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SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO E O DILEMA ENTRE REALIDADE JURÍDICA E FÁTICA

3.1 Fidelidade partidária

Em um Estado com dimensões continentais, como o

Brasil, não é plausível pensar, contemporaneamente, na efetivação de uma democracia direta para a tomada das decisões políticas. Dessa forma, os partidos políticos surgem com uma forma de contribuir para a pluralização dos debates políticos. Em nossa democracia, são essenciais, sendo, inclusive, vedada a candidatura avulsa, conforme o art. 14, §3º, III, CF/8894.

Nesse sentido, cumpre-se dizer que a fidelidade partidária é um princípio expressamente adotado na Constituição da República de 1998, em seu art. 17, §1º 95, que ratifica a importância dos partidos políticos e da manutenção – ou salvaguarda – de sua ideologia política. Em outras palavras, considerando a ideologia como um emblemático elemento da conceituação de partido político, e levando em conta que grande parte dos mandatários eleitos pelo sistema

94A filiação partidária é no nosso sistema condição de elegibilidade (art. 14, §3º, III, CR/88). Assim, para que um cidadão se habilite como candidato precisa preencher o tempo mínimo legal de filiação de seis meses. Art. 14. [...] §3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei: [...] V - a filiação partidária; [...]

95 “§1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 52, de 2006).

proporcional se privilegiam dos votos obtidos pela legenda, é indubitavelmente importante que haja um vínculo forte entre o partido e os que exercem os mandatos eletivos.

Outrossim, não obstante a nossa lei maior ter trazido em seu cerne a ideia de fidelidade partidária, não fez previsão de sanção para quem descumprir esse princípio, fato este que gerou, e ainda gera, muitas discussões no TSE e no STF. De 1989 até 2007, seguiu-se o entendimento firmado pelo STF no julgamento do MS n° 20927/DF, que atribuía o mandato ao indivíduo eleito, possibilitando que este trocasse de legenda sem o risco de perder o mandato. Sem embargo, em 2007, o TSE, ao responder afirmativamente à Consulta nº 1398,25, apresentada pelo PFL (Partido da Frente Liberal, hoje DEM), indicou que o mandato não seria do candidato eleito, e sim do partido, que teria direito de preservar a cadeira obtida pelo sistema proporcional, sendo esse entendimento corroborado, subsequentemente, pelo STF no julgamento dos Mandados de Segurança n° 26602, 26603 e 26604. No mesmo ano o TSE editou resolução n° 22610/2007 prevendo as hipóteses de justificação para a desfiliação do partido pelo qual fora eleito o mandatário, bem como a sanção de perda de mandato para aqueles que se desfiliarem sem justa causa.

Data venia, fica evidente que o TSE sobrepujou as suas competências, conforme alegado na ADI nº 4.086, visto que as instruções normativas atribuídas a este órgão se limitam ao fim de proporcionar a fiel execução da lei, não sendo permitido que este inove o ordenamento jurídico. Nesse contexto, percebendo-se a

necessidade dessa discussão no âmbito do legislativo, é criada, em 2015, a lei nº 13165, que altera a lei n° 9096/1995 (lei dos partidos políticos), descingindo o rigor das decisões do TSE e do STF.

De grande importância, sobremaneira, foi a inclusão do art. 22- A96 que dispões sobre as hipóteses de perda de mandato por causa da infidelidade partidária. Em primazia, é válido destacar que houve a derrogação tácita das hipóteses previstas na Resolução do TSE n° 22.610/2007 para justa causa de desfiliação partidária no caso de incorporação ou fusão do partido e na criação de um novo partido político. Ademais, incluiu-se uma nova hipótese de justa causa para a infidelidade partidária, que permite a mudança de partido efetuada no período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido por lei para concorrer a eleição ao término do mandato vigente, nos termos do inciso terceiro do respectivo artigo. Trata-se um nova “janela de infidelidade partidária”, que vai além da janela temporária prevista na Emenda Constitucional n° 96/201697, pois esta é periódica, isto é, no

96 Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito. Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses: I – mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; II – grave discriminação política pessoal; e III – mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.

97 a janela da referida Emenda previa que detentores de mandatos proporcionais poderiam mudar de partido em até trinta dias da promulgação da Emenda sem prejuízo do mandato. Abriu-se a janela para deputados federais e estaduais mudarem de partido para candidatarem-se nas eleições municipais de 2016. Tratava-se de uma janela provisória

ano de eleição, os detentores de mandatos eletivos poderão mudar de partido entre março e abril para candidatarem-se nas eleições subsequentes, levando-se em consideração que é necessária a filiação por um período de 6 meses anterior às eleições. Data venia, fica clara a incoerência dessa justa causa com o princípio constitucional da fidelidade partidária, dado que o candidato eleito pelo sistema proporcional, mesmo não sendo detentor do mandato, só é obrigado a ficar no partido pelo qual se elegeu durante três anos e dois meses, pois, aproximando-se a eleição, ele poderá mudar de legenda sem qualquer limitação legal, prejudicando, sobremaneira, o partido que até então era detentor da cadeira parlamentar.

Outrossim, cumpre-se ressaltar também a discussão que está em voga na ADI 539898, proposta pelo partido político Rede Sustentabilidade ao STF. Nesta ação há um pedido de medida cautelar que tem por objeto do pedido de inconstitucionalidade o artigo 22-A da Lei nº 9.096/1995 (Lei dos Partidos Políticos), introduzido pela Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015 (minirreforma eleitoral de 2015). Em síntese, o requerente alega que o referido artigo teria excluído a criação de nova legenda como hipótese excepcional na qual o parlamentar não perderia o mandato, assim, os partidos políticos

98 ADI 5398: DIREITO ELEITORAL. AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 13.165/2015. EXCLUSÃO DA CRIAÇÃO DE PARTIDO NOVO COMO HIPÓTESE DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO À LEGÍTIMA EXPECTATIVA DE PARTIDOS CRIADOS ATÉ A DATA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI. PERICULUM IN MORA CONFIGURADO. MEDIDA CAUTELAR REFERENDADA PELO PLENÁRIO.

criados antes da vigência da nova lei, cujo prazo de trinta dias para as filiações ainda era válido, não mais poderiam receber parlamentares eleitos sem que estes perdessem o cargo eletivo por infidelidade partidária. O relator, Luís Roberto Barroso, deferiu parcialmente a medida cautelar determinando a devolução integral do prazo de 30 (trinta) dias para filiação aos partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral até a data da entrada em vigor da Lei nº 13.165/2015, utilizando-se do princípio da segurança jurídica. Independente de qual forma a nossa corte maior julgará essa ação, entendo que ela seja improcedente, assim como o seu pedido, visto que a demanda formulada seria juridicamente impossível, na medida em que desbordava na atuação do tribunal como legislador positivo, assim como compreendo que não há ofensa direta à constituição.