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FIGURA 7: TRECHO FINAL DA SEGUNDA PÁGINA DA PROVA DE LITERATURA DE ALICE NAHIR DE SOUSA

FONTE: ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL LICEU NILO PEÇANHA. Pasta do ano de 1899. Exame de literatura de Alice Nahir de Sousa.

Em fins do século XIX, a escola era uma instituição que estava em processo de adaptação à vida das pessoas. Havia a necessidade de construir novos ritmos e novas referências de tempos.355

A convergência de políticas públicas e de práticas escolares legitimava tais construções temporais. De acordo com Nobert Elias,

Assim como uma língua só pode exercer sua função enquanto é a língua comum de todo um grupo humano, e viria a perdê-la se cada indivíduo fabricasse para si sua própria linguagem, os relógios, exatamente, só podem exercer sua função quando as configurações cambiantes formadas por seus ponteiros móveis – portanto, numa palavra, as “horas” indicadas por eles – são comuns à totalidade de um grupo humano. Eles perderiam seu papel de instrumentos de medida do tempo se cada indivíduo confeccionasse para si seu próprio “tempo”. É essa uma das fontes do poder coercitivo que o “tempo” exerce sobre o indivíduo. Este é sempre obrigado a pautar seu próprio comportamento no “tempo” instituído pelo grupo a que pertence e, quanto mais se alongam e se diferenciam as cadeias de interdependência funcional que ligam os homens entre si, mais severa torna-se a ditadura dos relógios.356

Não sabemos ao certo o que incomodou a normalista Alice ao ponto de a mesma ter decidido abandonar o seu exame de Literatura. No entanto, o tempo cronológico, contável e controlado em uma rígida grade de horários, que delimitava o período para a realização das lições e dos exames pode ter sido o motivo, visto que essa postura foi repetida por outras alunas em diferentes ocasiões. Emerita, por exemplo, encerrou sua prova escrita de História do Brasil com as seguintes palavras: “A sem o tempo necessario pâra analysarmos todos feitos brilhantes dos jesuitas, diremos apenas que grande foi a sua influencia em a nossa civilização”.357 Essa atitude não impediu que a aluna fosse aprovada pela comissão avaliadora.

355

FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VIDAL, Diana Gonçalves. Os tempos e os espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 14, 2000, p. 25.

356

ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 97.

357 ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL LICEU NILO PEÇANHA. Pasta do ano de 1897 E-M. Exame de

A partir do aprofundamento do processo de escolarização, o tempo da escola passou a se impor desconsiderando diversos aspectos da vida social e, inclusive, o tempo necessário para a aprendizagem do aluno. As futuras professoras fluminenses eram treinadas para colocar em prática os novos referenciais relativos à organização do tempo. A prova escrita do exame de metodologia, do ano de 1898, por exemplo, abordava, em uma de suas partes, a questão sobre a distribuição do tempo nas escolas primárias.358

Baseando-se na lei de organização do ensino público,359 as normalistas apresentavam as matérias que compreendiam o programa do

ensino primário, em seguida, realizavam diversas contas para subdividir o tempo e construir um esquema de horário que permitisse abarcar todas as matérias presentes no referido programa.

Em um Livro localizado no acervo escolar,360 que continha registros sobre o dia a dia

da Escola Normal de Niterói, encontramos alguns dados referentes à ausência das alunas nos exames. A prova escrita da disciplina de Instrução Moral e Cívica havia sido marcada para 30 de dezembro de 1895, contudo, parte considerável das normalistas faltou. Os responsáveis pelas alunas enviaram atestados médicos, dentro do prazo, para que fosse possível justificar as ausências “por motivo de moléstia”. Não localizamos tais atestados, mas uma dúvida permaneceu: será que as alunas realmente estavam doentes ou será que, por se tratar de uma data festiva – véspera do ano novo – suas famílias decidiram resistir às amarras de controle que o tempo escolar tentava estabelecer? A questão sobre o processo de legitimação dos tempos escolares e sua disputa com outros tempos sociais, como o das famílias, por exemplo, ainda carece de maiores estudos pois,

A captura da criança pela escola, significa uma relação conflituosa com o tempo do trabalho, da igreja, da rua, família e da vizinhança, dentre outros. Os tempos familiares são continuamente invadidos pelo tempo da escola e as rotinas da casa são subvertidas, ou submetidas, às necessidades da escola. Há um longo percurso, que precisa ser estudado, até o estabelecimento das férias escolares como tempo de passeio e de congraçamento familiar.361

A imposição desse tempo artificial por meio de leis e regulamentos atravessou tanto a vivência dessas moças como alunas da Escola Normal quanto como futuras profissionais da

358 Localizamos sete provas com tais conteúdos. 359

BRASIL. ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Lei n. 41 de 28 de janeiro de 1893.

360 ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL LICEU NILO PEÇANHA. Livro sem tipologia documental

especificada e sem datação. Encontramos registrada a ausência de 13 normalistas na prova de Instrução Moral e Cívica, dentre as quais se encontravam: Albertina, Dorila, Elisa, Esther, Maria Guilhermina e Maria José.

361

BERTUCCI, Liane Maria; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; OLIVEIRA, Marcus Aurélio Taborda de.

