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FIGURA 40 PORTARIA DE UM CONDOMÍNIO DO BAIRRO PRAIA DO CANTO

4.3.4.2- Incorporações de elementos prisionais

Muitas vezes, os padrões de fortificação se misturam com arquétipos prisionais. Segundo Foucault (1987), a prisão surge na mesma conjuntura em que grandes “reformadores”, a saber, Beccaria, Servan, Dupaty, Lacretelle, Duport, Pastoret, Target e Bergasse, se opõem à crueldade dos suplícios e castigos rigorosos que vigoravam no mundo ocidental até o início do século XVIII. Pensadores como Cesare Beccaria, principal representante da Escola Clássica da Criminologia, reivindicaram com êxito uma maior humanização das penas. “O século XVIII propôs a lei fundamental de que o castigo deve ter a „humanidade‟ como „medida‟ [...]. Glorificam-se os „reformadores‟ [...] por terem imposto essa suavidade ao aparato judiciário” (FOUCAULT, 1987, p. 64). Aparato este que se vingava dos infratores, tamanha era a perversidade dos castigos, ao invés de puni-los.

Mesmo com a referida proximidade com o movimento dos “reformadores”, a forma- prisão preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais, constituindo-se fora do aparelho judiciário. Ela estaria associada a uma aparelhagem mais ampla - mecanismos disciplinares - para tornar os indivíduos mais dóceis43 e úteis. A instituição prisão foi criada antes mesmo que a lei a definisse como a pena por excelência. Isso pode ser comprovado nas palavras de Foucault (1987, p. 195),

no fim do século XVIII e princípio do século XIX se dá a passagem a uma penalidade de detenção, é verdade; e era coisa nova. Mas era na verdade abertura da penalidade a mecanismos de coerção já elaborados em outros lugares. Os „modelos‟ de detenção penal - Gand, Gloucester, Walnut Street - marcam os primeiros pontos visíveis dessa transição, mais que inovações ou pontos de partida. A prisão, peça essencial no conjunto das punições, marca certamente um momento importante na história da justiça penal: seu acesso à “humanidade”. Mas também um momento importante na história desses mecanismos disciplinares que o novo poder de classe estava desenvolvendo: o momento em que aqueles colonizam a instituição judiciária.

O citado autor mostra que nesse período, uma nova legislação define o poder de punir como uma função geral da sociedade. Função esta que é exercida com preceitos de igualdade sobre todos, “uma justiça que se diz igual, um aparelho judiciário que se pretende autônomo, mas que é investido pelas assimetrias das

sujeições disciplinares, tal é a conjunção do nascimento da prisão, pena das

sociedades civilizadas” (FOUCAULT, 1987, p. 195).

Nessa lógica, o conceito de prisão aqui tratado se fundamenta na “privação de liberdade”. Liberdade que é entendida por Foucault (1987) como um bem que pertence a todos. Sua restrição tem, portanto, o mesmo preço para todos, melhor que a multa, ela é o castigo “igualitário”. A prisão também permite quantificar a pena segundo a variável tempo, contabilizando as sanções em dias, meses e/ou anos e estabelecendo equivalências quantitativas delitos-duração.

Essa racionalidade prisional, o que Foucault (1987) chama de “obviedade”, contribuiu para que a prisão se consolidasse como uma forma “civilizada de sanção”. O próprio Foucault (1987, p. 196) reconhece que mesmo com todos os inconvenientes da prisão, não se sabe o que pôr em seu lugar. A prisão é a detestável “solução”, cuja qual não se pode abrir mão.

O desenho arquitetônico desses ambientes possui a função básica de coibir a fuga dos apenados, garantindo a prevenção da criminalidade através da “privação de liberdade”.

A arquitetura residencial das grandes cidades brasileiras apresenta a auto-proteção como uma das principais funcionalidades. Cada vez mais, os espaços residenciais incorporam elementos característicos da arquitetura de presídios para inibir possíveis invasões de criminosos, garantindo uma maior sensação de segurança aos moradores. Nessa condição, estes encontram-se em uma parcial privação de liberdade, pois adotam o auto-enclausuramento e/ou autoconfinamento como estilos de vida, ambos fundamentados tanto pelo inegável crescimento da criminalidade violenta, quanto pelo pânico potencializado pelo fortalecimento da “cultura do medo”. Assim como ocorre a incorporação das muralhas fortificadas por parte dos feudos, os muros altos também são elementos presentes na arquitetura dos presídios. Todavia cabe aqui reforçar a funcionalidade deste elemento nos três momentos históricos tratados, a fim de evitar confusões. Como visto, no início da Idade Média as muralhas feudais executavam por excelência a atividade de delimitar o território e protegê-lo de possíveis ameaças, sobretudo, invasões dos povos bárbaros. Desde o

final do século XVIII e início do século XIX, a instituição prisional utiliza os muros altos com o propósito de delimitação territorial e para inibir eventuais fugas dos reclusos, bem como a comunicação dos mesmos com a sociedade livre. Em tempos recentes, a arquitetura residencial, em cidades como Vitória, adota as muralhas urbanas com o intuito de delimitar o território e protegê-lo de investidas de criminosos.

Como se percebe, os muros apresentam como função primordial a delimitação territorial. Nos espaços residenciais, eles diferenciam de forma clara o domínio privado do público. Seja comparando os muros urbanos elevados com as muralhas feudais, seja estabelecendo uma analogia entre os mesmos com os muros altos das prisões, uma constatação comum a que se chega é que nos espaços residenciais das grandes cidades brasileiras a necessidade de reforçar a segurança dos muros com outros elementos de proteção parece ser primordial. Na esteira disso, ocorre uma sobreposição de equipamentos medievais e prisionais por meio da combinação de paliçadas, cercas elétricas, cacos de vidro, pregos e arames farpados (ver algumas figuras anteriores).

A figura 41 apresenta a impactante combinação no uso de cerca elétrica com rolos de arames farpados em um condomínio do bairro Jardim da Penha. A referida combinação, que se mostra presente na maioria dos bairros privilegiados de Vitória, reforça não somente a semelhança da arquitetura residencial contemporânea com os presídios, mas também com os campos de concentração nazistas da Segunda Grande Guerra Mundial. Além de provocar um aspecto extremamente hostil, tais elementos representam perigo iminente aos pedestres e até mesmos aos próprios moradores do referido condomínio, principalmente, às crianças. Para não adiantar conclusões, essa discussão será retomada no próximo subitem.

FIGURA 41 - COMBINAÇÃO DE CERCA ELÉTRICA E ROLOS DE ARAME FARPADO EM UM