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2. TRIBUTAÇÃO, FINANÇAS PÚBLICAS E POLÍTICA FISCAL

2.2. FINANÇAS PÚBLICAS, POLÍTICA FISCAL E TEORIA DA

2.2.1. Finanças Públicas, atividade financeira e tributação

As Finanças Públicas (ou Ciência das Finanças) configuram-se como a contraparte econômica que estuda a atividade financeira estatal, analisando os fenômenos ligados à obtenção de receita e ao exercício do gasto público pelo Estado54.

Relativamente à tributação, por atuar no plano do ser, as Finanças Públicas investigam o sistema tributário enquanto fato, permitindo ao jurista refletir sobre grau de eficácia social das normas tributárias editadas. Sob tal perspectiva, a Ciência das Finanças permite tanto analisar as características e implicações de um dado sistema tributário pré-estabelecido, como propor novos rearranjos ou modelos tributários que atendam as necessidades do Estado e da sociedade.

Sobre a relação entre as Finanças Públicas e o Direito Financeiro, ambos possuem como objeto a análise e disciplina da atividade financeira do Estado. Mas enquanto o segundo possui caráter prescritivo, determinando os meios, a forma e a maneira de se obter e aplicar a receita pública através do direito positivo55, a Ciência das Finanças possui natureza descritiva, analisando no plano fático como ocorre a obtenção de receita e realização do gasto público e seu impacto sobre o sistema socioeconômico, inclusive de maneira a propor novos arranjos financeiros mais eficientes.

Historicamente, apesar de possuir alguns estudos esparsos desde a Antiguidade, é somente no século XIX que a disciplina das Finanças Públicas ganha autonomia científica56. Nesse período, há significativa influência do trabalho de Adam Smith, The Wealth of Nations, que dedica parte de sua obra ao estudo da tributação e das finanças57. Autores como David Ricardo (Principles of Political Economy and Taxation), C. F. Bastable (Public Finance), e

In: BARRETO, Aires Fernandino et al. Segurança Jurídica na Tributação e estado de direito. São Paulo: Noeses, 2005, p. 558.

54 “Ela é a disciplina que, pela investigação dos fatos, procura explicar os fenômenos ligados à obtenção e dispêndio do dinheiro necessário ao funcionamento dos serviços a cargo do Estado, ou de outras pessoas de direito público, assim como os efeitos outros resultantes dessa atividade governamental.” (grifos do autor).

BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças, 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 6. A obra de Baleeiro é um clássico da literatura sobre Finanças Públicas no Brasil, em virtude de sua abordagem sistemática da matéria e por trazer diversas reflexões de teóricos estrangeiros, mas vinculando sua análise à realidade brasileira.

55 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças, 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 33. 56 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças, 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 10. 57 Em sua obra, Adam Smith dedica o Livro Quinto ao estudo das finanças do Estado, discutindo inicialmente a

questão do gasto público para, em seguida, tratar das fontes de receita do Estado, com ênfase nos tributos. Cabe a Smith o esboço e a condensação das principais características para um sistema tributário ótimo, tema que será retomado no item 2.2.4.1. Cf. SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas

Knut Wicksell (Studies in the Theory of Public Finance)58, contribuíram expressivamente para estudos sobre as Finanças Públicas que se desenvolveram posteriormente. Com Keynes, na primeira metade século XX, há a aproximação da Ciência das Finanças com a Economia do Bem-estar, com amplo desenvolvimento da pesquisa sobre o papel da Política Fiscal como mecanismo de combate à inflação e ao desemprego (The General Theory of Employment,

Interest and Money)59.

Na década de 1950 surge a obra de Richard Musgrave, The Theory of Public Finance:

A Study in Public Economy, lançando as bases da Economia do Setor Público ou Finanças

Públicas Moderna60. Nessa nova abordagem, há uma expansão do estudo da disciplina, agora tratando de temas como a teoria das falhas de mercado e o papel do governo para a sua correção, as falhas do governo, a análise e modelagem das políticas públicas, a teoria da tributação e o aperfeiçoamento dos sistemas tributários, o federalismo fiscal, a análise custo- benefício, entre outros61.

Do ponto de vista de sua justificação enquanto ramo científico, as Finanças Públicas surgem como instrumento de análise da atividade financeira do governo, fato que se consolida com o advento do Estado Fiscal. Dessa maneira, torna-se necessário uma ciência que investigue a fundo os fenômenos relacionados à obtenção de receita e realização de despesas (análise econômica positiva), bem como proponha novos modelos e práticas que aperfeiçoem o exercício da atividade fiscal (análise econômica normativa).

