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3. O DIREITO E ECONOMIA COMO INSTRUMENTO DE ANÁLISE DA

3.3. TRIBUTAÇÃO, FINANÇAS PÚBLICAS E ANÁLISE ECONÔMICA DO

3.3.2. Estado, mercado e a Curva de Laffer

3.3.3.3. Igualdade

Em tópicos pretéritos, abordamos o trade off existente na tributação entre eficiência e equidade207. A busca pela equidade no sistema tributário, i.e., o tratamento igual dos contribuintes que possuam os mesmos atributos (equidade horizontal) e o tratamento diferenciado para contribuintes que se encontram em situação desigual (equidade vertical), é algo eticamente e socialmente desejável pela coletividade. Ao lado da eficiência econômica, da simplicidade, da flexibilidade e da transparência, a equidade é um dos princípios que orientam a formatação do sistema tributário ideal, consoante as reflexões propostas pela Economia do Setor Público.

O tratamento equânime ou igualitário é algo tão caro à sociedade que sua busca é encarada como verdadeiro direito fundamental. Tanto é assim que a ideia da igualdade se confunde com o próprio conceito de justiça (ou, contemporaneamente, com a chamada “justiça social”). A Constituição Federal de 1988 contempla expressamente o referido direito individual no caput do artigo 5º208. Mas o constituinte brasileiro foi além, ao prever a chamada “igualdade tributária”, uma das limitações constitucionais ao poder de tributar209. Mantendo coerência com o conceito de justiça, à igualdade tributária corresponde a denominada “justiça fiscal”.

O problema reside na determinação de qual o melhor critério para aferir o grau ou nível de igualdade/desigualdade. Em outras palavras, o princípio da igualdade tributária não pode ser determinado aprioristicamente; ele necessita de uma medida de comparação para que seja determinável na prática, inclusive como forma de evitar tratamentos desiguais. O contribuinte “A” não está em uma situação igual ou desigual per se, mas somente quando

206 Esta discussão será retomada no Capítulo 4, item 4.1.1. 207 Cf. item 3.2.2.

208 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade [...].

209 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao

Distrito Federal e aos Municípios: [...]

II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos e direitos; [...].

comparado ao contribuinte “B”, e mesmo essa comparação exige uma medida, seja ela a renda, a riqueza, contraprestações estatais ou capacidade contributiva210.

A discussão sobre qual o melhor critério comparativo da igualdade na tributação é algo que permeou e ainda permeia as análises jurídica e econômica da matéria. Consoante exposto211, a classificação básica dos dois principais critérios para a aferição da igualdade está representada no “princípio do benefício” e no “princípio da capacidade de pagamento”. No primeiro, a igualdade é medida através das contraprestações estatais que os indivíduos recebem ao pagarem tributos; por somente pagarem proporcionalmente ao que recebem em termos de serviços públicos, a tributação que se pauta pelo princípio do benefício seria a que mais se aproxima do princípio da igualdade. No entanto, nem todos os serviços públicos podem ser mensurados de maneira a definir o grau de benefício que cada contribuinte percebe individualmente. Um exemplo disso é a segurança pública. Além disso, o princípio do benefício não permite identificar os critérios distintivos da igualdade horizontal e da igualdade vertical.

Diante das dificuldades encontradas relativamente ao princípio do benefício, surge o princípio da capacidade de pagamento, ou capacidade econômica. Nele, a medida de igualdade se faz presente em critérios que identificam quanto o indivíduo pode contribuir para a despesa pública. Em outras palavras, cada cidadão irá contribuir para o financiamento do Estado na proporção de sua disponibilidade econômica; quem possui mais capacidade econômica contribuirá mais, e vice versa.

Cabe notar que tanto o princípio do benefício quanto o da capacidade de pagamento foram contemplados no sistema tributário brasileiro. O primeiro corresponde exatamente aos critérios de tributação previstos na Constituição de 1988 e no Código Tributário Nacional, referente às espécies tributárias “taxas”212 e “contribuições de melhoria”213. Já o princípio da capacidade de pagamento, também denominado “princípio da capacidade contributiva”, está

210 “A questão central é, precisamente, saber como escolher a medida de comparação, dentre as tantas

disponíveis, e qual deve ser a relação existente entre a medida de comparação e a finalidade que justifica a sua utilização”. ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria da igualdade tributária, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 43-44.

211 Cf. Capítulo 2, item 2.2.4.1.

212 CF/88, Art. 145. A União, o Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes

tributos: [...]

II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; [...].

213 CTN, Art. 81. A contribuição de melhoria, cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos

Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resulta para cada imóvel beneficiado.

expressamente previsto, ao menos com relação aos impostos, no artigo 145, § 1º, da CF/88214-

215. Exemplo já citado da concretização do princípio da capacidade contributiva é a

progressividade das alíquotas do Imposto de Renda, que variam conforme os graus de disponibilidade econômica dos contribuintes.

A Análise Econômica do Direito aponta que, quanto mais se busca a igualdade no sistema tributário, maiores serão as perdas de eficiência. Essa perda de eficiência, apesar de estar justificada sob uma perspectiva jurídico-axiológica, não pode ser de tal monta ao ponto de inviabilizar a própria manutenção do sistema econômico. Os agentes públicos devem buscar as alternativas que permitam conciliar, sempre que possível, um mínimo de perda de eficiência econômica com o máximo de equidade. Nesse sentido, as proposições relativas ao tributo ótimo216 apontam para critérios que conseguem minimizar os efeitos do trade off entre eficiência e igualdade.

Sob uma outra perspectiva, e agora em referência ao princípio da igualdade em sentido amplo, medidas tributárias que busquem a redução das desigualdades socioeconômicas, a exemplo dos incentivos fiscais, também devem atender a critérios econômicos, de maneira a ser possível analisar se os meios empregados conseguirão atender aos objetivos pretendidos.