• Nenhum resultado encontrado

2.2 Reforma Financeira de 1964: o Sistema Financeiro Nacional e os imperativos ao processo de concentração-dispersão das corporações

financeiras

As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas pelo acréscimo de um conjunto de objetos técnicos ao território nacional, os quais buscavam o adensamento da integração entre os circuitos produtivos nacionais e a intensificação do processo de internacionalização da economia brasileira, cujas racionalidades se dão sob uma base concentradora e oligopólica. Nessa nova fase de desenvolvimento do capitalismo no país, profundas alterações foram impetradas sobre os sistemas de transportes, de telecomunicações, de eletricidade e da produção industrial e agrícola, investimentos que tornaram o mercado brasileiro mais atraente às grandes corporações multinacionais.

Conforme Santos e Silveira (2011, p. 101), os sistemas de engenharia, organizados a partir de então buscaram a integração entre as muitas estruturas técnicas existentes, que, constituídas para responder às solicitações locais, passaram a operar de forma integrada ao estabelecer solidariedades organizacionais, orientadas a privilegiar a convergência de determinados atores e determinadas regiões. O implemento desse meio técnico científico e informacional no território nacional garantiu, no Brasil, a aceleração dos processos de urbanização (SANTOS, 1993), conferindo um reordenamento os espaços urbanos, suas formas e adensamento das redes urbanas.

Não obstante, o ímpeto por modernização levou a demandar novas formas para o sistema financeiro nacional, derivadas da necessidade de reordenamento das práticas financeiras indispensáveis ao financiamento dos novos conteúdos econômicos que afloravam no território cada vez mais tecnicizado, sequioso de estruturas modernas de

14 As solidariedades organizacionais dão conta de uma cooperação muito mais ampla, cuja coesão

organizacional é baseada em racionalidades distantes que se impõem sobre as regiões e lugares, criando uma “coesão organizacional” (SANTOS, 1996, p. 226) entre elas. Constituem uma racionalidade superior, da ordem dos atores hegemônicos da política, economia e cultura.

crédito e de um sistema de normas creditícias unificado. Nessa conjuntura, o dia 31 de dezembro de 1964 marcou a data de promulgação, pelo, então, Presidente, o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, da Lei nº 4.595, a Lei da Reforma Bancária, que dispunha sobre a política e as instituições monetárias, bancárias, creditícias e a criação do Sistema Financeiro Nacional (SFN). Instituiu-se, assim, o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Central do Brasil (BCB), que substituiu a SUMOC ante o norteamento das políticas monetárias e creditícias nacionais, cuja finalidade seria “[...] formular a política pública da moeda e do crédito, objetivando o processo econômico e social do país” (BRASIL, 1964). Constituíam o Sistema Financeiro Nacional, segundo o texto da Lei 4.595/64 e conforme suas atribuições, o Conselho Monetário Nacional, o Banco Central do Brasil, o Banco do Brasil (BB), o BNDE e as demais instituições financeiras, públicas ou privadas.

Outro amparo legal importante para a reforma do sistema financeiro nacional, do período imediato ao golpe militar consistiu-se na promulgação da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965 (BRASIL, 1965), ou Lei do Mercado de Capitais15, que possuía como escopo disciplinar o mercado de capitais e o estabelecimento das medidas para o seu desenvolvimento. Assim, foi institucionalizado, no Brasil, um mercado de títulos e ações que promoveram, conforme exposto por Contel (2007), uma “desmaterialização da riqueza” no país, a partir da instituição de um mercado de títulos que modernizou o fenômeno das finanças e instituiu novos serviços e técnicas à intermediação financeira.

As referidas leis compunham a base de reconfiguração das normas que versavam sobre as finanças no território nacional, dada a necessidade das alterações demandadas pela instalação e propagação de um meio técnico-científico e informacional no território brasileiro. Para Dias (1992), a política de subsídios do governo aos setores agrícola, de exportação e de captação de recursos externos das décadas de 1960 e 1970, beneficiaram, essencialmente, as grandes corporações financeiras, que

[...] passaram rapidamente a financiar os mercados de exportação e de importação e a desempenhar um papel de intermediário entre os bancos estrangeiros e o setor público. Suas atividades no mercado internacional permitiu-lhes atrair os fundos que serviriam ao financiamento dos grandes projetos de infraestrutura (DIAS, 1992, p. 45).