Ao estudar a despesa pública, a Ciência das Finanças debruça-se sobre as questões relativas aos gastos governamentais realizados, via de regra, no cumprimento das atribuições básicas do Estado, tais como a prestação de serviços públicos, o financiamento de obras públicas, os gastos com pessoal na administração pública, a manutenção do sistema de seguridade social etc. As atribuições do governo que orientam a realização da despesa pública são resultado da proposta sociopolítica adotada pelo país. No caso brasileiro, a Constituição

58 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças, 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 15. 59 “Foi depois do impacto da General Theory of Employment, Money e Interest, de Lord Keynes (1936), que a

‘Política Fiscal’ veio a ser objeto de estudos mais atentos, dando origem a uma bibliografia já valiosa. Partindo dos conceitos teóricos desse festejado economista inglês, seus discípulos se bateram vivamente para que os instrumentos tributários e financeiros fossem empregados para alcançar-se e conservar-se o equilíbrio econômico, preservando-o de violentas flutuações ou oscilações cíclicas, isto é, tendências para o desemprego, ou, pelo contrário, para o sobre-emprego, inflação etc.” BALEEIRO, Aliomar. Cinco aulas de finanças e política

fiscal, 2ª ed. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1975, p. 34.

60 ARVATE, Paulo; BIDERMAN, Ciro. Apresentação. In: ARVATE, Paulo; BIDERMAN, Ciro (org). Economia do setor público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. IX.

61 Na atualidade, a obra Economics of public sector, do professor da Universidade de Columbia Joseph E.

Sitglitz, é referêcia no estudo da Economia do Setor Público. No Brasil, destacam-se as obras Economia do setor

público no Brasil, organizada por Paulo Arvate e Ciro Biderman, e Finanças Públicas – teoria e prática no Brasil, de Fábio Giambiagi e Ana Paula Além.

Republicana de 1988 é o principal instrumento normativo que delimita e norteia a realização do gasto público, ao estabelecer um rol de funções governamentais que vão desde o financiamento de serviços como educação e saúde pública, até a estrutura do sistema previdenciário nacional. Nesse sentido, a estrutura jurídica e política do Estado, ao orientar a despesa pública, também repercute na obtenção de recursos públicos.

Tradicionalmente, a forma de obtenção de recursos públicos distingue-se, quanto à sua fonte, em duas: as receitas originárias e as receitas derivadas62.

As receitas originárias correspondem àquelas obtidas pelo Estado através de sua atuação no domínio econômico, onde há a exploração do seu próprio patrimônio no intuito de obter receita. Destacam-se, por exemplo, os lucros advindos de empresas públicas ou sociedades de econômica mista, ou a alienação ou a concessão de bens públicos (mediante contraprestação do particular) como fontes de receitas originárias.

Em contrapartida, a obtenção de receitas derivadas é fruto de uma atuação não- econômica do Estado, através da extração compulsória do patrimônio dos indivíduos, no exercício de sua soberania. Ao instituir uma multa pecuniária pelo cometimento de algum ato ilícito, ou ao convocar uma pessoa para prestar determinado serviço eleitoral ou desempenhar a função de jurado, o Estado obtém, direta ou indiretamente, receita (no segundo caso, a obtenção dá-se de maneira indireta, já que não há gasto com pessoal na convocação compulsória para a prestação de serviços públicos). Nos exemplos citados, seja na prestação de serviços públicos de maneira compulsória ou na imposição de multa com caráter pecuniário, se vislumbra, ao menos diretamente, um objetivo arrecadatório explícito por parte do governo. Para realizar sua função arrecadatória, o Estado se vale de sua receita derivada por excelência, os tributos. Eles correspondem à principal fonte de receita pública (compreendendo tanto as receitas originárias quanto derivadas) que o governo dispõe para o financiamento de gastos públicos63, representado a principal característica do Estado Fiscal, consoante discutido anteriormente64. Inclusive, a Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, que

62 FERNANDES, Edison Carlos. Adaptação da política fiscal em tempo de economia internacional integrada. In:

VASCONCELLOS, Roberto França de (coord.). Direito tributário: política fiscal. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 130-131.

63 Citando passagem de José Casalta Nabais, Marcelo Guerra Martins pondera que “Embora existam outras

fontes capazes de fornecer dinheiro ao Estado, se for levado em conta as variáveis ‘quantidade relevante’ e ‘perenidade’, conclui-se que os tributos ostentam maior qualidade em vista das demais espécies, o que os torna os itens principais de receita pública na atualidade [...].”MARTINS, Marcelo Guerra. Tributação, propriedade e

igualdade fiscal: sob elementos de direito & economia. Rio da Janeiro: Elsevier, 2011, p. 155.

64 Tomando como referência os dados apresentados no Anexo I, da Lei nº 12.595, de 19 de janeiro de 2012, que

instituiu a Lei Orçamentária Anual da União para o exercício financeiro de 2012, as receitas provenientes de tributos (que compreendem a “Receita Tributária” e a “Receita de Contribuições”) representarão aproximadamente 68% da arrecadação do corrente ano. Disponível em:

institui normas gerais de Direito Financeiro, confere papel de destaque para os tributos na composição da receita pública65.

Sobre a relação entre receita e despesa pública, há entendimentos no sentido de que o aumento da carga tributária (receita pública derivada) durante toda a década de 1990 e até o presente, é resultado da conjuntura sociopolítica estatuída pela Constituição de 1988, que ampliou significativamente as atribuições do Estado, bem como realizou alterações estruturais do ponto de vista político e administrativo, que vão desde o aumento do gasto com pessoal até a flexibilização dos requisitos para a criação de novos municípios66. Essa alteração relativa às funções do governo, por óbvio, gerou um impacto no gasto público que influencia diretamente na principal fonte de receita pública, os tributos.