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fielmente possível as variações cromáticas daquela arte, considerada mais nobre,

anulando-se o mais possível o próprio elemento estruturador do mosaico – a tessela - que quase desaparecia tentando imitar as características de um guache ou um óleo.” (COELHO, 2003, p. 3)

Sabemos que, conforme Ferreira Gullar (1983), foi somente na década de 1950, com o concretismo e o neoconcretismo, é que surgiram os graves problemas da arte, com a busca de uma arte não representativa, ocasionando o abandono do estatuto social, já proporcionado pelo cubismo, que no Brasil só emergiu com os movimentos construtivos.

O propósito da conquista espacial que o neoconcretismo almejava, rompendo com o espaço tradicional de representação e inserindo a obra no espaço real, sem molduras ou base, levou a arte, de acordo com Rosa (2005), a uma ampliação de seus campos convencionais,

ressaltando a ideia de uma possível penetração no campo arquitetônico (no aspecto que trata da concepção-percepção do espaço, absolutamente ligados ao processo projetual), abrindo-se para uma suposta síntese ente arquitetura, pintura e escultura. (ROSA, 2005, p. 33)

Dessa forma, o autor considera também como uma suposta síntese das artes esse momento em que a arte brasileira se esvazia de conteúdos relacionados ao nacional, incorporando novas indagações estéticas, para constituir, paradoxalmente, obras de arte estruturalmente brasileiras. Todavia, sabemos que as aproximações entre arte concreta e arquitetura moderna foram muito escassas, talvez, como assinala o

próprio autor, pelo fato de a última ser autônoma em relação às artes nessa ocasião.

Rosa (2005) denomina esse novo ambiente brasileiro como síntese das artes, conferindo destaque para as alterações no campo da arquitetura e das artes com o surgimento da Escola Paulista, semelhante ao processo iniciado por Tatlin, Rotchenko e Lissitisky, amadurecido pelo Neoplasticismo e pela Bauhaus, chegando até Max Bill e a escola de Ulm.

O autor se refere a uma postura mais sintética dos problemas da arte e a um discurso ético perante a sociedade.

No entanto, ao abordar a Escola Paulista, que se afirmaria na atuação, tanto prática quanto teórica, dos arquitetos paulistas, principalmente na década de 1960, é importante contextualizar o ambiente pelo qual a arquitetura moderna passou.

Pereira (2009) atenta para o processo evolutivo da prática profissional da arquitetura moderna no Brasil também ter equivalência no campo pedagógico. Como se sabe, a arquitetura moderna inicia-se em São Paulo na década de 1920, com Warchavchik e Flavio de Carvalho, por meio de publicações e obras arquitetônicas. Na década de 1930 transfere tal liderança para o Rio de Janeiro, sobretudo para o grupo incumbido da construção do Ministério da Educação e Saúde e, posteriormente, na década de 1940, uma terceira etapa de desenvolvimento marca esse

processo, novamente em São Paulo, caracterizado pela atuação de Rino Levi e Vilanova Artigas. O autor destaca que, nessa segunda etapa da arquitetura moderna, representada pelos cariocas, tem-se na direção da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) o arquiteto Lúcio Costa, que, mesmo em curto mandato, influenciaria a criação anos mais tarde (1948) do Curso de Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), como um curso independente da Escola Politécnica de São Paulo. O autor complementa que esse novo curso, desde a sua criação, se aproximou da produção da Arquitetura Moderna, contando em seu quadro de professores “arquitetos formados no Rio de Janeiro, já dentro do espírito de renovação proposto pela reforma de Lúcio Costa dentro da ENBA, isto é, arquitetos de formação carioca de orientação moderna.” (PEREIRA, 2009, p. 10)

Lúcio Costa acreditava que o caminho tradicional pelo qual a ENBA até então trilhava, ou seja, o Beaux-Arts francês adaptado era ultrapassado, sendo o ensino de arquitetura resultado da aplicação da teoria da composição, compreendendo o emprego de elementos arquitetônicos e de composição. O arquiteto na sua condição de componente externo à Escola, como lembra Souza (1978), em sua empreitada com mais professores sem vínculos diretos, como Warchavchik, Alexander Buddeus e Emilio Baumgart, procurariam superar

a forma pela qual a instituição mantinha o ensino de arquitetura. Houve no período, resistência e campanhas contra a gestão de Lúcio Costa frente à Escola, ocasionando sua demissão em 1931. No entanto, sua atuação sustentou outros movimentos de oposição ao modelo de ensino da ENBA, existindo posteriormente novas reformulações, como, por exemplo, a separação entre as escolas de Belas Artes e de Arquitetura.