área da instrução. Esse processo não ocorreu sem que houvesse tensões entre os tempos escolares e as condições concretas para o exercício do magistério. Em uma das provas de metodologia, do ano de 1898, mencionada anteriormente, a normalista Ricarda demonstrou preocupação em ensinar as matérias, organizar o horário, principalmente, “quando so temos um professor pâra cada eschola”. Contudo, aos poucos, esse processo se consolidou e a utilização racionalizada do tempo configurou-se como uma característica da cultura escolar.

3.2. Os exames finais de História Universal e de História do Brasil

Com o intuito de apreender, a partir do ensino de história, o sentido da formação institucionalizada das professoras que se diplomaram na Escola Normal de Niterói durante os primeiros anos da República, nos voltamos para a análise de seus exames finais de História. Do universo de provas encontradas no arquivo escolar, selecionamos para essa pesquisa 22 exames finais de História do Brasil e, sete, de História Universal, datados entre os anos de 1896 e1899. Os temas das provas selecionadas eram os seguintes:

QUADRO 5 Questões presentes nos exames de História Universal e História do Brasil

Ano Disciplina Questão Quantidade

1896 História Universal Período pré-histórico. Os primeiros homens. As primeiras ideias de civilização. A História e a sua divisão

7

1897 História do Brasil Primeira divisão do Brasil em dois governos gerais e subsequente reunião em um só.

Os jesuítas como elemento de civilização no Brasil

9

1898 História do Brasil As invasões francesas do século XVIII. 7

1899 História do Brasil Diogo de Menezes. Divisão do Brasil em dois governos. Subsequente reunião em um só.

6

TOTAL 29

Fonte: ARQUIVO DA ESCOLA ESTADUAL LICEU NILO PEÇANHA. Quadro construído pela autora.

Em sua materialidade, as provas selecionadas tiveram seus textos redigidos em folhas de papel almaço pautado, tendo sido escritas à pena com tinta de cor preta. Os exames apresentam entre sete e dezenove páginas que estão unidas por colchetes. Em algumas provas,

há um cabeçalho com o nome da escola, a data, a informação de que se tratava da prova final de uma determinada disciplina e o ano letivo. No entanto, é recorrente a ausência de cabeçalho. Nesse caso, há apenas o nome da disciplina e o ponto de prova sorteado. Ao final da resposta consta a assinatura da aluna e, na ausência do cabeçalho, antes da assinatura, encontra-se a data. Não localizamos o nome dos professores em nenhum cabeçalho, mas suas assinaturas estão presentes na primeira página de todas as provas, como é possível observar na figura oito, que se encontra na página seguinte.

O conjunto de exames finais de História Universal e de História do Brasil realizados pelas normalistas de Niterói também apresentam suas marcas de correção. Geralmente, eram três professores que assinavam com tinta preta a margem esquerda da primeira página dos exames e apresentavam os seus julgamentos – este é o termo utilizado – sobre a prova escrita. Logo abaixo, caso a aluna fosse habilitada, observamos a avaliação da prova oral.362 Mais uma

vez, eram os mesmos três professores que ajuizavam sobre o desempenho das alunas. Ao final da margem esquerda, era apresentado o grau de aprovação da normalista. Além das marcas deixadas na primeira folha, encontramos rubricas na parte superior de algumas páginas, correções da ortografia e pontos de interrogação que indicavam equívocos em relação ao conteúdo ou ideias apresentadas de maneira incompleta. As correções realizadas no corpo do texto das alunas eram grafadas com o que parece ser giz de cera azul e/ou vermelho.363

Os conceitos, ou, na linguagem utilizada, os julgamentos364presentes nas provas eram:

optima, boa, soffrivel ou má. De acordo com o Regulamento, “a maioria de notas más na prova escripta inhabilita para a prova oral”.365

Os graus de aprovação atribuídos para a conclusão do ano letivo eram: aprovação simples, plena e com distincção.366 Para ser

aprovada com distinção, a normalista deveria alcançar notas “optimas” em todas as provas. Nos quadros a seguir, consta o nome das alunas que realizaram os exames de História Universal e de História do Brasil selecionados para esse estudo. Além disso, apresentamos a data da realização do exame final, a quantidade de páginas das provas, o resultado da

362 Nos exames selecionados, todas as alunas foram habilitadas para a prova oral.

363 ECAR, Ariadne Lopes. Conhecimentos pedagógicos como orientação para a “missão docente”: a formação na

Escola Normal de Niterói na Primeira República (1893-1915). Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2011, p. 143. Dissertação de Mestrado em Educação. Compartilhamos com a autora a hipótese de que a variação de cores poderia corresponder a correções realizadas por pessoas diferentes, mas não foi possível confirmar tal suposição.

364

Nas provas, encontramos os conceitos precedidos da palavra “julgo”: julgo ótima, julgo boa e assim por diante.

365 BRASIL. ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Decreto nº 236 de 31 de outubro de 1895. Regulamento das

escolas normais do Estado. Art. 35.

366

BRASIL. ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Decreto nº 236 de 31 de outubro de 1895. Regulamento das escolas normais do Estado. Art. 37.

avaliação do exame escrito, do exame oral e o grau de aprovação que cada normalista alcançou.

FIGURA 8: PRIMEIRA PÁGINA DA PROVA DE HISTÓRIA DO BRASIL ANNA LOPES