas atividades de grupo, os assuntos e divisão de tarefas sendo realizadas por meio de mensagens no celular.

Assessorando na comunicação mais rápida com o professor, como um mecanismo para tirar dúvidas escolares

WhatsApp – os grupos / conversas coletivas em tempo real – grupo da sala com a presença de professores – um acesso mais rápido

Presença intensa dos celulares na sala, independente da permissão dos professores; O celular como instrumento facilitador para as pesquisas em sala de aula; o acesso a rede wi-fi da escola

Facilidade / Agilidade nas tarefas de pesquisa

Pesquisa em livros / biblioteca X pesquisa na internet / sites. Rapidez, facilidade no uso da internet

Rapidez / agilidade / extensão no sentido de quantidade, maior quantidade acumulada nos dados.

Ver Pierre Lévy 1993 e 1999a – Hipertexto – leitura e escrita na tela do computador. Magda Soares – tela como espaço de leitura e escrita.

Não faz referencia aos pagamento dos pacotes de internet que são pagos, a internet no pais não é gratuita.

A credito ser possível fazer uma espécie de paráfrase relacionando a fala do auno sobre as funções e utilidades da internet em relação ao livro impresso com o que diz Lévy sobre a leitura e a escrita na tela.

comparação de você querer ler um livro... você vai, ter que sair da sua casa, pegar um transporte coletivo se for o caso, ir até uma biblioteca, uma rede de livros, comprar, alugar, ou algo do tipo e... se você tem internet, se você tem a tecnologia né, o celular por exemplo, você consegue fazer tudo isso de graça sem sair de casa e... sem falar que você não vai se desgastar muito e, vai produzir também conhecimentos da mesma forma, mas só que de uma maneira muito mais rápida.

Sobre a liberação do wi-fi para todos os alunos: [05]

eu acho que muitas das vezes, não seria bom de certa forma ele aproveitar 100% aquilo, porque nem todo mundo tem a mesma ideia do que é usar a rede social pro bem

não tem como o professor ou a direção da escola tá controlando tudo que ele tá fazendo, então acho que... não seria muito bom aproveitar 100% do que a tecnologia oferece, eu acho que em certas coisas dá pra aproveitar, mais os 100% eu acho que não seria o ideal...

a questão de você ter ali na mão a pesquisa, a fonte de conhecimento, eu acho que pra essa questão de... do trabalho escolar, o convívio escolar assim, as vezes trocar ideias de um grupo sobre um determinado tema, tirar duvidas com o professor seria muito útil, pra essa questão seria útil.

A ideia de uso do tempo relacionada com o desgaste da pessoa. Tensões contemporâneas

Relação tempo – espaço / mobilidade / velocidade

Biblioteca física / biblioteca virtual – qualidade de vida? Comodidade? Disciplina / Indisciplina – as formas de uso das tecnologias na escola A escola – um regulador das práticas dos alunos

Liberar / controlar

Quadro 5 – Planos Evolutivos 1 e 8

PLANO EVOLUTIVO 1 PLANO EVOLUTIVO 8

1. A tecnologia na história de vida dos alunos

1.1 Relações com/sobre tecnologias nos diferentes espaços sociais e no espaço escolar

2. O aluno e o uso/consumos de tecnologias

2.1 Relação de uso/consumo de tecnologias de informação e comunicação 2.2 Tecnologias de informação e comunicação acessadas e seus sentidos na vida dos alunos

3. A escola e as novas formas de sociabilidades

3.1 Relações de usos de tecnologias de informação e comunicação e novas formas de sociabilidades na escola

1. Regula-Ações: a tecnologia na vida dos alunos 1.1 Os alunos e o uso consumos das tecnologias digitais

a) Mobilidade e convergência midiática movendo o uso 1.1.2 Práticas sociais reguladas pelo uso de tecnologias digitais

a) Relações de prazer, poder, tensões e conflitos. b) Relações ambivalentes

1.2. Espaço escolar e práticas reguladas pelo uso de tecnologias digitais 1.2.3 A tecnologia na mão do aluno: diálogos tensos

1.2..4 Inclusão digital: implicações e paradoxos

2. Comunicação/interação mediadas por tecnologias digitais 2.1 comunicar/interagir na era dos fluxos

1.2 Espaços, formas e plataformas: a) redes sociais da internet e os aplicativos 2.2.1 Um falar digitalizado

2.2.2 Laços sociais, culturais e afetivos 2.2.3 Novos ciclos de amizades

a) as postagens como elementos reguladores na criação de novos laços de amizade b) a sensação de estar junto o tempo todo

2.3 Alunos on/off-line (ou conectado): pertencimentos e coletividades na rede 2.3.1 Formação de grupos de conversas

2.3.2 Um falar coletivo-compartilhado

3. Escola e processos socializadores 3.1 Socialização X Sociabilidade

3.2 Usos de tecnologias digitais e novas formas de sociabilidades na escola 3.2.1 Sociabilidade digital: outros letramentos

3.2.2 Grupos de WhatsApp da sala de aula a) Caderno de anotações

b) Diário de classe compartilhado

c) Forma própria de socialização dos assuntos da aula d) Autonomia didática dos alunos?