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A filosofia da práxis como meio de educar para a libertação, segundo Enrique

3 EDUCAÇÃO FORMAL E EDUCAÇÃO NÃO FORMAL: construção e

4.5 A filosofia da práxis como meio de educar para a libertação, segundo Enrique

Seria a educação emancipatória? Se tomarmos educação apenas como forma de ação do Estado, como espaço de formação por ideologias, currículos e puramente formal, veremos que a educação, ao contrário de educar para emancipar, adestra para a subordinação, controla e manipula a existência dos oprimidos e oprimidas, a existência do outro, que, em questão, é a “nosotros” latino-americanos.

Para compreendermos Dussel, é necessário pensar a educação que nos vem sendo colocada de cima para baixo, como ordem e controle, pensar nossa condição de outros latinos e latinas. Em linhas gerais e de forma ousada, compreendemos que pensar a educação não significa um pensar puramente sobre a educação colonial e sua filosofia mercantil, ou sobre seu poder político e econômico, mas nos diz respeito a pensar sobre a ética e a política que nos constituem como existentes e resistentes da periferia e do seu sofrimento.

A filosofia colonial na América Latina foi colocada como mera imitação da produção do centro, sendo um modo de pensarmos o papel da educação que nos foi colocada e que até os dias atuais segue normas de uma educação vigente de fora para dentro, de cultivar nas terras latinas a ocultação da dominação sofrida, onde se apaga o que se tem como saber e se traz o novo, o bom, uma ideologia adrede pronta. Como bem coloca Dussel (1977, p. 17), “foi o começo de uma dominação cultural que se aperfeiçoaria mais futuramente”.

Fica evidente que nunca foi característica do centro em período de colonização das Américas transformar a periferia em cabeças pensantes, como se considera ser, mas, sim, em mercados de uso de mão de obra, e para tal, o ponto de partida foi o apagamento por uso da violência e da força ideológica sobre a cultura existente e da imposição de suas culturas. Mas o desejo de libertação é o horizonte que nos acompanha na luta contra a hegemonia filosófica europeia.

Sobre essa hegemonia eurocêntrica, nos foram colocados vários mitos como latinos que somos, nos foram implantadas ideologias e inversões de culturas, tudo a serviço do capital e suas forças de ação pelos países europeus opressores.

Os países opressores tornaram-se cada vez mais ricos em termos absolutos, porém muito mais em termos relativos, pelo dinamismo da disparidade crescente. O capitalismo central pode dar-se ao luxo de criar e acreditar em seus próprios mitos de opulência, mas os mitos não são comestíveis, e os países pobres que constituem o vasto capitalismo periférico o sabem muito bem (GALEANO, 1976, p. 15).

É sob a condição de dominados que nós dos países periféricos somos educados, sendo, portanto, necessária uma inquietação sobre qual educação queremos e se nos cabe ainda nos dias atuais aceitarmos aquilo que nos foi implantado por uma hegemonia da dominação e da exploração de nossas culturas e história latino-americana, que representa na periferia a repetição das ideias dominantes, onde o ensino ainda é caracterização de seus mestres e discípulos de ideologias dominadoras sistematicamente reprodutoras e hegemônicas centradas nos eurocentrismo. Pensar por meio da práxis se faz necessário, já que, como filosofia pedagógica (a práxis) do ensinar e do aprender por meio da existência latina, ela deve envolver a realidade humana na qual existimos e à qual resistimos contra a hegemonia do educar pelo ego, contra ao que Dussel chama de “lavagem cerebral” (DUSSEL, 1977).

Elaborar ideias acerca de uma educação para emancipação é refletir e atuar contra tudo aquilo que nos oprime, que nos exclui, que nos aliena e que, cotidianamente, nos mata, ou seja, é pensar acerca da vida latina concreta, é pensar as dores da colonização e a resistência e a insistência na existência de nossa identidade latina das vítimas periféricas. É deste modo que a

busca pela libertação e as lutas contra a opressora que a filosofia da libertação se torna fundamento da práxis como meio da educação de nossa gente (DUSSEL, 1977).