Pretendemos destacar como essas novas propostas pedagógicas que caracterizavam o ensino de arquitetura da ENBA sob direção de Costa entre 1930/1931, eram semelhantes aos objetivos da FAU/USP em 1948, como também da formação da Escola de Arquitetura de Belo Horizonte (EABH)112, em cuja primeira turma foi formado João Jorge Coury. Convém esclarecer, como indica Pereira (2009), que as duas escolas, tanto a carioca quanto a paulista, “eram distintas em suas origens e, em consequência, ocasionaram diferentes vitórias a cada empenho pretendido (...).” (PEREIRA, 2009, p. 11).

Ribeiro (1998) destaca como meta da EABH o interesse e um reconhecimento em formar arquitetos que traduzissem tendências de vanguarda, assim como as conquistas tecnológicas, em edifícios e espaços

112 EABH na década de 1930 “foi a primeira a se organizar no Brasil desvinculada das Politécnicas, escolas de engenharia; bem como independente dos Cursos de Belas Artes, pintura e escultura.” (RIBEIRO, 1998, p. 19)

urbanos, preocupando-se o profissional do projeto com a qualidade das construções e da própria cidade; demonstrando dessa maneira como a afirmação da arquitetura moderna pela ENBA serviu de modelo a demais cursos de arquitetura surgidos no país.

Outra questão importante também notada por Pereira (2009) é quanto à diferença de pensamento da Escola paulista e da chamada Escola carioca. A primeira mantinha defesa ao nível de detalhamento em contraposição da última que estimava pela ideia de acabamento. Entende- se por acabamento a aplicação de revestimento em superfícies como paredes/planos, pilares e pisos, como exemplo a aplicação de azulejos e/ou mármore. Já a ideia de detalhamento envolve questões de projeto, ou seja, de desenho do “pormenor”, como exemplo um caixilho especial desenhado pelo arquiteto, aproximando arquitetura e industrialização. Justamente em torno dessa concepção carioca, como indicou o autor, surgiu a polêmica crítica de Max Bill aos arquitetos cariocas, alegando serem inúteis os azulejos aplicados no edifício do MES. Talvez essa afinidade pelo acabamento justifique o reemprego do azulejo pelos cariocas e, posteriormente, quase um postulado para a arquitetura moderna brasileira nas décadas de 1940/50.

O que destacamos até o momento é que houve um entendimento da prática da arquitetura moderna, mesmo com olhares diferentes, seja

pelo detalhamento ou acabamento, mas pressupostos de orientação modernistas, o que na arte não ocorreu, ou seja, na arte sabemos que “o moderno” era assimilado em fases distintas, não como ruptura, mas como continuidade (ZILIO, 2010, p. 104). Como dito anteriormente, a arte na década de 1950, caracterizada como vanguardista era aquela tributária das correntes abstracionistas, como o concretismo. Supomos assim que, numa síntese das artes, haveria correspondência entre arquitetura e arte, ou então mesmas posições políticas e estéticas, o que na realidade não foi uma evidência.

Se pelo aspecto da concepção-percepção do espaço diretamente ligado ao processo projetual Rosa (2005) distinguiu o neoconcretismo relacionando-o a uma possível aproximação entre arte e arquitetura na década de 1950, é sabido que isso já era uma realidade na década de 1930, como já observado. Convém destacar que, desde o nascimento do mural moderno, houve uma preocupação apriorista quanto ao aspecto concepção-percepção, principalmente pela profusão de painéis, em expressões de diferentes comportamentos, mas, sobretudo figurativos, contrariando a ordem em questão.

O painel é primo moderno da pintura de cavalete, pois relativiza-se para preocupar-se com o outro, saindo de sua majestade. Pesquisa as formas, mas também as condições de observação existentes, de

modo a penetrar no âmago de quem o acaricia com o olhar. Interessam também dados como se o espectador é eventual ou não, qual característica etária, social, além de levar em conta a velocidade e a altura de apreciação, bem como se lhe é possível a fruição parada ou em velocidade, ou mesmo em mera passagem. Enfim, aquele antigo desprezo provocador reflui e namora com a parceria. (LOURENÇO, 1995, p. 250)

Contudo, sabemos que o afresco foi a primeira manifestação mural iniciada na década de 1930. Pela atuação de muitos artistas que, mantendo ainda compromissos semelhantes àqueles cumpridos pelos gêneros da pintura da época, ou seja, suas pinturas estavam diretamente relacionadas à função do espaço, aproximaram-se da obra dos pintores- decoradores do século XIX. Veremos mais adiante que uma vertente criativa na arte mural moderna, também orientada por vieses figurativos, irá imprimir um caráter mais ornamental e afetivo às edificações de cunho funcional.