15 O Mercado de Capitais consiste em um sistema de distribuição de valores mobiliários, que tem o

objetivo de proporcionar liquidez aos títulos de emissão de empresas e viabilizar seu processo de capitalização. O mercado de valores mobiliários brasileiro negocia ações, debêntures e quotas de fundos de investimento, conforme deliberações da Lei nº 6.385/76. Em suma, o mercado de capitais orienta sobre as condições ideais para a promoção de emissão de títulos e ações por parte de empresas e Governo, indispensáveis à captação de recursos e financiamento de suas atividades.

Tais medidas reafirmavam, ainda, a tendência da instituição de aparatos legais que favorecessem a concentração das corporações financeiras, mesmo em um período de franca expansão dos serviços financeiros, por meio da difusão de agências pelo território nacional. Nesse contexto, observa-se, entre os anos de 1960 a 1980, uma redução de 67% em relação ao número de sedes de bancos, enquanto o total de agências aumentou 120% no referido período (TABELA 3). Segundo Corrêa (1989, p. 18), a reforma financeira de 1964 privilegiou o processo de concentração-dispersão dos intermediários financeiros, pois favorecia a “[...] diminuição progressiva do número de bancos e o aumento, também progressivo, do número de agências”.

Tabela 3 - Brasil: processo de concentração-dispersão dos intermediários financeiros, 1941-1980

Ano Número de sedes Número de agências

1941 512 1.134 1950 413 2.183 1952 408 2.619 1960 338 5.110 1961 333 5.247 1965 331 6.951 1970 178 7.861 1971 145 7.679 1975 106 8.544 1980 111 11.251

Fonte: Adaptado de VIDEIRA (2006, p. 180).

Para Videira (2006, p. 185), em linhas gerais, é possível traduzir as políticas que constituíram o Sistema Financeiro Nacional nas décadas de 1960 e 1970 a partir do

[...] acelerado crescimento do número de agências e recuo do número de bancos; passagem de bancos de rede local e regional para uma rede nacional; determinações jurídicas favoráveis a centralizar o poder de comando do sistema financeiro na mão de poucas instituições; e concentração de sedes e agências bancárias na metrópole paulista.

Não obstante, a Reforma Financeira instituída em 1964-1965 privilegiava o fortalecimento das grandes corporações financeiras privadas, em evidente perspectiva oligopolista, baseada no enxugamento do número de intermediários financeiros de pequeno porte por meio de fusões e aquisições, que favoreciam a concentração bancária no país. Não por acaso, nas décadas posteriores, começaram a surgir os grandes bancos de capital nacional, que passaram a atuar em dimensão nacional, conforme salientam

Corrêa (1989) e Dias (1992, 2008), com destaque aos bancos Banespa (COSTA, 1989), Nacional S/A (SILVA, 1997), Bradesco e Itaú.

As medidas econômicas adotadas pelo governo militar tinham por objetivo a modernização do sistema financeiro, sua racionalização, sua flexibilidade e sua eficácia. Elas engendraram uma concentração bancária, como testemunham a redução de número de sedes e o aumento da participação relativa de alguns bancos nos depósitos, empréstimos e patrimônio líquido do sistema bancário comercial (DIAS, 2008, p. 120).

Tal normatização buscava a estabilização da moeda e das taxas de inflação, sintetizando os esforços do Governo em equilibrar as finanças nacionais, anseio iminente dos capitais internacionais, cuja expansão, sob perspectivas imperialistas (LENIN, 1979)16, se dava sob espaços normatizados e tecnicizados. Ademais, conforme exposto por Dias (1992, p. 45), em detalhe, é possível observar que o cerne da reforma financeira da década de 1960 vai adiante da mera reorganização creditícia nacional, na medida em que os esforços revelaram uma “via brasileira” para a integração do território.

Documentos relacionados