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3.5 Metodologia de Análise dos Dados

3.5.2 Figuras de ação

A partir das definições sobre as duas categorias de segmentos temáticos, a análise das entrevistas parte de recortes específicos de acordo com temas diversos, segundo as etapas das entrevistas, descritas na seção 3.2.1. Após o recorte dos temas, os STTs passaram por uma categorização, o que Bulea (2010) denomina como figuras de ação.

O termo Figura de ação (BULEA, 2010) ou Figura do agir (BRONCKART, 2006) designa as configurações interpretativas transversais e recorrentes do agir, oriundas a partir da análise do conjunto dos segmentos temáticos que focalizam o agir das actantes. Segundo Bulea (2010, p. 100), cada figura de ação é uma figura interpretativa do agir, que surge a partir “Do ponto de vista de sua organização enunciativa e dos mecanismos linguísticos que fundamentam a compreensão do agir” fazendo com que os documentos em análise – no caso das entrevistas, neste estudo – comportem um conjunto de características igualmente transversais que marcam por sua regularidade e sua recorrência. Dessa forma, Bulea (2010) apresenta as figuras como produtos interpretativos que resultam da análise do conjunto dos segmentos temáticos do trabalhador que focalizam o agir e que são identificáveis, sobretudo, pela articulação entre o tema do segmento temático e os tipos de discurso, os quais são responsáveis pela organização do conteúdo temático, além de outras instâncias como, por exemplo, relações de temporalidade, marcas de agentividade e aspectos ligados às modalizações nos textos.

As figuras de ação visam a analisar a influência que o agir exerce eventualmente na dimensão linguística dos tipos de discurso, nas modalidades de elaboração das representações que cada actante tem do seu trabalho. Nesse sentido, são elencadas cinco figuras de ação propostas por Bulea (2010):

a) Ação ocorrência: a ação ocorrência, também conhecida como ação situada, é caracterizada por forte um grau de contextualização. Normalmente, há a mobilização de um duplo contexto (contexto imediato do actante e o particular, evocado pelo actante). Em relação às marcas de agentividade, é marcada no texto por pronomes em primeira pessoa (singular, plural), havendo a forte implicação do actante nos dois contextos evocados. Além disso, apresenta marcas no texto que mostram relações de temporalidade no que diz respeito ao momento da enunciação. As localizações temporais dessa figura de ação podem apresentar relações de anterioridade (com verbos no pretérito perfeito e imperfeito); de posterioridade (com verbos no futuro composto e futuro simples); e de simultaneidade (com verbos presente do indicativo). Essa é a figura de ação mais comum nos segmentos temáticos, pois o contexto situacional e

a identificação do actante são traços marcantes.

b) Ação acontecimento passado: é caracterizada pela captação retrospectiva do agir na sua singularidade, mas sem relação com a situação de produção de linguagem. Há contextualização, mas ela é fragmentária e seletiva. O acontecimento é evocado pelo actante, que utiliza a relação de temporalidade relacionada ao passado, antes do momento da enunciação, e opta pelo misto relato interativo ou pela narração para contar os fatos. Essa figura de ação tem um valor ilustrativo do agir em questão ou de uma de suas dimensões, tratando-se de incidentes inesperados por ocasião da realização da tarefa. As marcas de passado acontecem por expressões temporais, localizadas no início do segmento, o que mostra que o conteúdo temático mobilizado é primeiramente e explicitamente distanciado dos parâmetros temporais da situação de interação.

c) Ação experiência: a figura de ação experiência é caracterizada como cristalização pessoal de múltiplas ocorrências (do agir) vividas, o que remete à experiência do actante, a partir da repetição de atividades práticas de uma mesma tarefa. Está mais ligada a um contexto singular e se apresenta como descontextualizada do agir, embora seja assumida pelo actante, se apresentando como aplicável a cada contexto. Apresenta sintagmas e modalizadores que tenham o mesmo valor e pelo presente genérico dos verbos. Diferentemente da ação ocorrência, que é estruturada segundo o eixo de referência da situação de interação e comporta múltiplos eixos locais, ela está estruturada segundo um único eixo. Há coexistência e cofuncionamento de várias formas pronominais, sendo a mais frequente as formas em segunda pessoa, com valor genérico, que pode alternar com primeira pessoa ou com o “pronome” a

gente (nós), que revelam uma menor implicação do actante, o que é

confirmado pela oscilação entre o actante se colocar no texto como ator ou como agente das ações.

d) Ação canônica: é caracterizada como um agir captado sob a forma de “[...] construção teórica, abstração feita de todo contexto das propriedades do actante que a efetua” (BULEA, 2010, p. 141). É descontextualizada,

com validade geral, evocando instâncias externas, que se responsabilizam pelo que é dito, dependendo sempre de normas em vigor. É caracterizada por uma evocação genérica dos fatos que não se relacionam nem com a situação de interação nem com qualquer origem temporal e por graus variáveis de implicação do autor do texto no conteúdo evocado. O actante é neutralizado no discurso e o eixo de referência temporal é não limitado e geralmente não situado, com formas do presente genérico. Os procedimentos são expostos de forma cronológica, focalizando o próprio cuidado ou normas exteriores que regulam o agir.

e) Ação definição: a figura de ação é caracterizada como sendo o agir captado enquanto objeto de reflexão, na qualidade de suporte e de alvo de uma redefinição por parte do actante. Sua temporalidade não é limitada e conta com a presença de modalizadores verbais no presente genérico, comportando um número reduzido de relações predicativas fortes (sujeito + verbo). A agentividade é quase inexistente, mas muito fortemente marcada do ponto de vista enunciativo, sendo essa ação a figura que comporta o maior número de mecanismos de posicionamento enunciativos. Essa figura de ação também é descontextualizada e manifesta, de forma determinante, o trabalho interpretativo do actante, que reinterpreta o seu agir, utilizando necessariamente o repertório linguístico, que está disponível em sua língua, mas utiliza-o de forma diferente, mobilizando o verbo ser como marca de atribuição de propriedade (“é um momento”, “é um ato”), uma vez que ressignifica a ação e a compreensão do agir de cada actante.

Neste estudo, a partir dos recortes das entrevistas em segmentos de orientação temática (SOT) e segmentos de tratamento temático (STT), algumas figuras de ação foram identificadas, de acordo com as semelhanças discursivas elencadas na pesquisa desenvolvida pelo LAF. Algumas estruturas no conjunto de cada entrevista podem propor uma alternância das figuras de ação, que consiste na presença de duas ou mais figuras de ação num mesmo STT. De acordo com Bulea (2010, p.159-160), a alternância das figuras de ação “[...] revela a onipresença do processo interpretativo, que se concretiza pela construção de ângulos de compreensão

diferentes entre si, mas orientados para a mesma realidade”.

Anteriormente à classificação de cada figura de ação, de acordo com a identificação das características principais nos STT, também foram reconhecidos os tipos de discursos presentes nos segmentos temáticos, fundamentais para o processo da abordagem textual discursiva.