Partindo dos princípios eurocêntricos cheios de fetiche24, funda-se uma educação latina

pensada de cima para baixo, do Norte para o Sul, do centro do mundo para as periferias. Deste modo, trazemos Freire para dialogar sobre a educação, a libertação e a práxis educativa que Dussel nos coloca na Filosofia da libertação.

Já que a liberdade é uma prática da classe oprimida contra a educação hegemônica que nos é colocada, o educador e o educando são outros a buscar e a efetivar suas lutas para a quebra das contradições que envolvem a ação do ato de educar. Como expressa Freire na pedagogia do oprimido: “Em verdade, não seria possível à educação problematizadora, que rompe com os esquemas verticais característicos da educação bancária, realizar-se como prática da liberdade, sem superar a contradição entre o educador e os educandos. Como também não possível fazê- lo fora do diálogo” (FREIRE, 1987, p.39).

Todas as obras de Freire perpassam pela luta da classe oprimida contra os opressores. Suas pedagogias desde a do Oprimido, a mais conhecida, à da esperança, que é um livro de memórias de suas experiências como educador, que fala da liberdade pela qual a periferia luta e busca, advinda de lutas sociais e resistência latino-americana. Esses trabalhos colocam Freire como patrono da educação brasileira.

Notamos na Pedagogia da esperança um reencontro com a pedagogia do oprimido de Freire que a educação, para ser libertadora e emancipatória socialmente, precisa mais que aplicar suas formas de “ensino bancário”, precisa se deixar aprender na medida que se busca ensinar, pois a leitura de mundo é rica de saber, e antecede a leitura da palavra, partindo da realidade humana para chegar à palavra. Parafraseando o filósofo da periferia do Brasil, afirmamos que a esperança é um sinal de revolta, desesperança e resistência de amor e raiva, e sem estas contradições não haveria a esperança que nos move para uma educação emancipatória e libertadora (FREIRE, 1998).

A práxis como libertação pedagógica deve partir então de um projeto de quebra da opressão educacional colocada pela cultura de colonização, em que a transformação nasça da

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Remetendo à ideia de fetiche abordada por Karl Marx, Dussel coloca o fetiche como mais que uma Europa divinizada, mas como o todo que é colocado como essencial pela cultura opressora para a periferia e mais precisamente o fetiche como forma de poder e dominação. “O fetiche do dinheiro veio lançar por terra todos os outros deuses do altar do centro, e é adorado cuidadosamente pelas grandes potências cultas, democráticas, gordas de tanto consumir. Em seu altar, imolaram-se os índios das minas de ouro, os negros escravos, os asiáticos coloniais, a mulher como operadora de luxo inútil e vagina contratual, como diria Ester Vilar, o filho como mercado potencial de mercadorias desnecessárias” (E. DUSSEL, 1977, p.105).

luta do povo. “Deve ser o trabalhador revolucionário da cultura, homem do povo sem deixar o povo, mas com consciência crítica, que conduz o próprio povo à sua afirmação cultural. Enquanto não se conseguir formar na própria práxis a consciência crítica de líderes populares, toda educação será elitista, dominadora” (DUSSEL, 1977, p. 101).

Compreendemos então para o filósofo a libertação por meio da filosofia da práxis na ação pedagógica, em que a filosofia da práxis é o meio de educar para a libertação, é conseguida na luta e na resistência encontrada no povo. Seus líderes populares devem ser sábios mestres, para então a afirmação cultural ser o traço de sua humanidade a serviço de seu povo para a revolução que transformará a periferia em nova cultura alternativa, no triunfo do povo. Do contrário, a educação será meramente reprodutora do sistema de introjeções ideologizadas dominantes e, consequentemente, opressora.